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Jurisprudência: Perspectiva de gênero nas decisões trabalhistas – TRT – 4ª Região

ACÓRDÃO

0020720-41.2018.5.04.0027 (PJe) RO

 

DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FELIN D AMBROSO

Órgão Julgador: 8ª Turma

 

Polo Ativo: XXXXXXXXXXXXXX

Polo Passivo: XXXXXXXXXXXXXXX

Origem: 27ª Vara de Trabalho de Porto Alegre

Prolator da Sentença: JUIZ(A) MARIA TERESA VIEIRA DA SILVA OLIVEIRA

 

E M E N T A

 

PERSPECTIVA DE GÊNERO. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES – CEDAW) E CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ). DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA DE ENGENHEIRO POR ATO ATENTATÓRIO À LIBERDADE E DIGNIDADE DA MULHER. MANUTENÇÃO. CONTEXTO FÁTICO E JURÍDICO QUE AUTORIZA A APLICAÇÃO DA MEDIDA. ASSÉDIO     SEXUAL.     VIOLÊNCIA     DE   ORDEM PSICOLÓGICA. 1. Posição privilegiada dos homens como sujeitos de direito, no contexto de uma sociedade patriarcal, que impõe a análise da questão sob uma perspectiva de gênero. Discriminação invisibilizada da mulher proveniente não apenas do conteúdo legislativo formal,  mas  da   estrutura   cultural   da  sociedade que perpetua a exclusão da mulher do sistema de justiça. 2. Apesar da dispensa do empregado por justa causa ser medida extrema, que macula a vida profissional do trabalhador, razão pela qual exige prova robusta por parte do empregador, a quem incumbe o ônus probatório, os valores que subjazem a questão em apreciação, correspondentes aos Direitos Humanos das mulheres contra todas as formas de discriminação e violência, demandam contextualização distinta do caso. 2. A perspectiva    de    gênero,    nas   hipóteses de discriminação contra a mulher ou violência, implica na inversão do ônus probatório, fazendo  com que o agressor tenha de provar que a diferença de tratamento com a mulher se encontra justificada. 3. Depoimentos colhidos durante o procedimento interno de apuração que, embora não tenham o mesmo valor de prova judicial, constituem  indícios que demonstram nexo discriminatório na conduta inadequada do autor, ao enviar livro  com conteúdo  religioso repressivo da sexualidade humana à sua estagiária. Além disso, apontamentos de comportamento rotineiro do autor, ao aproximar-se de estagiárias, valendo-se de sua posição como engenheiro e detentor de conhecimentos técnicos (superioridade), a revelar o contexto de assédio sexual na tentativa de induzir um comportamento desejado da vítima em consonância à sua vontade, em relação assimétrica de poder. 4. A preservação do direito ao trabalho do autor, convivendo no ambiente laboral com a vítima, neste caso, vulneraria o direito desta à preservação de sua dignidade, como também de outras mulheres, que estaria aviltada tão somente com a presença do agressor no trabalho. 5. Aplicação extensiva analógica da Lei 11340/06 (Lei Maria da Penha), para afastamento do agressor do local de convívio com a vítima. Conduta que se reveste de gravidade suficiente para o término motivado da relação de trabalho.

COMUNICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. INSUFICIÊNCIA DA APLICAÇÃO DE JUSTA CAUSA, PELA EMPRESA, PARA PRESERVAR DIREITOS HUMANOS DA MULHER VIOLADOS NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. 1. A validação de justa causa aplicada para desligamento do agressor não retira a obrigatoriedade da empresa adotar condutas tendentes a reparar e evitar a repetição do ocorrido. 2. Conforme dispõe o Decreto 9571/18, que institui as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, em seu art. 5º,  III, bem como art. 6º, I e X, é obrigação empresarial promover a educação de seu corpo funcional, clientes, terceiros e comunidade, no contexto sobre Direitos Humanos, quanto à não discriminação, respeito à liberdade religiosa e de orientação sexual, etc., além do dever de enfrentar os impactos adversos em Direitos Humanos com os quais tenham algum envolvimento, como na espécie, em relação à necessidade de preservação, respeito e reparação de Direitos Humanos das mulheres violados no contexto das suas relações de trabalho.  Assim, deve ser reconhecido que o simples desligamento do trabalhador por justa causa não alcança o cumprimento desta obrigação. 3. Cabível a devida comunicação ao Ministério Público do Trabalho para a persecução da tutela coletiva, na forma do art. 7º da Lei 7347/85.

A C Ó R D Ã O

 Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR para isentá-lo do recolhimento de custas processuais, bem como para absolvê-lo do pagamento de honorários sucumbenciais em prol da ré. Expeça a Secretaria da Turma o ofício ao Ministério Público do Trabalho, nos termos da fundamentação.

Intime-se.

Porto Alegre, 24 de agosto de 2020 (segunda-feira).

R E L A T Ó R I O

 Da sentença da MM. Juíza, Dra. Maria Teresa Vieira da Silva Oliveira, na qual julgadas improcedentes as postulações da inicial (ID. 9212043), o autor interpõe recurso ordinário (ID. 15461a2), abordando temas referentes à gratuidade da justiça, honorários advocatícios à parte contrária e ausência de justa causa para rescisão contratual.

Com contrarrazões, vêm os autos ao Tribunal para julgamento.

Processo não submetido à análise prévia do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

 

V O T O

DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO (RELATOR):

DADOS DA RELAÇÃO LABORAL: trabalhador admitido em 28/06/2001, por concurso público, na função de Engenheiro Eletricista, percebendo por último salário de R$10.298,40 acrescido de adicional de periculosidade. Dispensado em 04/12/2017, sob alegação de justa causa. Valor da causa na inicial: R$100.000,00.

RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR.

  1. JUSTIÇA GRATUIRA

 

“Ajuizada a presente após a Lei n° 13.467/17, a concessão dos benefícios em comento depende de prova de que o reclamante perceba “salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social” (artigo 790, §§3° e 4°, da CLT).

Na hipótese, não há prova de que o autor receba salário inferior ao limite máximo previsto na norma.

Assim, não comprovando o reclamante ter preenchido o requisito legal, rejeito o pleito em comento.

Explicito que a presente decisão, quanto à concessão dos benefícios da AJG, poderá ser revista se sobrevir aos autos documentos que comprovem alteração da circunstância em questão.

Outrossim, o reclamante pagará honorários de sucumbência ao procurador da reclamada, no valor equivalente a 5% sobre o valor da causa, na forma do artigo 791-A da Norma Consolidada.”

O autor requer a concessão do benefício da Justiça Gratuita e absolvição do pagamento de honorários sucumbenciais em prol da ré.

A CLT, atualmente, assim dispõe acerca do tema:

 

Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. (Incluído pela Lei nº .13.467, de 2017)

§1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (…)

§3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

A norma que trata acerca de honorários advocatícios não pode ser vista sob a natureza unicamente processual, uma vez que está diretamente relacionada à procedência ou não de pretensões de cunho material, buscadas na petição inicial. Ainda que haja pretensões rejeitadas da parte autora, admitir honorários de sucumbência em desfavor de trabalhador que ajuíza ação com o objetivo de obter típicos direitos trabalhistas representa engessamento do direito constitucional de ação, especialmente, na seara trabalhista, na qual a imensa maioria de todos os trabalhadores dependem da concessão de justiça gratuita para estar em juízo.

E mais, chancelar, eventualmente, o pagamento de honorários de sucumbência com os créditos de típica ação trabalhista, na qual o trabalhador persegue basicamente direitos de natureza alimentar, mostra- se ilegítima, especialmente em se considerando a impossibilidade de penhora de verbas de natureza salarial, observado o princípio da intangibilidade salarial (art. 7º, VI e X, CRFB) e a necessidade do assistido pela justiça gratuita, uma vez que os créditos postulados, como regra geral, inevitavelmente, destinam-se à sobrevivência do demandante e de sua família.

Ainda, convém registrar o que dispõe a Convenção 95 da OIT, ratificada pela República Federativa do Brasil, por meio do Decreto 41.721/57:

ARTIGO 1º

 Para os fins da presente convenção, o termo “salário” significa, qualquer que seja a denominação ou modo de cálculo, a remuneração ou os ganhos susceptíveis de serem avaliados em espécie ou fixados por acordo ou pela legislação nacional, que são devidos em virtude de um contrato de aluguel de serviços, escrito ou verbal, por um empregador a um trabalhador, seja por trabalho efetuado, ou pelo que deverá ser efetuado, seja por serviços prestados ou que devam ser prestados. (…)

ARTIGO 10

1.O salário não poderá ser objeto de penhora ou cessão, a não ser segundo as modalidades e nos limites prescritos pela legislação

2.O salário deve ser protegido contra a penhora ou a cessão na medida julgada necessária para assegurar a manutenção do trabalhador e de sua família .

Frise-se que foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766/DF, tendo como objeto, entre outros dispositivos decorrentes da Lei 13.467/2017, a expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, prevista no § 4º, do art. 791-A da CLT.

O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), tratado no qual se comprometeu, perante a comunidade internacional, a observar os direitos humanos ali previstos, nos quais se colhe o acesso à justiça facilitado quando se tratar de garantias fundamentais:

1.Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

 Os créditos trabalhistas, via de regra, são direitos fundamentais, previstos nos arts. 6º e 7º da Constituição da República, portanto, há direito humano e fundamental de acesso à justiça, quando se trata de direitos sociais previstos nos referidos dispositivos constitucionais e deve ser aplicada a norma da Convenção Interamericana  de Direitos Humanos relativa à simplificação, rapidez e efetividade do instrumento processual que protege o bem da vida vindicado, valores jurídicos intangíveis e que absolutamente não são compatíveis com o pagamento de honorários sucumbenciais ou custas pelo trabalhador.

Por outro lado, na interpretação do acesso à justiça facilitado para defesa de direitos e garantias fundamentais, a própria Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece os critérios hermenêuticos:

Artigo 29. Normas de interpretação

 Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; c. excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

Assim, por qualquer prisma que se analise a questão, é descabida a interpretação restritiva do direito humano de acesso à Justiça do Trabalho que se pretende impor, mediante sucumbência à parte, independentemente de obter, ou não, a concessão do benefício da Justiça Gratuita ou da Assistência Judiciária.

Desse modo, entendo que, em qualquer hipótese, deve ser excluída a incidência da disciplina prevista na Lei 13.467/17, absolvendo-se o autor do pagamento de honorários sucumbenciais em prol da ré.

Por outro viés, o autor declara insuficiência econômica, o que basta para caracterizar a situação de pobreza do trabalhador e ensejar a concessão do benefício da gratuidade da justiça e da assistência judiciária gratuita, dispensando a credencial sindical mencionada pela Lei 5584/70 e pelas Súm. 219 e 329 do TST. Incidência da Súm. 450 do STF.

Saliento que a declaração de pobreza apresentada é suficiente para se considerar configurada a situação econômica do trabalhador e sua veracidade é presumida, até prova em contrário, conforme o art. 4º da Lei 1.060/50, com a redação dada pela Lei 7.510/86. De fato, não há considerar que a expressão do salário, por si só, representa a situação econômica do trabalhador, na medida em que outros aspectos devem ser levados em conta para se chegar a esta convicção. Por isso, o fato do empregado perceber salário superior ao dobro do mínimo legal em nada autoriza concluir, venia concessa, que esteja em condições de suportar o ônus de uma demanda sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família.

Neste contexto, uma vez que a declaração de pobreza dos autos tem os efeitos pretendidos, presumindo-se pela condição de insuficiência econômica do trabalhador, dou provimento ao recurso, no item, para isentar o autor do recolhimento de custas processuais, bem como para absolvê-lo do pagamento de honorários sucumbenciais em prol da ré.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos,  restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

2.      JUSTA CAUSA. INCONTINÊNCIA DE CONDUTA E MAU PROCEDIMENTO.

A sentença está assim fundamentada:

“Consoante a exordial, o autor teria trabalhado para a reclamada no período compreendido entre 21/10/1987 e 09/01/2017, na função de engenheiro eletricista, auferindo, por último, salário de R$10.298,40 (dez mil, duzentos e noventa e oito reais e quarenta centavos), acrescidos do adicional de periculosidade.

Sustenta que “foi despedido por alegada justa causa, após o tramite de fraudulento PAD -PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, que tinha por objetivo verificar se o reclamante teria Praticado ato de OFENSA DE CARATER SEXUAL contra uma colega de trabalho”.

 Alega que “houve uma armação de um grupo de colegas que não tinham simpatia para com o reclamante, por acha-lo fora do padrão do funcionalismo público, com dedicação demasiada as suas tarefas, e sem a convivência com os colegas que entediam ser o padrão ideal de comportamento. Enfim, o reclamante não estava no Padrão desejado pelo Grupo, num verdadeiro corporativismo negativo a bom desempenho profissional e a própria empresa”.

Diante do exposto, postula a antecipação de tutela para determinar sua reintegração ao emprego.

Outrossim, pugna pela nulidade da dispensa por justa causa, com reintegração no emprego e pagamento de salários vencidas e vincendos, desde a ilegal despedida, até a efetiva reintegração.

Sucessivamente, pleiteia a reversão da rescisão para dispensa imotivada, com o pagamento das verbas rescisórias, quais sejam: aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, férias vencidas e proporcionais, 13º salários vencidos e proporcionais e FGTS acrescido da multa de 40%.

Ainda, em caso de não reintegração, requer a liberação dos depósitos do FGTS da contratualidade, bem como da liberação das guias do seguro-desemprego.

A reclamada, em defesa, impugna a pretensão, asseverando que “a rescisão contratual ocorreu no dia 04/12/2017, na modalidade justa causa por parte do empregado por ato de incontinência de conduta e mau procedimento, nos termos do artigo 482, b, da CLT”.

Cita que “no dia 28/11/2016, o autor encaminhou à estagiária de nome _______, pelo correio eletrônico corporativo cópias de um livro denominado DESINTOXICAÇÃO SEXUAL – Um Guia Para o Jovem Solteiro, material não relacionado ao trabalho e não solicitado pela mencionada estagiária”.

Acrescenta que “se sentindo moralmente ofendida, assediada indevidamente e indignada com o material recebido, no dia seguinte a estagiária ______ registrou Boletim de Ocorrência Policial perante a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, tipificando o fato como assédio sexual”.

Informa que no âmbito da empresa, a referida estagiária “relatou os fatos aos seus superiores, que procuraram orientação no DRH da reclamada, que por sua vez encaminhou o assunto à Diretoria para instauração de Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar”.

Aduz que a Comissão de Sindicância não constatou a existência de assédio moral, pela ausência de identidade entre o ato praticado pelo autor e aquele expressamente previsto no tipo penal, mas reconheceu a prática de infração disciplinar grave.

Ressalta que “houve conduta faltosa do autor, com o seu modo de agir e falar em desarmonia com a regra geral, que constrangeu seus colegas de trabalho, em especial a estagiária______, e que há relação das condutas com o contrato de trabalho”.

Repisa que “conforme as conclusões do Processo Administrativo Disciplinar, o autor praticou atos de incontinência de conduta e mau procedimento, plenamente aplicável o artigo 482, alínea b, da CLT, sendo irreparável o ato de demissão do autor por justa causa”.

Argumenta que improcedem os pedidos contidos na exordial. Ao exame.

Cumpre, de início, destacar que a tutela de urgência requerida pelo autor foi indeferida, nos termos da decisão de ID 2956e00, como visto alhures.

Pois bem.

 Cinge-se a controvérsia apresentada nos autos à verificação do cometimento, pelo autor, de falta grave motivadora da rescisão justificada do contrato de trabalho.

(…)

 Exsurge do documento colacionado no ID 3b7a77b – Pág. 29 que o reclamante foi dispensado por justa causa, frente à imputação de ter incorrido nas condutas descritas na alínea “b” do artigo 482 da CLT, quais sejam, “incontinência de conduta ou mau procedimento”.

(…)

 Feitas tais digressões, cumpre referir que cabia à ré o encargo probatório quanto à ocorrência da justa causa atribuída ao autor.

(…)

Na hipótese, observo que a ré se desincumbiu de seu ônus probatório quanto ao alegado cometimento de incontinência de conduta e mau procedimento por parte do autor, face às razões que se expõe a seguir.

Senão vejamos.

 Extrai-se dos autos que a ré, ao tomar ciência dos fatos relatados por colega que trabalhava no mesmo setor que o autor, instaurou os Expedientes Internos nº 100001020631 e 100001021574 (ID’s b7deec0 e seguintes), a fim de apurar a conduta deste em relação aos demais empregados.

Da análise dos referidos procedimentos, verifica-se que foi nomeada comissão composta por três empregados da ré, de acordo com seus regulamentos (NDRH-05.001 e NDRH- 05.002), cuja atribuição foi colher as declarações do autor, de seus superiores imediato e mediato, além de testemunhas e da própria estagiária envolvida (ID 0e4a535 – Págs. 1/13), bem como proceder à análise da defesa escrita e documentos.

A conclusão do Expediente Interno nº 100001020631 é no sentido de que “em virtude das informações obtidas nesta Sindicância, considera-se que há elementos suficientes para caracterizar infração disciplinar grave por parte do denunciado, ______________ (…)” (ID 0e4a535 – Pág. 20).

Assim, constata-se que a conclusão obtida no referido expediente interno motivou a instauração do Processo Administrativo Disciplinar nº 100001024042 (ID e95d9df – Pág. 22), no qual foi indicada a formação de comissão formada por outros empregados, com o objetivo de analisar os documentos e fatos anteriormente relatados, proceder à oitiva individual das partes envolvidas diretamente, assim como da Chefia da Divisão e de empregados que conviviam com os envolvidos no ambiente laboral, além de apreciar o histórico funcional e as avaliações de desempenho do autor.

Em que pese o autor ter alegado a nulidade do procedimento, em razão de sofrer perseguição por parte dos empregados envolvidos, por entender que se encontrava “fora do padrão do funcionalismo público”, nenhuma prova produziu a fim de corroborar suas alegações.

Com efeito, não se extrai dos autos qualquer elemento que indique inimizade ou interesse dos colegas ouvidos ou dos apuradores na aplicação de sanções ao demandante, encargo que lhe incumbia.

Não há prova da suspeição dos membros integrantes das comissões de sindicância que aplicaram a sanção ao demandante.

Quanto aos atos que motivaram a instauração dos processos administrativos, é incontroverso nos autos que o demandante utilizou seu e-mail corporativo para enviar conteúdo de cunho sexual e religioso a uma estagiária da empresa, sem o seu consentimento.

Nada obstante a reclamada ter concluído, através do processo administrativo disciplinar, que não teria ficado comprovado o assédio sexual propriamente dito, entendo que restou sobejamente demonstrado, in casu, que a conduta do autor em relação à estagiária e demais empregadas do sexo feminino com quem laborou foi absolutamente inapropriada ao ambiente em que se encontravam, extrapolando os direitos inerentes ao contrato de trabalho e à sua liberdade de expressão, assim como os limites da relação social entre os envolvidos, o que causou prejuízos ao desenvolvimento das atividades profissionais, ao ambiente de trabalho e ao relacionamento entre colegas, além de afetar, eventualmente, a imagem da empresa, eis que ocorreram no local de trabalho.

Repisa-se que a sindicância, bem como o processo disciplinar produziram pareceres e relatórios finais (ID 0e4a535 – Pág. 14/23 e ID 3b7a77b – Págs. 11/20), nos quais as condutas do reclamante foram minuciosamente descritas e  analisadas, assim como foram apontados, de forma específica, os dispositivos legais e internos violados.

Nessa senda, verifico que os empregados sindicantes apresentaram, de maneira clara e objetiva, os atos praticados pelo autor que fundamentaram o ato punitivo.

 Verifico que nos procedimentos administrativos foram colacionados documentos que comprovam o teor dos e-mails enviados pelo autor.

Quanto ao exercício do direito de defesa pelo demandante, verifica-se da farta documentação trazida aos autos, que as sindicâncias internas obedeceram aos princípios do contraditório e ampla defesa.

Saliento, outrossim, que não se verificou óbice ao reclamante em acessar as informações constantes dos autos das sindicâncias administrativas, sendo-lhe ofertadas cópias integrais dos autos, conforme requerimento de ID a40e768 – Pág. 31 e seguintes.

Registro, ainda, que foi garantida a oportunidade de oferecer manifestações, as quais foram apresentadas, inclusive, por intermédio de advogado constituído pelo demandante (v.g.manifestação de ID 7e13201 – Págs. 7/16).

Quanto à penalidade imposta, não se vislumbra qualquer desproporcionalidade, na medida em que escorreitamente sopesada a gravidade da falta funcional do demandante.

Nessa senda, considero que as decisões proferidas nos processos administrativos, que culminaram na dispensa por justa causa, foram amplamente fundamentadas,  conforme acima explicitado.

Nessa senda, caracterizada a falta grave, capitulada na alínea “b” do artigo 482 da CLT, cumpre reconhecer a validade da dispensa motivada do autor ocorrida em 09/01 /2017, afastando- se o pleito de reintegração ao emprego, bem como o pedido sucessivo de conversão em dispensa imotivada, com o pagamento dos consectários legais, arrolados nos itens “a”, “b”, “c” e “d” do petitório.”

Em recurso, o autor aduz que, no curso da investigação administrativa, restou demonstrada a inexistência do alegado assédio sexual, conforme expressamente reconhecido pelo relator do inquérito administrativo para apuração de falta grave. Pondera que, mesmo não sendo a melhor maneira de manter uma relação de amizade com uma colega de trabalho, em nenhum momento restou caracterizado o assédio sexual ou de qualquer outro tipo. Afirma jamais ter sido apurada a alegada rispidez de comportamento com seus colegas, jamais tendo sido ele questionado a tal respeito, nem tampouco advertido ou punido por qualquer  motivo anteriormente. E, por inexistente qualquer fato que justificasse a medida extrema, na medida em que comprovado que era cumpridor de suas obrigações, sem nenhuma mácula em sua carreira de quase 20 anos na empresa, requer a anulação da justa causa com a imediata reintegração no emprego e pagamento de salários vencidos e vincendos desde a ilegal despedida até a efetiva reintegração.

Aprecio.

No contexto da ruptura da relação de trabalho, o princípio das presunções favoráveis ao empregado enuncia a presunção de “(…) ter ocorrido o rompimento da maneira mais favorável ao trabalhador, através da modalidade de extinção contratual que lhe assegure o máximo de verbas rescisórias (no caso brasileiro, a chamada dispensa injusta)“, conforme ensina Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 1120).

O referido autor na obra já citada, preleciona que, tal princípio “(…) implica reflexos na distribuição processual do ônus probatório, lançando ao ônus da defesa a prova da ocorrência, na situação concreta, de modalidade menos onerosa de extinção do contrato, como, ilustrativamente, pedido de demissão ou dispensa por justa causa“.

A jurisprudência trabalhista incorporou o princípio em comento, pacificando que “o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado” (Súmula 212 do TST).

Nesta linha, presume-se a rescisão mais onerosa ao empregador (dispensa sem justa causa) quando evidenciado o término do vínculo laboral, cabendo-lhe elidir essa presunção, vale dizer, provar, de forma convincente e inequívoca, modalidade extintiva da relação diversa e menos onerosa para si, como o pedido de demissão ou a dispensa por justa causa. Em suma, a presunção é de ruptura imotivada, mais favorável ao trabalhador, cabendo à réu produzir prova capaz de elidi-la, no caso de ausência de elementos nos autos (art. 818 da CLT e 373, II, do CPC).

Consoante discorre Maurício Godinho Delgado, na obra já referida, a aplicação de penalidade deve observar três grupos de requisitos a serem analisados conjuntamente em cada caso concreto: objetivos (tipicidade e gravidade da conduta); subjetivos (autoria e dolo ou culpa, relativos ao empregado); e circunstanciais (que tratam da atuação do poder disciplinar do empregador em face da falta e do empregado envolvidos).

Estas são as premissas normalmente consideradas para aferir a legitimidade da dispensa por justa causa. Inobstante, a questão em análise – de hipótese de violência e discriminação contra a mulher -, demanda tratamento sobre outro enfoque.

Com efeito, na ponderação de valores a preservar, não obstante o trabalhador esteja em situação assimétrica de poder na empresa, representando a perda do trabalho uma grave repercussão na fonte de sua subsistência, está em análise um ato produzido pelo autor em relação a uma pessoa (estagiária) que também está em situação assimétrica de poder em relação a ele.

Ou seja, o caso demanda imprimir uma perspectiva de gênero. Com efeito, o Brasil é signatário da CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres), obrigando-se a, na forma do art. 7o., “adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher”; a “estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação”; e de “tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa”.

Ora, a posição privilegiada dos homens como sujeitos de direito, impõe a análise da questão sob uma perspectiva de gênero com base na desconstrução dos pressupostos da “objetividade” e “neutralidade” das decisões judiciais. De acordo com ALDA FACIO:

El análisis de género desde la perspectiva de la mujer (es decir, el análisis feminista) es más objectivo que el análisis tradicional y no es igual a hacer un análisis desde la mujer. ¿Por qué? Porque desde la perspectiva de la mujer, no se puede excluir al sexo dominante: es el quien se beneficia de su subordinación, es él quien se ha proclamado como ‘parámetro’ de lo humano y si esta situación no se incluye, no se puede entender la realidad de la subordinación de la mujer ni la realidad misma. Hablar desde la mujer sin tomar en cuenta las estructuras de género, no explica su ubicación dentro del sistema sexo/género, por lo que no se puede entender la realidad. De la misma manera, desde la perspectiva del ser dominante, si no se toman en cuenta los ‘servicios’ que los seres dominados le brindan y las situaciones que lo mantienen en esa posición privilegiada, tampoco se puede entender cabalmente su realidad. (FACIO, A. Metodologías para el análisis de género del fenómeno legal. Em SANTAMARÍA, R. A.; SALGADO, J.; VALLADARES, L. (comp.). 2009. El género   en  el   derecho.  Ensayos  críticos. Equador: Ministério de Justicia y derechos humanos, p.188)

O julgamento com perspectiva de gênero, como ensina GRACIELA MEDINA, nos casos de discriminação ou violência contra a mulher, implica na inversão do ônus probatório, fazendo com que o agressor tenha de provar que a diferença de tratamento se encontra justificada. (Conforme MEDINA, G. 2018. Juzgar con perspectiva de género. ¿Porque juzgar con perspectiva de género? ¿Cómo juzgar con perspectiva de género?.

Disponível em: http://www.pensamientocivil.com.ar/system/files/2018/09/Doctrina3804.pdf.)

Na hipótese, de plano destaco que a versão do autor, de que teria sido desligado por perseguição do grupo devido à sua dedicação ao trabalho, não explica porquê mandou o livro de conteúdo repressivo sexual à estagiária.

E, na análise da prova, não há elementos indicativos de que ele tenha sido vítima da alegada perseguição, pelo contrário, os depoimentos colhidos em procedimento interno de apuração, assim descreveram a conduta do autor:

_____________ – Chefe da divisão de obras: “considera_____uma pessoa explosiva… de difícil convívio. (…) relata ter ouvido boatos de fatos semelhantes referentes à conduta do empregado.

_____________ – empregada na Divisão de Obras: “_____… lhe dava pequenos presentes, como chocolates… não via com maldade… como esse comportamento começou a tornar-se repetitivo, ela começou a cortar… ouviu comentários de outros casos… elogios pessoais/investidas para outras estagiárias“.

_____________ – estagiária: “somente com relação ao _____… não recebia o respeito que gostaria. (…) relata que na data de hoje (03/03/17) o empregado deu bom dia e comentou que ela era a primeira pessoa bonita que havia visto neste dia. A declarante considera comentários deste tipo desnecessários, causando desconforto. (…) mostrou o livro recebido ao seu irmão para que ele avaliasse do ponto de vista masculino… se mostrou revoltado e disse que ela fizesse ocorrência na delegacia da mulher, e assim o fez no dia seguinte, (…) tirou alguns dias de folga… em seu retorno, mudou de lugar e foi questionada pelo _____, que não aceitava (…) a declarante sente medo das atitudes que _____ possa tomar… ele aunda mantém contato como se nada maior tivesse ocorrido. Sempre quis cortar qualquer outro vínculo que não fosse profissional com o empregado _____.

______________ – empregado autor da presente ação: Relata ser evangélico e ter passado para ela (______) um guia de comportamento sexual evangélico por email no intuito de orientá-la. Diz que o conteúdo não possuía pornografia nem apologia ao sexo. O declarante achou que, por a estagiária ser e evangélica, poderia ter interesse em conhecer o assunto (…) define-se como uma pessoa normal com temperamento forte. (…) não se sente incomodado para manter relações profissionais com a estagiária… atualmente ela está em outra sala”.

A comissão interna de apuração concluiu o seguinte:

 

Na forma da NDR-05.002, esta Divisão Trabalhista recomenda à Autoridade instauradora acolher as conclusões exaradas pela Comissão processante nos termos descritos, no tocante à conduta reprovável consistente em incontinência de conduta e mau procedimento. (…) opina-se pela aplicação de dispensa por justa causa, fundamentada no art. 482, “b” da CLT, ao empregado _____________ (…).

 Já em audiência realizada nestes autos, as partes foram ouvidas nos seguintes termos:

Depoimento do autor: perguntas do(a) procurador(a) do(a) reclamada: que acha que trabalhava como a estagiária ______ há cerca de 9 meses quando do incidente referido na inicial; que o relacionamento mantido entre o depoente e a referida estagiária era profissional, ressaltando o depoente que buscava auxiliar a estagiaria em relação “ao que acontecia no departamento, na empresa”; que o auxilio se referia a projetos de subestação de alta tensão; que não mantinha relacionamento pessoal com a estagiária referida fora do ambiente de trabalho; que o depoente não mantinha relacionamento interpessoal com qualquer colega da empresa, fora da empresa; que o depoente é evangélico; que a cartilha que o depoente remeteu para a estagiária é de conteúdo evangélico; que a estagiária não pediu para que o depoente remetesse por e-mail a cartilha em questão, ressalvando que quando mandou referiu que a estagiária poderia ler ou não; que a estagiária não tinha e-mail profissional da X; que nenhum estagiário tem; que nunca ofereceu presentes para a estagiária; que nunca ofereceu um telefone celular para a estagiária ______; que não considerou invasiva a sua atitude; que a estagiaria teria se declarado evangélica para o depoente; que não enviou a mesma cartilha para outros funcionários ou estagiários.

Depoimento do preposto: perguntas do(a) procurador(a) do

(a) reclamante: que ao que se recorda, o reclamante não sofreupunições ao longo da contratualidade, exceto aquela que culminou em sua dispensa motivada; que a avaliação técnica do reclamante era boa; que o reclamante não tinha nada desabonatório registrado em sua ficha funcional e tampouco elogio; que o reclamante foi despedido de forma justificada em razão do fato que envolveu a estagiária, classificada pelo preposto como assédio; que a empresa tomou conhecimento do parecer do relator no processo administrativo instaurado em face do.

Portanto, do teor da prova produzida nos autos, entendo que, embora os depoimentos colhidos durante o procedimento interno de apuração não tenham o mesmo valor de prova judicial, constituem indícios suficientes para demonstram um nexo discriminatório na conduta inadequada do autor, ao enviar livro com conteúdo religioso repressivo da sexualidade humana à sua estagiária.

Neste norte, ganha relevo  a indicação de colegas de que o autor  rotineiramente se aproximava de estagiárias, valendo-se de sua posição como engenheiro e detentor de conhecimentos técnicos (superioridade), revelando-se o contexto de assédio sexual na tentativa de induzir um comportamento desejado da vítima em consonância à sua vontade, em relação assimétrica de poder. Um ato tendente a produzir uma reação na vítima, em que o autor esperava reciprocidade na consideração do tema sexo, sob o prisma de uma moral religiosa.

Conforme o art. 1o. da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, entende-se por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Nesta direção, o art. 2o. da mesma Convenção, define o entendimento de que a violência contra a mulher abrange a violência psicológica ocorrida em qualquer relação interpessoal e o assédio sexual no local de trabalho.

Em conformidade com o art. 6o da Convenção de Belém do Pará, o direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros, o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação; e o direito da mulher a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação.

Por interpretação extensiva analógica, embora a Lei Maria da Penha (Lei 11340/06) trate de violência doméstica e familiar, é possível ver o enquadramento da conduta  como forma de violência psicológica, na definição constante do art.7o., II: “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta  que lhe  cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”. Pois, como visto, houve uma ação do autor com vistas a produzir uma determinada reação desejada, no caso, tendente à manipulação e controle sobre as ações e crenças da vítima na questão sexual.

Assim, apesar de o comportamento do autor poder ser lido como fruto de uma vitimologia de subjetividade patriarcal, constituída socialmente, e, portanto, passível de reeducação, seu retorno à empresa representa o risco de reiteração da conduta com outras vítimas – mulheres, jovens, com perfil de vínculo laboral temporário (vulnerabilidade e posição inferior à do autor) enquanto não alcançada essa reeducação. Neste sentido, o art. 22, II, da Lei 11340/06, prevê o afastamento do agressor do local de convivência com a ofendida.

É fato que uma conduta assediadora sofrida no ambiente de trabalho, por si só já é fator de adoecimento profissional. No entanto, sua ocorrência na primeira experiência laboral de uma pessoa jovem pode representar um trauma com efeitos persistentes no tempo, reprodutores da continuidade de um modelo histórico opressor da mulher, que deve ser socialmente superado.

A questão posta em debate permeia o direito à não discriminação e dignidade humana da mulher e o direito ao trabalho, que tanto é do autor, quanto da estagiária vítima e de outras mulheres. Assim, considerando as circunstâncias concretas, a preservação do direito ao trabalho do autor, convivendo no ambiente laboral com a vítima atual (e mesmo com possíveis futuras novas  vítimas), vulnera o direito desta à preservação de sua dignidade, com também de outras mulheres, que estaria aviltada tão somente com a presença do agressor no trabalho. A conduta, pois, se reveste de gravidade suficiente para o término motivado da relação de trabalho.

Segundo GRACIELA ANGRIMAN:

“(…) violencia y discriminación de las mujeres constituyen un binomio inescindible, que remite a una problemática social asociada a la estructural y desigual distribución de bienes y recursos entre hombres y mujeres, que se remonta al centro de la historia y que hunde sus raíces en la naturalización de la división socialmente construida entre los sexos, que confiere legitimidad a un orden social patriarcal, que está afianzado mediante instituciones jurídicas, políticas y sociales, donde el derecho ocupa un rol preponderante, y que como todo sistema de dominación se sostiene mediante el uso de diversas modalidades de violencia contra las mujeres”. (ANGRIMAN,  G.2018. VIOLENCIA DE GÉNERO Y JUSTICIA PENAL: LA INFLUENCIA DE LA VOZ DE LAS MUJERES EN EL ACCESO A LA JUSTICIA. Em Erreius on line. Disponível em: ftp://ftp2.errepar.com/Errepar/PDF/AngrimanIUS_Agosto2018.pdf)

 Logo, do contexto jurídico, fático e probatório, entendo que os elementos constantes dos autos autorizam reconhecer a legitimidade da dispensa por justa causa, como medida, na espécie, adequada ao combate a todas as formas de violência e discriminação contra a mulher.

Portanto, considerando o acima exposto, nego provimento ao recurso ordinário do autor.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos,  restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu. 

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS.

 Apesar de entender válida a justa causa aplicada devido à perspectiva de gênero aplicada, tal fato não retira a obrigatoriedade da empresa adotar condutas tendentes a reparar e evitar a repetição do ocorrido.

Conforme dispõe o Decreto 9571/18, que institui as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, em seu art. 5º, III, bem como art. 6º, I e X, é obrigação empresarial promover a educação de seu corpo funcional, clientes, terceiros e comunidade, no contexto sobre Direitos Humanos, não discriminação, respeito à liberdade religiosa e de orientação sexual, além do dever de enfrentar os impactos adversos em Direitos Humanos com os quais tenham algum envolvimento, como na espécie, da necessidade de preservação, respeito e reparação Direitos Humanos das mulheres contra todas as formas de discriminação e violência violados no contexto de suas relações de trabalho.

Assim, deve ser reconhecido que o simples desligamento do trabalhador por justa causa não alcança o cumprimento desta obrigação. Desta forma, cabível a devida comunicação ao Ministério Público do Trabalho para a persecução da tutela coletiva, na forma do art. 7º da Lei 7347/85 e do art. 40 do CPP, a quem determino a expedição de ofício, pela Secretaria da Turma, para as providências cabíveis na persecução da tutela, inclusive coletiva, aplicável, na forma do art. 7º da Lei 7347/85, com cópia deste

Acórdão, da sentença e dos documentos referidos no ofício circular CSJT. GP. SG. nº 5/2016 do Exmo. Presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho.

Destaque-se, para evitar embargos com intuito  protelatório, que a determinação de expedição de ofícios está inserida dentre os poderes do Juiz na condução do processo (art. 765, CLT) e corresponde ao estrito cumprimento do dever funcional de dar ciência às autoridades competentes acerca das irregularidades de que toma conhecimento, não se podendo cogitar, portanto, em “reformatio in pejus” ou julgamento “extra petita”.

_____________________________

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO (RELATOR)

DESEMBARGADOR ROSIUL DE FREITAS AZAMBUJA DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS

 

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