Coluna Lido para Você
Para Além do Direito Alternativo e do Garantismo Jurídico: Ensaios Críticos em Homenagem a Amilton Bueno de Carvalho. Organizadores Diego de Carvalho et al, 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2017, 908 p.
São 40 autores e autoras que seguem os organizadores na qualificada homenagem a Amilton Bueno de Carvalho, para mim, uma expressão marcante do que denominei Juízes em Movimento para a realização de um Direito alternativo emancipatório.
São comentários, depoimentos, abordagens de aproximação e de reconhecimento, para legitimar academicamente o registro afetivo (ou vice-versa), conforme diz Renata Almeida da Costa, na Apresentação da obra.
Arrolo os temas e respectivas autorias: Direito Alternativo e Movimento Alternativo, de João Maurício Adeodato; Significação do Direito no Planejamento Estratégico Alternativo para o Brasil, de Roberto A. R. de Aguiar; Apenas para Dizer: Gracias Amilton!; Amiltinho e a Ciência do Direito, de Lédio Rosa Andrade; Amilton Bueno de Carvalho no Movimento Direito Alternativo: Contributo Epistemológico, Criminológico e Político para a Brasilidade Democrática, de Vera Regina Pereira de Andrade; Direito Alternativo: Ensaio sobre Ciência, Filosofia e Política, de Edmundo Lima de Arruda Jr; Memórias dos Anos 80, de André Baggio; Astúcias da (Des)Razão Punitiva, de Nilo Batista; Homicídio Discriminatório por Razões de Gênero, de Cezar Roberto Bitencourt e Vania Barbosa Adorno; Amigo Irmão, de Pedro Du Bois; Amilton: Maneiras de Ser, de Tânia du Bois; O Papel da Legislação no Estado Constitucional, de Sergio Urquhart Cademartori e Daniela Mesquita Leutchuck de Cadermatori; O Pêndulo de Foucault: do Estado de Exceção à Democracia (Modelos e Movimentos da Sociologia Jurídica Latino-Americana), de Wanda Capeller; Racionalidad Formal o Racionalidad Hermenêutica para el Derecho de las Sociedades Complejas, de Carlos María Cárcova; Sem Título, de Diego de Carvalho; Algo Sobre o Meu Pai, de Gabriela de Carvalho; Crítica e Contracrítica dos Movimentos de Crítica à Dogmática Jurídica: Entre sobre as Transições da Escola do Direito Livre e do Movimento do Direito Alternativo em Homenagem a Amilton Bueno de Carvalho, de Salo de Carvalho; Os Três Tempos da Concretização dos Direitos Fundamentais: a Trajetória de Amílton Bueno de Carvalho, de Rubns R. R. Casara; Cobrinha: Recuerdos de uma Amistad Corta e Intensa, de Carlos Claret; Derecho y Posmodernidad em América Latina: Apuntes para um Ensayo, de Oscar Correas; Redistribuir – Aposento na Próximas Horas, de Renata Almeida da Costa; Você Quer Ser um Bom Juiz? Exerça a Atividade Jurisdicional como Amilton Bueno de Carvalho, de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho; Teoria do Domínio do Fato: Inaplicabilidade no Âmbito das Relações de Trabalho Subordinado, de Aldacy Rachid Coutinho e Oriana Stella Balestra; Amilton Bueno de Carvalho: El Personaje que Encontró al Autor, de Diego J. Duquelsky Gómez; Transição Inacabada: Heranças do Estado de Exceção no Sistema Penal Brasileiro, de Fauzi Hassan Choukr; El ‘Uso Alternativo’ como Aplicación Constitucional del Derecho, de Perfecto Andrés Ibáñez; A Primariedade e a Ausência de Antecedentes: de do Movimento Crítico do Direito e os Núcleos Familiares, de Pietro Nardella-Dellova; Cultura: Teoria do Direito e Teoria do Direito Alternativo, de Aramis Nassif; Homenagear ou Ser Homenageado, de Benedito Cerezzo Pereira Filho; Amilton, de Rui Portanova; Amilton Bueno de Carvalho e o Mercador de Veneza, de Geraldo Prado; Direito à Ampla Acusação? – Uma Homenagem ao Amílton Bueno de Carvalho, de Diógenes V. Hassan Ribeiro; Amilton Bueno de Carvalho: um Juiz para Além de seu Tempo, de Henrique Marder da Rosa; Democracia y Orden Constitucional: El Lugar de los Jueces, de Alícia E. C. Ruiz; Um Derecho de Opciones com Naranjas Dulces y Amargas, de David Sánchez Rubio; Criminologia e Luta de Classes, de Juarez Cirino dos Santos; Desconstrução: um Outro Nome da Justiça, de Marco Antonio de Abreu Scapini; I’m Eighteen: a Maioridade Penal e a Alopoiese do Sistema Político pelo Sistema Religioso, de Germano Schwartz; O Direito Achado na Rua Dialoga com o Direito Alternativo: ou Sobre Árvores e Frutos, de Maria Beatriz Oliveira da Silva; Homenagem a Amilton Bueno de Carvalho (Padrinho Brasileiro de uma Ideia Alternativa para o Direito), de Cyro Marcos da Silva; De Itaguaí a Barbacena – Loucura, Ciência, Arte e Silêncio, de José Carlos Moreira da Silva Filho; O Juiz Garantista – de Ídolo a Entidade, de Ronya Soares de Brito e Souto; Um Olhar Diferente sobre Justiça, de Enio Stahlhofer; Amilton Bueno de Carvalho – Um Jurista Coerente, de Lenio Luiz Streck; Ácidas Reflexões, de Afrânio Silva Jardim; Quando o Mestre Vira Mestre?, de Letícia Kaufman; Os Movimentos Sociais e o Sistema de Distribuição da Justiça, de Antônio Alberto Machado; Um Pouco (Mais) sobre Amílton Bueno de Carvalho, de Rafael Rodrigues da Silva Pinheiro Machado; Ele, o Juiz Criminal, Visto por sua Estagiária: Homenagem a um Humanista, de Camila Schneider Mallet; Direito Alternayivo e Marxismo – Apontamentos para uma Reflexão Crítica, de Agostinho Ramalho Marques Neto; Ao Juiz Inapelavelmente Garantista, Anotações aos Crimes Contra a Honra, de Juarez Tavares; Vida Alternativa, de Ricardo Timm de Souza; La Tradición Iberoamericana de Derechos Humanos em el Pensamiento y em La Práctica de Amilton Bueno de Carvalho, de Jesús Antonio de la Torre Rangel; Vidas Nuas e os Manicômios Judiciários no Limiar do Campo de Concentração, de Mariana de Assis Brasil e Weigert; Entrelaçamentos e Amarrações de Marxismo e Modernidade, de Sergio Weigert; Contextos Sócio-Históricos na Trajetória Crítica das Ideias Jurídicas no Brasil, de Antonio Carlos Wolkmer; O Juiz e a Luta pela Cidadania: Percursos de um Homem Imprescindível, de Katie S. C. Arguello.
Gente importante, de todos os quadrantes geográficos e de diferentes hemisférios teórico-epistemológicos; gente afetuosa mas não condescendente; que presta homenagem mas sob a forma de interlocução. Gente que o pensamento e a prática de Amilton mobiliza reúne para com ele, até contra ele, se ver estimulada a projetar-se política e intelectualmente para além, para o ainda mais, para resistir aos regressos em todos os planos e para continuar a avançar a radicalização democrática espaço para ainda mais emancipação do humano.
Sinto-me feliz por estar entre todos e todas, me identificando com o homenageado e com os e as homenageantes. Entre eles e elas a oportunidade da celebração reaviva os termos de forte interlocução, animada por diferentes opções teórico-metodológicas mas que se entrecruzam num carrefour de afinidades interpretativas, algumas contraditórias, mas nunca antagônicas, nem epsitemológicas nem políticas.
Assim é que, com Joâo Maurício Adeodato, a busca por significados para o alternativismo jurídico encontra (p. 10), ensejo para admitir nessa busca, os estudos sobre os movimentos sociais e as novas práticas instituintes de direito, com o resgate do espaço simbólico da rua para marcar a dimensão real do espaço público de formação de novas sociabilidades.
Com a querida Wanda Capeller-Arnaud, co-autora com André-Jean-Arnaud na saga discursiva da Série O Direito Achado na Rua (vol. 4, Introdução Crítica ao Direito à Saúde; vol. 6, Introdución Crítica al Derecho a la Salud), a referência que ela faz de situação dos modelos e movimentos da sociologia jurídica latino-americana, e localizar o modelo teórico e prático de O Direito Achado na Rua e então, nesse contexto, caracterizar a reflexidade institucional do modelo do direito achado na rua (p. 210).
Em Agostinho Ramalho Marques Neto o poder compartilhar a categoria inédita extraída da filosofia, da teologia e da sociologia, da subjetividade coletiva ativa, para designar no jurídico, como o fizemos em diálogo contínuo, o sujeito coletivo de direito (p. 516).
No trabalho de Pietro Nardella-Dellova, sobre reconstituir o percurso dos movimentos críticos e o direito, para anotar a busca de tutela real de prestamistas do Direito, na realidade e no Judiciário, diante do direito achado na rua (p. 554).
Claro que sempre considerando, como o faz Rui Portanova, que os alternativismos têm precedência embora com identidades e fundamentos distintos, na insurgência, na nova escola jurídica (Nair) e em O Direito Achado na Rua, conferindo a Roberto Lyra Filho e a mim, lugares visíveis na construção da emancipação pelo e com o Direito (p. 559).
O certo é que em diálogo com Amilton Bueno de Carvalho, e seu percurso teórico-funcional e político, nota-se bem o que a querida Maria Beatriz Oliveira da Silva, a Bia Oliveira, em depoimento muito carinhosos e companheiro, que remete ao momento de criação na Universidade Federal de Santa Maria de um Grupo de Extensão e Pesquisa com a mesma denominação, porque assim, diz ela, O Direito Achado na Rua Dialoga com o Direito Alternativo, aludindo a árvore (Amilton) e frutos (Salo de Carvalho), que levassem a cumprir us dos objetivos da DCG (Disciplina Complementar de Graduação, – desenvolvida na Faculdade de Direito da UFSM – que é o de fazer um resgate do Movimento do Direito Achado na Rua e, a partir daí, buscar uma aproximação do curso de Direito da UFSM com os Movimentos Sociais (conferir o texto na íntegra, p. 687-693).
Com meu texto Juízes à Frente de seu Tempo: Amilton Bueno de Carvalho (ou Cultura de Lítigio, Ensino Jurídico e Direitos Humanos na Refuncionalização da Prática dos Operadores de Direito no Brasil), procuro guardar a proximidade que assegure o seu lugar legítimo nesse campo, designado com propriedade por Antonio Carlos Wolkmer, que fala por nós os críticos (Contextos Sócio-Históricos das Ideias Jurídicas no Brasil, pp. 877-885), caracterizando a nossa produção de modo muito preciso: as proposições teórico-críticas e as posturas da prática alternativista no âmbito contemporâneo da cultura jurídica brasileira ganharam crescente importância ao denunciarem as funções político-ideológicas do normativismo estatal, ao apontarem as falácias e as abstrações tecno-formalistas dos discursos legais, ao questionarem os fundamentos idealistas que ordenam a produção tradicional da ciência jurídica, dessacralizando os mitos teóricos dos juristas sobre a problemática da objetividade e da neutralidade e, por fim, ao situarem o Direito na totalidade das práticas sociais e de sua transformação como instrumental, capaz de contribuir para legitimar processos de emancipação (p. 883).
Do texto um pouco mais longo – pp. 735-768 – retiro um excerto para este Lido para Você. Na abertura do livro Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a reforma do judiciário, fruto de seminário com o mesmo título organizado pela CNBB, é dito com ênfase, que “Da contraposição entre o direito oficialmente instituído e formalmente vigente e a normatividade emergente das relações sociais, de um lado; e da distinção entre a norma abstrata e fria das regras que regem os comportamentos e a normatividade concreta aplicada pelos juízes, de outro; têm-se acentuado a necessidade de compreender novas condições sociais como a emergência dos movimentos sociais, de novos conflitos, de novos sujeitos de direitos, com a valorização de um efetivo pluralismo jurídico” (SOUSA JUNIOR, José Geraldo et all, orgs., Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a reforma do Judiciário. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1ª. edição, 1996).
Em decorrência, ali foi dito ainda, que “Num contexto de profunda mudança na sociedade brasileira, também os operadores jurídicos vivenciam perplexidades que têm gerado impasses que recaem na atuação desses mesmos operadores, e nos defrontamos com um quadro de perda de referência e até de perda de confiança no papel das instituições e no papel dos instrumentos que foram constituídos no plano de formação da nossa sociedade. No que diz respeito à atuação dos Magistrados e a sua visibilidade no plano social, esta perda de confiança e de referência tem gerado algumas ambigüidades que vão se localizar, especialmente no que diz respeito aos operadores, na convicção sobre a sua formação jurídica de um lado, e na convicção sobre o seu papel social, de outro” (SOUSA JUNIOR, 1996: 91).
O juiz assume sim uma missão e nela incorpora a dimensão orgânica que institucionaliza a sua judicatura. Ele o faz, hoje é sabido e aceito, no plano coletivo quando se associa para ampliar a sua participação política. Atualmente, os juízes assumem essa expressão politizada de seu agir coletivo, mas nem sempre foi assim e há registros dramáticos para confinar em sofrimento percursos impulsionados por compromissos de classe. Também nesse terreno Floriano Cavalcanti abriu sendas pioneiras. Tome-se, por ilustração, o discurso pronunciado em 1954, na sede do Tribunal de Justiça, na solenidade de fundação da Associação dos Magistrados Brasileiros no Rio Grande do Norte, da qual foi o primeiro presidente (O Juiz e a importância de sua missão, in ALBUQUERQUE, Marco Aurélio da Câmara Cavalcanti de. Floriano Cavalcanti de Albuquerque e sua brilhante trajetória de vida. Natal: Infinitaimagem, 1ª edição, 2013.).
Depois de estabelecer a relação entre o agir insular , fragmentário e aritmético do juiz que caracteriza a soma quantitativa de seu esforço para determinar o quadro de suas necessidades e de mostrar a exigência de cooperação assim articular o prestígio qualitativo do agir enquanto classe, ele elabora um dos mais bem definidos esboços do que pode ser definido como perfil de um magistrado: “Judex, é como os latinos intitulavam a autoridade encarregada de aplicar as Leis. Dizer o Direito, é a sua significação etimológica – Jus discere. Equivale a prestar Justiça, desde que esta é a sua finalidade. O Juiz não é o ‘ente inanimado’, a que aludia Montesquieu, e sim, o ‘oráculo vivo’, como lhe chamava Blakstone. É figura dinâmica e não estática. A sua cultura tem que ser universal, para que dele não se chasqueie, como Lutero, ‘Pobre coisa o juiz que só é jurista!’, ou se reduza a nada, como D’Holbach, ‘Quem só o direito estuda, não sabe direito’. Vê-se que de nós, cuja ‘honrosa e difícil condição é poder tudo para a justiça e nada poder para nós mesmos’, na bela frase de D’Aguesseau, muito se exige e pouco se nos dá. Conhecimentos gerais e especializados, a par de qualidade excepcionais de inteligência, de caráter e moralidade – são os requisitos e predicados ordinários do Juiz. É que somos, na expressão de Carlos Maximiliano, ‘um sociólogo em ação, um moralista em exercício’”.
Portanto, da alternatividade que move o juiz diligente, na medida em que procura situar-se ante o duplo deslocamento que o tempo impõe ao seu agir, em busca da refuncionalização de sua judicatura e de reorientação da cultura jurídica de sua formação, ressalta o dilema a que alude Márcio de Oliveira Puggina, magistrado engajado no movimento “juízes para um direito alternativo”, para os quais, ele diz: “Certo de que a lei justa é responsabilidade ética do legislador,… a sentença justa ou injusta é inalienável responsabilidade ética do juiz” (PUGGINA, Marcio de Oliveira in SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et all (orgs). Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a reforma do Judiciário. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1ª. edição, 1996: 164).
A alternatividade emerge, assim, lembra Urbano Ruiz, fundador e primeiro presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), como conseqüência da exigência de liberdade que se inscreve no ato de julgar, seguindo imperativo do artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (RUIZ, Urbano, SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et all (orgs). Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a reforma do Judiciário. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1ª. edição, 1996). E ela, decorre certamente, de uma inevitabilidade dos tempos correntes, qual seja, a assunção do juiz ao papel de mediador político. Conforme ele diz: “O juiz, nesse contexto, deveria assumir outros papéis, como o de mediador político, porque a ação, processualmente considerada, passa a ser encarada como instrumento de participação, de atuação política, mesmo porque os cidadãos, organizados, percebem que individualmente são fracos mas, aglutinados, conseguem, através do processo, espaços na mídia, de modo a pelo menos chamar atenção para os gritantes problemas que enfrentam no dia-a-dia, sem que possam ser acudidos. A política, na verdade, migra dos foros até então conhecidos, dos partidos e do Parlamento para os movimentos organizados (sem-teto, sem-terra, comunidades de base, mutuários do SFH, de mensalidade escolar, de defesa do consumidor etc.). É crescente, portanto, a politização dos conflitos, mesmo porque deixaram de ser intersubjetivos individuais, para assumirem feição coletiva”
Pode-se assim, até indicar a ocorrência histórica de uma base ideológica para configurar a formação de um campo jurídico alternativo (ANDRADE, Lédio Rosa de. Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996), para cuja compreensão, afirma Lédio Rosa de Andrade, é inevitável situar a contribuição de Amílton Bueno de Carvalho, “o magistrado responsável pelo início de todo o movimento”.
Não se trata aqui de uma análise crítico-retrospectiva do movimento denominado “direito alternativo”. Para tal remete-se à caudalosa bibliografia já estabelecida sobre esse assunto, cujo ponto de partida pode ser a bem documentada tese de Lédio Rosa de Andrade Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro (ANDRADE, 1996) e a mais recente publicação o livro de Sergio Roberto Lema Roberto Lyra Filho e o Direito Alternativo Brasileiro (LEMA, Sergio Roberto. Roberto Lyra Filho e o Direito Alternativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2014.), cuja segunda parte trata, precisamente, de Direito Alternativo e Modernização do Direito. Histórico e balanço preliminar (LEMA, 2014: 107-160). A esse respeito ele diz e complemento com Boaventura de Sousa Santos: Nessa ordem de consideração, o que não deve perder-se de vista é o duplo cuidado já referido em Roberto Lyra Filho, para quem “há vários modos de mediatizar o Direito, na concepção global, que se torna, em qualquer hipótese, o pano de fundo daquele já referido ‘uso alternativo’, da própria legislação e doutrina tradicionais – pois, sem tal cuidado, isto é, sem retificar a ideologia jurídica que serve ao ‘uso comum’, conservador, do Direito, não se pode saber por que, nem para que, se vai alternar, juridicamente, isto ou aquilo, o que envolve também o como alternar” (LYRA FILHO, Roberto. Direito do Capital e Direito do Trabalho. Porto Alegre: Sergio Antomio Fabris Editor, 1982:. 48); e, Boaventura de Sousa Santos, no mesmo sentido, sugere princípios para o que denomina experimentação de sociabilidades alternativas, indicando como primeiro princípio:“que não basta pensar em alternativas, já que o pensamento moderno de alternativas tem-se mostrado extremamente vulnerável à inanição, quer porque as alternativas são irrealistas e caem no descrédito por utópicas, quer porque as alternativas são realistas e são, por essa razão, facilmente cooptadas por aqueles cujos interesses seriam negativamente afectados por elas. Precisamos, pois, de um pensamento alternativo de alternativas” (SANTOS, Boaventura de Sousa, Reinventar a Democracia. Lisboa: Edição Gradiva, Colecção Fundação Mário Soares, 1998 : 43-44).
No contexto de reconhecimento do protagonismo de juízes em movimento, o que se pretende é consignar a Amílton Bueno de Carvalho o lugar estratégico que seu pensamento e sua militância conferiram à renovação do conhecimento jurídico-crítico brasileiro.
Mais que inferir uma ação refuncionalizadora do papel e da função do juiz, a distinção que aqui se faz ao fundador e diretor da Revista de Direito Alternativo (CARVALHO, Amilton. Diretor. Apresentação. Revista de Direito Alternativo, nº 3. Guarulhos: Editora Acadêmica, 1994) criada na esteira das mobilizações do movimento de direito alternativo que Edmundo de Lima Arruda Junior liderou e que difundiu nos Encontros Internacionais de Direito Alternativo e nas várias edições dos livros que formaram a coleção Lições de Direito Alternativo (LEMA, 2014), é o de ter, “Para além de qualquer modismo, (fazer ver) que o movimento de Direito Alternativo floresce como possibilidade prático-teórica de se colocar o direito e seu instrumental na perspectiva da radicalização da democracia”(CARVALHO, 1994: 7).
Em Amílton Bueno de Carvalho, autor de uma bem elaborada categorização dos elementos que envolvem o denominado direito alternativo, a saber, o uso alternativo do direito, com raízes na Magistratura Democrática Italiana, o positivismo de combate, para concretizar as aquisições de conteúdos prometidos pela legislação às maiorias sociais e o direito alternativo, em sentido estrito, que emerge do pluralismo jurídico em arranque instituinte de direitos (CARVALHO, Amilton Bueno. Flexibilização X Direito Alternativo, in SOUSA JUNIOR, José Geraldo de e AGUIAR, Roberto A. R. de. Introdução Crítica ao Direito do Trabalho, Série O Direito Achado na Rua, vol. 2. Brasília: CEAD/Editora UnB, 1993: 99), a perspectiva democrática abre um horizonte expansivo para a realização dos direitos enquanto afirmação de direitos humanos.
David Sánchez Rubio designou esse processo como inversão ideológica dos direitos humanos, e o infere do modo teórico-prático por meio do qual Amílton Bueno de Carvalho, operando com princípios gerais de direito “legitima o funcionamento do direito e as decisões das sentenças judiciais a favor dos coletivos pobres ou marginalizados”. Conforme o professor de Sevilha: “Estes princípios, dentro dos quais se situam os próprios direitos humanos, não são entendidos segundo a tradição européia como fonte subsidiária, de caráter informativo, ou como princípios deduzidos dos valores constitucionais ou bem do próprio ordenamento jurídico do Estado. Na realidade, os concebe como conquistas humanas que se obtêm como conseqüência das lutas dos sujeitos coletivos ao longo da história….São construídos dia-a-dia pela sociedade civil em sua busca de uma vida em abundância para todos”(SÁNCHEZ RUBIO, David Sánches. Sobre o Direito Achado na Rua. Absolutização do Formalismo, Despotismo da Lei e Legitimidade, in CARVALHO, Amilton Bueno e CARVALHO, Salo de. Direito Alternativo Brasileiro e Pensamento Jurídico Europeu. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2004. 2004: 139-140).
Em Lido para Você (http://bit.ly/2MDGo5R). Chamei atenção para essa ordem de consideração para ir além do alternativismo jurídico, como aqui propõe essa bela homenagem a Amilton Bueno de Carvalho. Trata-se de designar uma estirpe de juízes que, na sua judicatura provincial – Floriano Cavalcanti de Albuquerque, Glaúcia Foley, Gerivaldo Neiva; quando fundam escolas e movimentos – Urbano Ruiz, Márcio Oliveira Puggina, Amilton Bueno de Carvalho; ou no Supremo Tribunal Federal – Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, entre eles – souberam exercitar a compreensão plena do ato de julgar, rejeitando a falsa oposição entre o político e o jurídico, pela mediação dos direitos humanos e ao entendimento de que, para se realizar, “a justiça não deve encontrar o empecilho da lei”. Provedores de uma justiça poética é esta estirpe de juízes que, lembra Josaphat Marinho em discurso de homenagem a Víctor Nunes Leal na UnB, citando Aliomar Baleeiro, leva a jurisprudência do Supremo a andar pelas ruas porque, “quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto”(MARINHO, Josaphat. Professor Victor Nunes Leal “Láurea Justa” in UnB. Homenagem a Victor Nunes Leal. Brasília: UnB/Edição comemorativa da reunião do Conselho Universitário na qual se deu a outorga do título de Professor Emérito a Victor Nunes Leal, 1984.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua. |
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