O caso da ex-empacotadora dos Supermercados Zaffari termina em negociação no CEJUSC num acordo reduzido em 22,5% do que representava a reclamação trabalhista

O caso da ex-empacotadora dos Supermercados Zaffari termina em negociação no CEJUSC num acordo reduzido em 22,5% do que representava a reclamação trabalhista

Por Carmela Grüne*

Em meio à crise de COVID-19 muitos trabalhadores são expostos a negociar por um preço vil seus direitos trabalhistas. Uma reclamação trabalhista que tinha precedente para ser bem-sucedida, tendo em vista que a 8ª Egrégia Turma do TRT da 4ª Região, por decisão colegiada, pediu desculpas judiciais a uma ex-empacotadora dos Supermercados Zaffari em razão da sentença proferida no processo nº 0021277-54.2019.5.04.0007, pela juíza Luciana Caringi Xavier, ter dado improcedente os pedidos condenando em custas judiciais mesmo sendo a reclamante beneficiária da assistência judiciária gratuita.

O mundo dá voltas, agora nada acontece da mesma forma e, embora a sentença tenha sido considerada nula pela 8ª Egrégia Turma, o processo foi para análise do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) para que se tentasse acordo entre reclamante e reclamada. A ação que tinha como valor estimado em R$20.000,00, a partir da condução do acordo do CEJUSC, as partes estabeleceram dar quitação total da inicial e do contrato de trabalho, bem como, as ações de números 0021277.54.2019.5.04.0007 e 0020518- 21.2019.5.04.0030 pelo valor de R$4.500,00 a reclamante, ou seja, 22,5% do estimado na reclamação trabalhista e R$450,00 de honorários advocatícios, totalizando R$4.950,00.

Certamente foi a necessidade alimentar em meio à crise de desemprego que fez com que a reclamante aceitasse o valor ínfimo ao que realmente teria direito, todavia, se questiona a que ponto as negociações judiciais são reparadoras e educativas para que as empresas NÃO CONTINUEM VIOLANDO DIREITOS HUMANOS EM ATIVIDADES EMPRESARIAIS.

A rede de Supermercados Zaffari não é um armazém de esquina, como de fato, tinha condições de ofertar um valor mais digno ao que realmente deveria alcançar a quem entregou a sua força de trabalho para aumentar a sua riqueza se expondo diariamente em meio à crise de saúde pública no atendimento ao consumidor, nas paradas de ônibus além desses quando utilizados estarem em horários reduzidos e superlotados.

Foundry /Pixabay

Nesse sentido, em razão do caso é emblemático gostaria de sugerir as Escolas Judiciais de todo país que ao invés de promoverem cursos de negociação trabalhista para empresas, como cursos de formação de prepostos, colocar como prática permanente cursos de Direitos Humanos em Atividades Empresariais, como, de estabelecer dentro da utilização das tecnologias mecanismos de identificação, por meio da busca jurisprudencial, os casos que violem Direitos Humanos nas relações do trabalho porque assim é o que determina o Decreto n. 9.571 de 2018:

Art. 13. O Estado manterá mecanismos de denúncia e reparação judiciais e não judiciais existentes e seus obstáculos e lacunas legais, práticos e outros que possam dificultar o acesso aos mecanismos de reparação, de modo a produzir levantamento técnico sobre mecanismos estatais de reparação das violações de direitos humanos relacionadas com empresas, como:

I – elaborar, junto ao Poder Judiciário e a outros atores, levantamento dos mecanismos judiciais e não judiciais existentes e dos entraves existentes em sua realização e realizar levantamento, sistematização e análise de jurisprudência sobre o tema;

II – propor soluções concretas para tornar o sistema estatal de reparação legítimo, acessível, previsível, equitativo, transparente e participativo;

 

Cabe ao Estado o dever de fiscalizar, prevenir e reparar por mecanismos administrativos e judiciais, como estimular o respeito aos regulamentos instituídos por grandes empresas para que cumpram seus guias de conduta e códigos de ética nas relações com seus empregados e com a comunidade. Nós enquanto cidadãos e consumidores, devemos fiscalizar qualquer ato que viole a dignidade humana de trabalhador@s no exercício do seu trabalho por uma cultura ativa de fiscalização para redução de danos sociais e ambientais.

Assim, também chamo a atenção dos advogados e advogadas de trabalhador@s, a que ponto vamos submeter nossos clientes a acordos por tão baixo patamar econômico, se é que podemos falar em “reparatório”? A luta para quem milita do lado mais vulnerável nunca foi fácil justamente pelo poder econômico. Advogados de empresas, grande parte, são remunerados mensalmente, importando numa condição estrutural muito além daqueles que ficam ao lado de quem lhe é negado e violado direitos.

Os ataques aos Direitos Humanos são muitos e para mudar a realidade e a proteção a esses direitos, depende da atuação coletiva, enquanto advogad@s de trabalhadores para que demandas judiciais não sejam findadas por um preço vil que não repara, só esconde a permanente violação de direitos humanos fundamentais. Acordos que nunca são melhores aos trabalhadores, empresas ganham violando direitos, protelando o pagamento que é devido nas reclamações trabalhistas por meio da utilização de instrumentos protelatórios e ainda ganham quando fazem acordo porque deixam de pagar aquilo que lhe compete.

Ressaltando que a trabalhadora ingressou com ação que foi arquivada em razão do seu não comparecimento na audiência inicial, mesmo ela sendo beneficiaria da AJG, houve cobrança de custas, sendo que há o dever a observância dos precedentes sumulados, nesse caso consubstanciado no Colendo TST n. 463 item I, por isso que ela ingressou de novo n. 0020489-40.2019.5.04.0007 e fez o acordo.

A decisão do desembargador relator Marcelo Jose Ferlin D’Ambroso em que o voto foi acompanhado por unanimidade pela 8 Egrégia Turma do TRT da 4ª Região é uma esperança de que mesmo havendo a negativa da prestação da tutela jurisdicional na Origem, devemos acreditar que em Segunda Instância haverá a análise com profundidade do caso, conforme Súmula n. 393 do Colendo TST. Ratifico, as Escolas Judiciais devem promover cursos voltados a prevenir demandas judiciais e não a negociar, porque nunca será um negócio favorável aos trabalhador@s, esse já perdeu no momento das violações, enquanto a empresa permaneceu utilizando-se da força de trabalho para aumentar a sua riqueza.

Com a Reforma Trabalhista os retrocessos são muitos, mas temos que desde a primeira instância denunciar as inconstitucionalidades existentes, para haver uma atuação de que não estamos de acordo com a supressão de direitos sociais, denunciando que o acesso à justiça é uma garantia constitucional e deve prevalecer o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

 

* Carmela Grüne, Advogada Trabalhista. Ativista dos Direitos Humanos. Representante Institucional Titular do Instituto dos Advogados Brasileiros no Rio Grande do Sul. Membro fundadora da Academia Brasileira de Direito, ocupante da cadeira n. 5, cujo patrono é Raymundo Faoro. Mestre em Direito pela UNISC. Autora da Saraiva Jur. Editora-Chefe do Jornal Estado de Direito http://www.estadodedireito.com.brhttp://www.carmelagrune.com.br 

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