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Revelações cifradas! Simbólicos pedidos de socorro!

Era o 30º encontro, em oficina, com as crianças e adolescentes do Abrigo AR7/Fasc (*) para nove integrantes de 3 a 14 anos. Todos novos, em adaptação, num dia especial em que os mais antigos tinham uma visita já agendada para a piscina. O tema seria uma sequência do encontro anterior, com o acréscimo de uma tela maior. A ideia era a mesma: todos pintando e o inédito: várias autorias e idades na mesma tela. Tudo iniciando pelo espaço da base das telas, com as garatujas dos menores. Instrumentalizando os maiores, para esta importante fase infantil, que crianças do mundo todo passam, na exploração do espaço e dos diferentes materiais, aqui apenas tela, pincel e tinta. Apenas? Quem faz isto com crianças de 3, 4 e 5 anos? Mas é só colocar o pincel em suas mãozinhas e fazer uma vez só o movimento de colocá-lo na tinta e depois na tela para surgir imediatamente uma linda e significativa garatuja, com a cor que escolheram anteriormente.

Tudo isso não sem antes introduzir imagens de outros artistas, diferentes dos da aula anterior, para não ficar repetitivo, que haviam se baseado nos desenhos infantis, mas desta vez a ênfase foi no Hans Harttung (1904-1989), para quem quiser procurar na internet. Desta vez ilustrei com a célebre frase de Picasso: “Levei a vida inteira para aprender a desenhar como uma criança”.

Estou podendo fazer este tipo de oficina, com esta grande diversidade de idades, o que acontece desde o início do projeto, porque nunca tinha estado numa sala com tanto respeito e consideração dos maiores pelos menores. Olha que adolescentes não tem paciência com crianças. Estes tem! Por quê? Pela natural visão empática tipo: “se eu estou impactado com o que eu estou vivenciando agora na minha vida, entre audiências, com um Juiz me ajudando a encontrar meu caminho, o que será que passa na cabecinha desses menores?” Sem contar que é comum encontrar entre eles irmãos, inclusive bem menores ou bebês, no mesmo abrigo, para se ampararem mutuamente. Sim, amparo mútuo, é algo comum entre todos. Claro, com uma briguinha aqui e outra acolá, que ninguém é de ferro.

Enquanto os menores se atiravam em suas garatujas na base delimitada por uma faixa de fita crepe, os maiores ganhavam telas menores para já irem fazendo seus projetos para a tela maior (fotos). Escolhiam a cor e lhes passava um pincel número 1 para usarem como lápis, esquematizando seus desenhos.

Quando percebi que a Pré-adolescente “A” – 13 anos, já tinha concluído seu desenho, disse-lhe que poderia preencher com outras cores, se quisesse:

– Não, obrigada, vai ser tudo preto mesmo.

– Vai ficar muito lindo e expressivo. Parece um desenho a nanquim, ou uma litografia, pensei.

– É a casa do meu pai, o carro do meu pai e eu e o meu pai no canto.

Achei muita enfase no “meu pai” e me preparei para o que poderia vir daí!

– E um anjo para protegê-lo. Olhou para mim e continuou com os olhos rasos d”água. Tenho muitas saudades dele. Ele já morreu.

Guenta coração velho! Tentei relativizar a morte e ela me apoiou, porque sabia que não precisava falar mais nada comigo, Que eu conhecia dentro de mim sua tragédia, pois quando optou pelas cores violeta de fundo da tela e preto para o desenho, me perguntou o que significavam e porque ela escolhera só estas duas cores.

– Porque és uma menina que já passou por muito sofrimento e estás começando a entender o que se passou e se espiritualizando, isto pelo violeta. E o preto para te auxiliar a vencer os medos que tens de enfrentar pela frente. O que todos nós temos, mas viver significa que temos que enfrentá-los e vencê~los. Falamos sobre como o estudo nos auxilia. Que nunca deve desistir dele, porque ele foi muito importante para mim. Graças ao meu estudo estava encontrando ela ali e feliz com sua participação! Estava na quarta série, evidente que a tragédia lhe afetara demais, mas com um enorme esforço se recuperava.

Passou a executar seu trabalho na tela maior, sob a garatuja do menino “Y” de 3 anos. Um desenho de um simbolismo extraordinário, com um sol negro do lado esquerdo, com nuvens e chuva e 4 pássaros, que também são o número 3, com um anjo ladeado por 2 corações e algo caindo do anjo. Que não cabe aqui revelar, porque neste momento o pedido de socorro, parece que encontrou guarida em seu coração pré-adolescente. o que se confirmou a seguir, depois que executou suas duas tarefas.

– Posso pintar outra tela?

– Claro! Especialmente porque queria avaliar o que tinha significado sua estada na oficina.

Com o fundo vermelho e salpicado com cinza e azul, escreveu a palavra “love”. A força impulsiva do vermelho, mesclado a tristeza do cinza e a cor azul da amizade ( simbologia da cores de Kandinsky na obra “Do Espiritual na Arte”). Concluiu e me disse:

– Este fiz de presente prá ti!

Me entregou e nos abraçamos!

– Estuda! Estuda! Era só o que conseguia dizer baixinho em seu ouvido. Ela afastou seu rosto me olhou nos olhos e disse:

– Acho que vou querer ser psicóloga ou assistente social!

– Tu vais arrasar!

Guenta coração velho!

Esperava relatar aqui o caso de outro adolescente, o da árvore, nesta mesma oficina, mas ficaria grande demais. Aliás, poderia relatar os “insigtts” que cada um dos participantes tiveram com esta proposta pictórica.

Artinclusão no AR7/Fasc é uma promoção Fumproarte/Prefeitura de Porto Alegre

(*) O AR7 é um Abrigo de Passagem da Fasc, que acolhe crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, sob a tutela do Judiciário

 

Fotos em: https://www.artinclusao.com.br/post/revela%C3%A7%C3%B5es-cifradas-simb%C3%B3licos-pedidos-de-socorro

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