Transexualidade: efeitos práticos e jurídicos para os originalmente homens

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Transexual

O transexual nasce com o aspecto masculino, todavia, isso está em desconformidade com tudo o que acredita. Sente-se mulher, vê-se como do sexo oposto, emociona-se e tem a sensibilidade de uma pessoa que não é homem.

Na prática, vêm-se numa situação delicadíssima. Tem a morfologia masculina, entretanto, tudo está em descompasso ao que acreditam ser o mais correto, viver na condição de mulher.

Embora algumas medidas fáticas e judiciais tenham sido adotadas ultimamente, por exemplo, inclusão de transexuais em esportes coletivos e mudança do prenome e sexo sem a cirurgia de transgenitalização (ADI 4275 – Pleno – Relator Ministro Marco Aurélio – J. 1.3.2018 e REsp 1626739/RS – T4 – Quarta Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – J. 09.05.2017 – Dje 01.08.2017), retirada do órgão genital masculino, para reforçar a dignidade humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), alguns reflexos negativos podem advir dessas medidas, humanitárias, de efetivação de direitos (intimidade, v. g., art. 5º, inciso X, 2ª figura, da Carta da República) e solidárias (art. 3º, inciso I, 3ª figura, da Lei Teto).

Foto: Agência Brasil

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De proêmio, não parece ser conveniente criar uma terceira modalidade de pessoa natural. Ter-se-iam os homens, as mulheres e as “mulheres com órgão sexual do sexo oposto”. Essa terceira modalidade não seria homem e não seria mulher. Cada uma dessas pessoas tem características morfológicas, psíquicas e hormonais diversas. Dar-se-ia crédito à falta de isonomia entre o transexual e eles. Logicamente, o transexual nunca terá todos os aspectos femininos, todavia, luta durante toda sua vida para, de maneira aceitável para si mesmo principalmente, aproximar-se da condição de mulher. Manter o que mais caracteriza-o homem não parece razoável, para dizer que pode mudar de prenome (direito de personalidade – art. 16 do Código Civil) e sexo. Acaso frequente um banheiro ou vestiário feminino, haveria conversas, insinuações, reclamações, primordialmente se meninas fossem ao mesmo ambiente. Pode-se desejar dar autonomia aos transexuais, dar maior liberdade em suas ações, de outro lado, existe a possibilidade de algumas ou de muitas pessoas manterem seus padrões conservadores. Isso deve ser sopesado, equilibrado, resolvido de maneira razoável para não haver rupturas abruptas e desconcertantes.

Sigilo de informações

Outro aspecto, agora jurídico, é na impossibilidade de se manter sigilo do que fez o transexual, principalmente não operado. Ele mudou de prenome, de sexo, ingeriu hormônios e tem toda a conformação feminina, todos devem ter o direito de saber com quem convivem. Afinal, viver em sociedade é imprescindível e inevitável. Não teria sentido saber de aspectos da vida de um homem ou de uma mulher, isto é, qual o gênero deles e não se saber a real condição do transexual. Imagine-se que busque trabalho de babá de uma criança. Os pais têm direito de saber que é transexual e mantém o órgão masculino. Podem optar por não contratá-lo, por não se sentirem à vontade. É um direito que lhe cabe. Descobrindo isso depois, pode haver a demissão por justa causa.

Uma terceira visão do problema é o encarceramento do transexual. Ele é mulher, pelo menos tem isso consignado em sua certidão de nascimento, até mesmo mudou seu nome. Caso conserve o órgão sexual, não seria conveniente que fosse a um Presídio Feminino. Deve-se evitar ao máximo a promiscuidade. Na companhia de alguém naquela condição, a situação ficaria mais delicada ainda. Num Presídio masculino, infelizmente, seria tratado como um “travesti”, que não é, porém, o sistema carcerário, precaríssimo e violento, está mais amoldado para essa situação (apesar do Ministro Roberto Barroso determinar mudança de dois travestis para estabelecimento compatível com sua identidade de gênero, isto é, no feminino (Habeas Corpus nº 152491), situação mais delicada ainda, pois o travesti difere do transexual, é um homem que ingere hormônios e veste-se como mulher, porém, não quer ser uma mulher efetivamente). Imagine-se surgirem várias grávidas nos Presídios por conta disso. O nascituro viria ao mundo numa situação totalmente inóspita. Não prevaleceria o princípio bioético da beneficência. Haveria a maleficência, o valor ao contrário.

Uma quarta reflexão é a insatisfação do próprio transexual, não tendo necessidade, como a maioria do Supremo decidiu, ou tendo autorização Judicial, para mudar prenome e sexo no registro civil. Isso é formal, importante, mas apenas um efeito do que quer ser: mulher. Deseja isso de maneira plena. Quer ser visto e tratado como mulher. Nessa condição não será tratado dessa forma e, sim, talvez, como, no máximo, um travesti, um gay, o que não condiz com seu desejo.

O quinto e último raciocínio é o seguinte: embora a sociedade queira, em raras vezes, incluir o transexual (como no Oscar de 2018), quando existem diferenças que desconsertam, surgem críticas e dúvidas. O esporte é competitivo, quanto mais profissional, mais se deseja melhorar e impedir que outros ultrapassem suas expectativas. Isso está ocorrendo com jogadora de vôlei transexual, de desempenho altíssimo, pensa-se, até mesmo, em formar liga daquela atividade esportiva para transexuais, devido a diferenciação, principalmente, do alcance de bola e da força. Aliás, a jogadora já praticou vôlei quando era homem. Nesse caso, parece que a mencionada atleta fez a cirurgia de retirada do órgão genital. Imagine-se se não tivesse feito. Sua situação seria mais precária ainda no meio esportivo. Maldades seriam ditas nos vestiários e banheiros. Sua vida, privada, seria devassada, pelo bom rendimento em quadra.

Foto: Pixabay

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Conclusão

A situação do transexual é muito difícil mundialmente. Ele sofre pela diferença. Mesmo com campanhas para inclusão, tratados, leis e decretos, algo que está arraigado na sociedade não é fácil de ser transposto. Discriminar o desigual é mais confortável. Não se tem, numa realidade tão competitiva, tão materialista e tão seletiva, paciência para trazer isonomia às diferentes situações.

Dessa forma, melhor o transexual mudar o máximo que pode para tornar-se quem quer ser, evitando-se, assim, constrangimentos, abalos emocionais e infelicidades. Se de um lado quer ser respeitado, deve enxergar onde está, o momento que convive e aceitar algumas imposições dos terceiros.

 

506Edison Tetsuzo Namba é  Articulista do Estado de Direito. 49. Juiz de Direito em São Paulo. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Docente Formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Docente Assistente da Área Criminal do Curso de Inicial Funcional da Escola Paulista da Magistratura – EPM (Concursos 177º, 178º, 179º e 180º). Docente Civil da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB). Representante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Comitê Regional Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – São Paulo e no Comitê Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo. Autor do livro Manual de bioética e biodireito, São Paulo: Atlas, 2ª ed. 2015.

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