O que fazer após as eleições?

Coluna Democracia e Política

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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Debates e reflexões

A eleição municipal colocou inúmeras questões para a esquerda, desde reflexões sobre estratégias políticas para a recuperação de seu espaço público às formas de participação na democracia participativa. De norte a sul do pais, um imenso debate sobre a natureza do voto útil para esquerda mobilizou o PT, PSol e o PCdoB, cada um com uma posição diferente, dependendo da visão de mundo de cada partido.  Todos concordam que parte dos problemas nestas eleições devem-se a incapacidade da esquerda em agir de forma conjunta quando advém o pior cenário eleitoral possível.

É verdade que, provavelmente, a eleição de candidatos de direita já estava definida, quer pelo tamanho do avanço do seu avanço no campo eleitoral e social, quer nos seus recursos de marketing ou pelo peso da insatisfação popular com partidos de esquerda, mas o seu valor de se perguntar o clássico “o que fazer” está no fato de após sua derrota, ainda acredita na possibilidade de mudar o jogo a médio e longo prazo. Opções foram apresentadas, inclusive a de votar no “menos pior” que resultaram em um debate importante.  É claro esta estratégia nunca foi solução para resolver os problemas da esquerda afogada em sua própria divisão interna, mas é preciso resgatar a importância dos inúmeros debates públicos entre células da esquerda (universitária, dos movimentos sociais, dos servidores públicos) que refletiram sobre as consequências dos projetos liberais para o futuro. Voltou o debate, a crítica e as tomadas de posição no interior da esquerda e isso é bom.

A ascensão da direita e extrema-direita só possibilita imaginar que o pior está por vir de norte a sul do país: desagregação da função pública, privatizações com a venda de empresas construídas pela povo, demissões em massas de servidores regidos pelo regime de CLT substituídos no processo de terceirização cujo efeito será a precarização dos serviços públicos. Todos fizeram-se a mesma pergunta: como chegamos a isso? Foram muitas as respostas: a desunião da esquerda, dificuldades de superar diferenças, contradições no discurso no início e do fim das campanhas, etc.  A esquerda precisa repensar a divisão a que a colocou em posição secundária na disputa eleitoral.

A urgente convenção de lideranças

Entendo que a única forma de agora em diante repensar a esquerda, seja mais do que o Partido dos Trabalhadores propôs recentemente: o caminho, a convenção nacional, é correto. Mas não se trata apenas de uma convenção de um partido: é urgente um FÓRUM NACIONAL DA ESQUERDA (FNES) capaz de propor em escala nacional as bases para a organização de uma FRENTE AMPLA. Essa é a responsabilidade que outorgo as lideranças de esquerda e aos partidos. O inspirador é o Fórum Social Mundial, organizado para propor alternativas ao modelo de desenvolvimento econômico, que agora deverá ser substituído por um Fórum de Desenvolvimento Político. Proponho que a esquerda e seus partidos realizem uma grande convenção de lideranças para diagnóstico, estudo de alternativas e propostas comuns para compor uma frente ampla. Existe uma parcela de culpa da esquerda que advém do erro estratégico do lançamento de diversas candidaturas no cenário das capitais, e mesmo com as diferenças entre os projetos de cada partido, de agora em diante é preciso pensar em metas comuns.

Entendo que uma  Frente Ampla de Esquerdas é a única forma capaz de alterar o estado de forças de direita que emergiram nas candidaturas nas principais capitais que saíram vitoriosas.  As próximas eleições já estão definidas se a esquerda confirmar a mesma estratégia de divisão, onde a direita só tende a ganhar.

Tempos piores

Muitos argumentam que defender candidaturas unificadas não resolve as diferenças dos partidos de esquerda. Pode ser. Mas a esquerda perdeu em diversas capitais onde já teve a hegemonia e perdeu também espaços,  como a universidade. Reconheço o papel de muitas organizações, que preservam-se alinhadas a esquerda, e a emergência de novos grupos de esquerda a partir de pautas específicas como Escola Sem Partido ou contra a PEC 241. Mas tais grupos correm o risco da efemeridade, enquanto que outros espaços, como OP, precisam terem retomada a vitalidade que possuíam na gestão do Partido dos Trabalhadores. O que é difícil para a esquerda entender é a necessidade de trabalhar com premissas contraditórias, a fragmentação da esquerda x a necessidade de união, a ascensão da esquerda no espaço público em 2013 x a emergência da direita no mesmo espaço. A pergunta que coloca-se é: para onde foram as associações de bairro e os movimentos sociais? No caso do Rio Grande do Sul, será que resta apenas o CPERGS como ativo movimento social? Acredito que não, mas confesso surpreso quando não vejo movimento algum no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre frente às eleições da capital.

A ideia da maioria conservadora e do abandono da população em geral do projeto de esquerda é a constatação que exige pesquisa estatística, mas não é muito difícil concordar que vivemos tempos piores para a esquerda hoje do que no passado. Muitos que minimizam esta interpretação defendem para a esquerda que em situações de grande confronto use do voto nulo: ora, tudo o que temos para aferir a realidade são indicadores, as “tendências” que você observa, e o clima de terror que professores já confidenciam que vivem nas escolas, porque os estudantes, principalmente do MBL, já as ocupam e impedem o debate democrático não pode ser desconsiderado. Havia algum candidato que não tinha seu apoio? Isso conta.

Reação

Há uma notável reação, dada pela ocupação recente de espaços universitários e isto é novo.  E de fato, promovendo debates, observamos manifestações dos estudantes de escolas públicas sob influência do MBL que iam no sentido contrário da teoria dos direitos humanos. E não é uma escola qualquer, ainda que reconheça, com razão, o papel das escolas ocupadas, dos professores que lutam contra a PEC 241, e eu mesmo, integrando a Frente da Escola Sem Partido, ouça depoimentos de professores de escolas que já vem sendo perseguidos nesta “onda conservadora”. Não digo que a presença do MBL é indicador da mentalidade da população, mas reconheço o movimento como uma novidade do campo da direita com aspirações fascistas. A direita se empoderou.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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Os motivos da derrocada

As esquerdas sofrem por terem perdido a oportunidade de construírem uma frente ampla. Dividida, com lideranças querendo ocupar o espaço do PT, as guerras internas da esquerda levaram-na a sua derrocada. Integrantes da esquerda defenderam o voto nulo e aprofundaram as contradições do “cenário local, estadual e nacional” que ajudaram a eleger os piores candidatos. Entendo que mesmo quando havia candidatos do mesmo campo, havia opções. Você pode reduzir as diferenças, você pode ignorá-las, você pode achar que não valiam a pena, mas para mim e outros de esquerda, haviam e valiam a pena. Isso foi resumido na ideia de “menos pior”. Infelizmente, a estratégia não deu certo.

A maior parte dos críticos que defenderam o voto nulo eram da esquerda, mas devemos lutar pelo debate e não apenas por nossas crenças. Ainda há organizações que resistem, associações, sindicatos, etc., mas elas não são suficientes para fazer frente a avalanche da direita que toma conta da cidade e do país. Havia um tempo em que o IFCH da UFRGS era um reduto da esquerda, ela tinha na universidade um campo a seu dispor. Conversando com professores você constata que isso não acontece mais. Para aqueles que recusam a ideia de direitização da capital, podemos até concordar, mas precisamos de mais estudos sociológicos.

Aqueles que estiveram desqualificando o voto da esquerda em algum candidato, mesmo no campo da direita, eram incapazes de perceber as diferenças entre um e outro. É que para a esquerda, posições pessoais se submetem a posição dos partidos: não se trata de uma solução messiânica, a do herói na política, mas de puro materialismo, a ideia de mediação. Partidos afetam e são afetados pelos seus integrantes. Na visão de esquerda, há uma massa política uniforme que pensa igual, age igual, e, portanto, não tem história, não tem contradições, não tem conflitos. Há momentos aberrantes sim, há movimentos tortuosos, irracionais, paradoxais, na vida, no mundo e também…na política

Estamos divididos

Estamos de acordo que temos de aprender com a experiência e lutar para procurar a unidade de esquerda daqui em diante. As esquerdas saíram feridas destas eleições não apenas em Porto Alegre, mas em todo o pais. Qual é a outra alternativa? Greve Geral? O STF já proibiu. Ocupar as ruas? A direita já chegou lá também. Estamos divididos como esquerda e isto é sim o pior. A eleição era a alternativa deste momento. Deu no que deu.

Os candidatos de direita prometem tudo a todos. Estamos de acordo com a gravidade da crise e a esquerda possui premissas diferentes para as decisões coletivas. Acredito que o voto é um momento importante, mas parece que intelectuais que consideram apenas um momento; acredito que os partidos têm importância, mas discordo de imaginá-los como instâncias com consensos – se a esquerda não é assim, porque seria à direita? Valorizo o papel dos movimentos sociais na democracia direta e no controle do Estado, mas duvido muito que muitos governos deem espaço que eles necessitam. É preciso garantir espaço para negociações, seja entre grupos da sociedade civil, movimentos sociais e os partidos de esquerda que ficaram fora do poder para que avanços ocorram.

Por caminhos diferentes, todos chegamos as mesmas dúvidas: para onde vai a esquerda? As esquerdas? Como superar sua divisão? A experiência do voto é apenas uma das formas de participação, talvez a menor, mas ela é participação. Espera-se o improvável de governos neoliberais, que a sociedade esteja atenta aos destinos que serão dados ao patrimônio público e as políticas de educação e cultura em andamento. Expor ideias no seio da esquerda mesmo contra o pensamento hegemônico é algo difícil. A experiência do OP e do FSM, que dão saudade,  desapareceram do cenário local.

Falta o debate

A esquerda, concordamos, já foi bem melhor, mais criativa do que agora. A redução de seu espaço ocorre porque ela foi encurralada.  Muitos de esquerda e que não são filiados não foram consultados pelas organizações de esquerda sobre o seu voto. Se a esquerda organizada é apenas a filiada, estamos com um problema. Pensar como esquerda deveria ser mais importante do que assinar uma ficha, e por é preciso reservar o direito à participação daqueles que não são sindicalizados. Por isto a ideia de um Fórum Nacional de Esquerdas se justifica: se cada um não tiver a oportunidade de expor a sua visão dos acontecimentos, que decisão coletiva é essa da qual não nem todos foram convidados? Muitos servidores de  Prefeituras, pessoas de esquerda, concordam com a posição das organizações e outras, tem uma posição distinta. A pretensa unidade que a esquerda prega hoje pode ser uma ilusão, ela pode significar a exclusão de quem pensa diferente no seu interior. Falta o debate.

A esquerda precisa se dar conta desse movimento aberrante da política que levou a um segundo turno no espectro da direita e extrema-direita em muitas cidades. Ela precisa urgentemente inventariar o modo que esses movimentos estão em curso no país, a aberração política que tem sido os retrocessos nos direitos sociais, a aberração política de termos um Bolsonaro e por aí a fora.  Talvez, menos Marx e mais Deleuze, precisamos inventar novos conceitos para nossas estratégias políticas, precisamos pensar novamente sobre o que pode fazer esse sistema cindir, voltar-se contra si mesmo. Nossa política está cada vez mais anômala, e frente a aberração da escola sem partido, falta-nos uma nova sintaxe política. A direita venceu e precisamos aprofundar as perguntas: que lógica tais movimentos aberrantes obedecem?

A prática política é operação do pensamento puro. Quanto mais analisamos a política atual, mas nos damos conta de que ela está confundindo-se com a loucura, com as pessoas, inclusive de esquerda, em suas caixas fechadas da teoria.

Por isso é preciso procurar novos referenciais para a estratégia política como de Deleuze Guattari (somos todos esquizóides), Jean Pierre Dufour (vivemos na sociedade delirante), Slavoj Zizek (resistir as explicações totalizantes), Paul Virilio (qual é a nossa maquina-de-guerra?) e por aí afora. No delírio de uma sociedade ondes os pobres são capazes de eleger até, quem diria, um representante dos empresários, pode sim nos levar a uma refundação da esquerda. O PT já fez o primeiro passo recentemente, convocando uma Convenção.  Precisamos de alguma forma tomar consciência dos mecanismos de avanço da direita pois só tendo clareza da lógica de seu funcionamento…ilógico (sic), de sua perversão, é que podemos construir uma novas estratégias políticas.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.
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