Pessoa Jurídica e Dano Moral

Ponto controverso na prática diz respeito ao fundamento jurídico apto a embasar pedido de indenização por dano moral em favor de «pessoa jurídica».

Como é cediço, como regra, para a caracterização do dano moral são necessários os seguintes elementos: a) o ato, b) o dano, c) nexo de causalidade entre o ato e o dano, e d) o dolo ou a culpa do agente causador do dano. Demais disso, toda e qualquer responsabilidade civil repousa na ofensa a um bem jurídico (Caio Mario da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, n. 44, p. 53).

No caso do dano moral, esse «bem jurídico» ofendido consubstancia-se na lesão a direitos da personalidade. Ofendem-se, assim, a dignidade da pessoa humana, seu íntimo, a honra, sua reputação, seus sentimentos de afeto (Henri Mazeaud, Léon Mazeaud e André Tunc. Traité théorique et pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle, t. 1.º, 5.ª ed., Paris: Montchrestien, 1957, n. 308, p. 387).

Contudo, em se tratando de «pessoas jurídicas», a extensão dos direitos da personalidade «não» é ampla e irrestrita, como, em verdade, decorre da própria dicção legal do CC art. 52 (“Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”), o que, inclusive, é consentâneo com o conceito analógico de pessoa jurídica de Lamartine Corrêa, para quem a própria ideia de pessoa jurídica é uma criação jurídica por analogia, i. e., a pessoa jurídica é pessoa de modo analógico à pessoa natural (Lamartine Corrêa. Conceito da pessoa jurídica, Curitiba: Tese de Livre-Docência, 1962, pp. 164/165). Nesse contexto, os direitos da personalidade são «imanentes» à pessoa humana, podendo ser em certas situações extensíveis às pessoas jurídicas (cfr. STJ, 3.ª T., REsp 1032014-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.5.2009, DJ 4.6.2009), mas nunca aqueles direitos cuja própria existência esteja direta e indissociavelmente ligada à personalidade humana.

Assim o é, na clássica lição de Walter Moraes, na situação da honra, não sendo a pessoa jurídica titular de «honra subjetiva», mas sendo titular de honra «objetiva» (Walter Moraes. Direito à honra, in Rubens Limongi França (coord.). Enciclopédia saraiva de direito, v. 25, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 208). Trata-se de «honra objetiva» da pessoa jurídica, que é distinta da honra subjetiva dos indivíduos que a compõem (sócios, v.g.).

Aqueles danos que podem ser causados exclusivamente à honra subjetiva «não» podem ser experimentados pela pessoa jurídica, tais como, angústia, dor, sofrimento, abalos psíquicos, dignidade, humilhação, autoestima, desestabilidadeemocional,desconforto etc.

Isto porque, a pessoa jurídica «não» é titular de corpo ou psiquismo, não sendo capaz, portanto, de experimentar dor ou emoção (= sofrimento físico ou sofrimento psíquico ou emocional). «Essa» distinção entre honra subjetiva e honra objetiva para fins de indenizabilidade de dano moral da pessoa jurídica já foi feita em paradigmático acórdão do E. Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do E. Min. Ruy Rosado de Aguiar (STJ, 4.ª T., REsp 60.033-2-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 9.8.1995, DJ 27.11.1995).

Deste modo, a verdadeira quaestio iuris não é saber «se» a pessoa jurídica pode experimentar dano moral,o que já é matéria, inclusive, sumulada (STJ 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”), mas, sim, «quando e como» a ela pode sofrer dano moral.

E, em se tratando de pessoa jurídica, o «dano moral» sempre será «objetivo» e nunca subjetivo, haja vista, como dito, não ser ela titular de honra subjetiva, e apenas e tão somente de honra objetiva.

Essa é a razão pela a qual a doutrina proclama que, nessa temática, “indeniza-se o dano moral em função do atentado à honra objetiva da pessoa jurídica” (Yussef Said Cahali. Dano moral,3.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, n. 8.7, p. 387), pois a pessoa jurídica apenas e tão somente pode ser atingida em sua honra objetiva (seu bom nome, reputação ou imagem), é dizer, somente pode sofrer abalo ao conceito público que projeta na sociedade, uma vez que ela «não» possui honra subjetiva.

Portanto, para caracterização de dano moral à pessoa jurídica, faz-se necessária a comprovação dos danos que sofreu em sua imagem e em seu bom nome comercial, que se consubstanciam em atributos «externos» ao sujeito, e, por isso, dependentes de prova específica a seu respeito.

Assim, a indenização por dano moral da pessoa jurídica somente pode ser deferida diante da demonstração de provas concretas que evidenciem que seu nome no mercado (honra objetiva) sofreu, de fato, graves danos, não se podendo «presumir» o dano moral em prol da pessoa jurídica, como se admite quando se busca aferir dano à honra subjetiva da pessoa humana,que, por referir-se, exclusivamente, à dor moral que afeta o psiquismo, é, por essa razão, insuscetível de prova.

Assim, íntimo das pessoas, angústia, sofrimento, sentimento, decoro, paz interior, crenças íntimas, sentimentos afetivos de qualquer espécie, liberdade, vida e integridade física, consubstanciam-se «todos» em direitos da personalidade,cuja própria existência é direta e indissociavelmente ligada à personalidade humana (pessoa humana), nunca podendo ser experimentados pela pessoa jurídica, cuja ausência de corpo e psiquismo a tornam incapaz de experimentar dor ou emoção (sofrimento físico ou sofrimento psíquico ou emocional).

Por fim, mero abalo a patrimônio igualmente «não» se traduz em dano moral, que justamente é caracterizado pela extrapatrimonialidade, sendo que patrimônio é dano «patrimonial» (= dano material). Afinal, o dano que for patrimonial não é moral(Agostinho Neves de Arruda Alvim. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências,Rio de Janeiro: Ed. Jurídica e Universitária, 1965, p. 215).

Entender-se de forma diversa equivaleria a dizer que toda e qualquer disputa comercial entre empresas, ou impontualidade no pagamento, incumprimento contratual, gerariam sempre o dever de indenizar moralmente a pessoa jurídica lesada, o que não nos parece verdadeiro.

Thiago Rodovalho

Professor-Doutor da PUC|Campinas. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, com Pós-Doutorado no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo, Alemanha. Membro do IASP, do IDP, do IBDP e do IBDFAM. Autor de diversas publicações no Brasil e no exterior. Advogado em SP.

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