Assédio Laboral praticado pela Administração Pública: princípios lesados (2ª. Parte)

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

 

Prática do Assédio Laboral

O princípio da igualdade é violado pela prática do Assédio Moral no Trabalho no interior do Serviço Público.
De acordo com a Constituição Federal, o princípio da igualdade está previsto no artigo 5º, que assim ordena: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Neste sentido, a Carta Política repele qualquer discriminação, seja por razão de nascimento, raça, sexo, orientação sexual, estado civil, idade, religião, opinião, convicções ideológicas, condição social, incapacidade etc.
Aliás, na Europa há o intitulado “acoso discriminatório” com distinta proteção em hipóteses nas quais o trabalhador, por pertencimento a um grupo especial sofre o comportamento assediante. Assim, o fator propulsor do Assédio Laboral é esta específica característica. (1)

Neste ínterim, por exemplo, surge discriminação comumente praticada por razão de sexo, em que se tem a mulher como vítima assediada. Aqui, inúmeros pretextos são manejados, sendo o estado gestacional ou atributos físicos alguns deles. (2)

Literalmente:

“No se trata sólo de un rechazo de las desigualdades de trato injustificadas, sino de una prohibición más rigurosa, una exigencia de paridad y no diferencia por determinados motivos que se consideren odiosos. Y como expresión de la igual dignidad de todos los seres humanos, la prohibición de discriminación obliga a todos os poderes públicos y tiene plena eficacia horizontal, esto es, se aplica diretamente a las relaciones entre particulares.” (3)

Importa realçar todavia que, nem todo comportamento assediante implica necessariamente em discriminação. Traz-se aqui, à colação o Straining ou Assédio Moral Organizacional em que todos os empregados são submetidos a um estresse na gestão empresarial a visar o lucro.

 

De qualquer maneira, o trato desigual fornece indícios seguros da prática do Assédio Laboral a que se deve acrescer a tenção humilhante, vexatória, apta a destruir o outro, nota insofismável do assédio.

O princípio da inviolabilidade à privacidade está previsto em nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, dispondo que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
E, é inequívoco que o Assédio Laboral atinge a honra do assediado.

Contudo, pelo princípio da inviolabilidade à privacidade alcança-se um âmbito que deve estar preservado a qualquer intrusão, quiçá aquela advinda do Assédio Moral no Trabalho.

Noutros termos, já existe uma proteção da intimidade no seio da relação laborativa – informações atinentes à vida pessoal/familiar etc. – que deve estar, em princípio, resguardada do acesso de qualquer pessoa.

Na conjectura do Assédio Laboral, intervenção nas comunicações inclusive eletrônicas, obtenção de informações sigilosas, controle abusivo da prestação laboral com registros constrangedores, propagação de rumores ou críticas sobre aspectos pessoais do trabalhador comprometem a esfera privada do trabalhador além de óbvia repercussão na honra do mesmo. (4)

O princípio constitucional da liberdade de expressão e pensamento, que a Constituição Federal de 1988 abriga como direito fundamental nos incisos IV e IX do seu artigo 5°, é vulnerado quando da prática do Assédio Laboral.

De acordo com Celso Ribeiro Bastos:

“A liberdade de pensamento nesta seara já necessita de proteção jurídica. Não se trata mais de possuir convicções íntimas, o que pode ser atingido independentemente do direito. Agora não. Para que possa exercitar a liberdade de expressão do seu pensamento, o homem, como visto, depende do direito. É preciso, pois, que a ordem jurídica lhe assegure esta prerrogativa e, mais ainda, que regule os meios para que se viabilize esta transmissão.” (5)

Isolamento da Vítima

Fonte: pixabay

Fonte: pixabay

Dentre as manifestações do comportamento assediante tem-se o isolamento da vítima que traz subtraído seu direito a expressar suas opiniões pessoais/profissionais. Tal manejo aliás, dá-se com o intuito de romper os laços com os demais colegas de trabalho, fragilizando e dificultando reações da vítima.
Além disso, ao referir-se especialmente a líderes sindicatários, o silêncio reflete-se inclusive na coibição à liberdade sindical.

No mais, vale salientar-se que, a Administração Pública encontra-se afeta à interferências ideológicas e políticas, e pois, um desvio da corrente majoritária, já é suscetível de propiciar situações de Assédio Laboral.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição encontra-se insculpido na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXXV ao garantir o direito público subjetivo do cidadão de acionar o Poder Judiciário.
Assim prescreve: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Pois bem, sem embargos de todos os entraves ao processamento de investigações administrativas contra o assediador junto à Administração Pública, pode a vítima demandar reparos junto ao Poder Judiciário. Convém aqui salientar que, tal decisão é passível de suscitar vindictas que encorpa o Assédio Laboral sofrido.

Literalmente:

“En efecto, la jurisprudencia constitucional há declarado en varias ocasiones la nulidade de aquellas decisiones extintivas de la relación laboral – y en algún caso de outro tipo de sanciones disciplinarias – que se entendían reveladoras de uma actitud de represália ante la acción judicial empreendida com anterioridade por parte del trabajador despedido.” (6)

Direito do Trabalho

No que concerne aos princípios referentes ao Direito do Trabalho, pode-se fazer seleta referência ao princípio da proteção, da Irrenunciabilidade de direitos e da estabilidade, todos submetidos ao desrespeito pela violência psicológica consistente no Assédio Laboral.

Neste sentido, especialmente quanto ao princípio da estabilidade, recorde-se que, de sabença, a fase final do acosso incide sobre o afastamento do assediado do local de trabalho ao não suportar mais o terror psicológico. E pois, concretiza-se o vilipêndio à estabilidade do funcionário público.

E, ainda que se possa cogitar até de uma precoce aposentadoria, tal não tem o condão de repelir, in abstracto, a violência psicológica e o descumprimento da obrigação em proteger o empregado que teve inúmeros direitos lesados pelo fenômeno pluriofensivo do Assédio Moral. (7)

Estas são apenas algumas da regras fundamentais atingidas pelo Assédio Laboral no Serviço Público.

Referências

(1) SEGOVIA, A.J. Acoso Moral en el Trabajo: Análisis jurídico-laboral. Madrid: La Ley. 2008.
(2) Ibidem.
(3) ob.cit. p. 106.
(4) Ibidem.
(5) BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p.187.
(6) SEGOVIA, A.J. ob.cit. p. 123.
(7) Ibidem.

 

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

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  1. Ale Lima

    Prezada Dra Ivanira,
    Seu texto traz conforto aos trabalhadores da esfera pública. Encontro-me em situação conflituosa no setor onde trabalho e, para demonstrar boa fé diante da recente criação do setor de Compliance (Lei das Estatais), aguardo a apuração do processo administrativo aberto por mim no começo de 2018. Apesar de temer o perdão tácito, já concedido anteriormente à mesma funcionária, espero a resolução da questão pelo setor competente. Entendo que não cabe a mim nem julgar nem aplicar quaisquer sanções, entretanto ainda consigo ver o quão importante é o meu papel como a segunda assediada (dentre um rol de colaboradores que tiveram medo ou que pesaram suas conveniências pessoais) com bravura suficiente para não esmorecer diante da falta de atualidade e da institucionalização do assédio, inclusive, responsáveis pela propagação do efeito de manada. Inúmeros trabalhadores vão aos consultórios médicos para pedir afastamento, aumentando o absenteísmo, ou adotam caminhos conflituosos como denúncia ao MPT, quando a celere apuração já resolveria boa parte dos casos.
    Obrigada mais uma vez por dissipar tais conhecimentos e trazer à tona uma questão tão enraizada e subestimada no setor público. P.S.: Aguardo o projeto de lei, parado na Câmara há 16 anos, que responsabiliza setores da empresa pela cumplicidade, omissão e negligência em casos de assédio moral.

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