O Sistema e o Antissistema. Três Ensaios, Três Mundos no Mesmo Mundo.

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

O Sistema e o Antissistema. Três Ensaios, Três Mundos no Mesmo Mundo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2021, 78 p.

 

 

                           

         Conforme o release preparado pela Editora, essa obra reúne três ensaios sobre o tema, com distintas visões de seus autores Boaventura de Sousa Santos, Ailton Krenak e Helena Silvestre.

         Em fevereiro de 2021, Boaventura de Sousa Santos publicara, no Jornal de Letras e Ideias, um artigo intitulado “O sistema e o antissistema”. No texto, depois reproduzido em diversos portais no Brasil, o sociólogo falava a respeito de sua preocupação com o crescimento da extrema-direita no mundo.

         Pouco tempo depois, foi contatado por sua amiga Helena Silvestre, escritora afroindígena e militante das lutas por moradia e território. Ela contou ter lido o texto e revelou que tinha uma opinião muito diferente sobre o tema. Foi incitada então pelo português a escrever sobre o assunto, convite que prontamente aceitou, oferecendo-nos assim sobre o tema um olhar diferente, construído a partir de sua vivência na periferia da Zona Sul de São Paulo.

         A essas duas perspectivas somou-se ainda uma terceira, a de Ailton Krenak. O escritor, ativista socioambiental e líder indígena reconhecido nacional e internacionalmente trouxe à obra reflexões oriundas da luta indígena e de seu desejo de imaginar um mundo compartilhado, com todas as diferenças que enriquecem a vida e as potências epistemológicas aprendidas em sua trajetória – como explica em seu texto de apresentação.

         O livro traz, portanto, textos escritos a partir de diferentes contextos sociais, políticos e culturais, por autores de diferentes gerações, com diferentes identidades e histórias de vida, mas irmanados na mesma luta por uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais respeitadora da diversidade e da diferença.

         Para lançar o livro a Autêntica preparou uma live, com a autora e os autores, para que apresentassem e expusessem as suas percepções a partir dos ensaios, convidando também a professora Cláudia Cristina Ferreira Carvalho, docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD; coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro/UFGD e do Centro de Referência em Direitos Humanos do Estado de Mato, para uma leitura crítica dos ensaios. Fui o moderador do debate.

 

            Divulgado amplamente nas redes de transmissão da plataforma youtube, a conversa, em toda a sua extensão e riqueza pode ser acompanhada pelo link https://www.youtube.com/watch?v=9gRuSpR8l7I (Canal Youtube de O Direito Achado na Rua).

            Não obstante falar-se de uma divergência de posicionamentos, ao menos na conversa o que logo se percebeu é existir mesmo uma complementariedade das aproximações. Enfoques acentuados pelas perspectivas dos autores desde as interpelações decorrentes de seus pontos de vista ou da vista a partir dos lugares de observação.

            Se em Boaventura pode-se depreender um binarismo sistema/antissistema presente nas mais diversas disciplinas, das ciências naturais às ciências humanas e sociais, da biologia à física, da epistemologia à psicologia, a racionalidade explicativa da movimentação sistema/antissistema se faz na perspectiva globalizada do mundo (sistema mundo), na dinâmica de expansão do capitalismo em cujo âmbito se formam os impulsos de movimentos e ideologias de direita e de esquerda. Recapitulando as condições temporais e espaciais dessa movimentação, Boaventura a resposta atual de profundo aperfeiçoamento do capitalismo que, com a quarta revolução industrial (inteligência artificial), torna possível desenvolver controles eficazes da população.

            Por isso a sua consideração do balanço direita/esquerda porque ele leva a por em causa a questão da democracia e das institucionalidades que nela são geradas assim como nas organicidades que se constituem na sociedade civil, e indicar a necessidade de se fazer a sua defesa (da democracia.

            Para ele, “a defesa da democracia contra a extrema-direita passa por muitas estratégias, uma de curto prazo, outras de médio prazo”, que compreendem a “ilegalização, sempre que a Constituição é violada, isolamento político e atenção à infiltração nas forças policiais, no exército e na mídia”. Sugere que a médio prazo, “reformas políticas que reenergizem a democracia, políticas sociais robustas que tornem efetiva a retórica de ‘não deixar para trás’, ninguém”.

            Dadas as circunstâncias aceleradas pelo neoliberalismo, o cuidado é prevenir que “acossada pela ideologia global da extrema-direita, a democracia [possa morrer] facilmente no espaço público se não se traduzir no bem-estar material das famílias e das comunidades”.

            Para Helena Silvestre, desde o local (que pode ser também glocal), com uma mirada mais comunitária, o balanço sistêmico/antissitêmico, se dá não no interior da engrenagem do movimento da vida em trânsito vertiginoso produtor de ruínas, mas no antagonismo entre sistema (capitalismo) e antissistema (tudo que se opõe ao capitalismo), o que coloca a necessidade de organização comunitária porque para ela, embora os movimentos de organização popular não [se tenham afirmado] como alternativas consistentes em âmbito nacional ou global ao capitalismo, é neles que se instala a potência de uma aliança em que a esquerda se engaje em defender cotidianamente as existências ameaçadas com a exigência de fazê-lo apenas com seus próprios termos.

            Assumindo que escreve com os olhos dos outros, ela continua a se perguntar: que força produziriam o medo e a insegurança? Esses sentimentos inescapáveis podem ser mobilizados a destruir o que nos ameaça com a destruição?

            Claro que as condições que em todos os tempos, ao menos de modo de localização desde a arquitetura da assembleia depois de 1789, constituídos pelos lados dos girondinos e dos jacobinos, designam o que é esquerda e o que é direita, há algo mais que se possa refletir para além da metáfora topográfica.

            Não constatamos todos, no 7 de setembro, com que força política, educando partidos, corporações, grupos de interesse, a esquerda, os indígenas de braços dados com os povos, as mulheres, a Igreja dos pobres e dos excluídos, o mais simbólico arco de alianças, a grande frente para um projeto de sociedade e de país. Todas as bandeiras reunidas, as feministas, as antirracistas, as identitárias, do campo e das cidades, por reconhecimento e participação, por teto, terra e trabalho, libertarem a praça (a Esplanada) do sequestro do fascismo, que pedia intervenção militar e a dissolução do Congresso e do Supremo Tribunal Federal?

            E no tribunal, que não precisou ser protegido por tanques fumacentos, aparatos dissuasórios, cavalaria, as vozes indígenas, qualificadas pela inclusão universitária, sustentando da tribuna, verdadeiros amici curiae, o mais avançado direito: Cristiane Baré, Ivo Macuxi, Eloy Terena e vestida de encantamento, Samara Pataxó.

            Talvez tenham acendido na memória progressista do Ministro Fachin, o sentido do verdadeiro direito achado nas aldeias, pré-estatal, pré-cabralino, para fixar que não existe isso de marco temporal, mas um direito cogente que não pode ser reduzido pelo estatal, legal que o devem constitucionalmente proteger, que não o criam, apenas o declaram.

            É o que traz Ailton Krenak, com a sua lição “ensinada ao repassar com maestria uma das mensagens compartilhadas por povos originários: a Terra e a Humanidade caminham juntas. Precisamos compreender que somos uma ínfima parcela que compõe a natureza e que, mais do que nunca, está a impossibilitar a vida”.

            Para Krenak o vital “é que possamos nos abrir para outros mundos onde a diversidade e a pluralidade também estejam presentes, sem serem caçadas, sem serem humilhadas, sem serem caladas. E que possamos também experimentar viver em um mundo no qual ninguém precise ficar invisível, ninguém precise ser Garabombo, o invisível (referência ao personagem do livro Garabombo, o Invisível, de Manuel Scorza) no qual possamos ser quem somos, cada um com a sua singularidade, humanos nas suas competências, nas suas deficiências, nas suas dificuldades. E que sejamos capazes também de reciprocidade, que é um lema que deveria estar entre aqueles que propõem que nos juntemos para pensar mundos”.

            Certamente, cuida-se de pensar e discutir, como sugeriu Boaventura na conversa transmitida pela live, nas escolas, nas organizações, nas comunidades, pensar mundos, diz Krenak; ler e escrever com os olhos dos outros, propõe Helena Silvestre, sem perder de vista, aconselha Claúdia Carvalho, alinha abissal que separa os mundos, dos visíveis e dos invisíveis, dos humanos e dos não-humanos, conforme o olhar da esquerda e da direita, dos fascistas e dos democratas.

 

           

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

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