Mulheres brasileiras no mercado de trabalho: desigualdades que persistem

Artigo publicado na 42º Edição do Jornal Estado de Direito.

Patrícia Tuma Martins Bertolin[1]

A Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres nas mais variadas searas, inclusive no trabalho, ao prever a impossibilidade de discriminação em aspectos como a admissão e o salário. Contudo, 25 anos depois da edição do texto constitucional, verificamos sua insuficiência para tornar concreta a igualdade pretendida.

Destaquemos, por exemplo, a forte presença de mulheres no trabalho informal, onde perfazem mais de 56,8% dos que ali trabalham, segundo o IBGE (Síntese dos Indicadores Sociais, 2012). Também é mais frequente o trabalho feminino nas atividades precárias e a tempo parcial, conforme amplamente divulgado em pesquisas diversas.

Quanto ao salário, as mulheres auferem cerca de 73,3% do que ganham os homens, gap que se aprofunda quando se examina a condição da mulher negra, a que se encontra na situação mais vulnerável no mercado de trabalho, assim como nas demais esferas da vida social.

Apesar de constituírem 51,5% da população brasileira, as mulheres estão longe de se equiparar aos homens na alta hierarquia das empresas. Pesquisa do Instituto Ethos (2010), entre as 500 maiores empresas do país, mostrou que, no quadro executivo, apenas 13,7% dos profissionais eram do sexo feminino. Nos níveis de gerência e supervisão, as mulheres ocupavam 22,1% e 26,8% das vagas. Isso possibilita que se identifique uma espécie de “teto de vidro” que as mulheres encontram para ascender: embora invisível, ele não permite que elas o transponham, para consagrar, na prática, o previsto no artigo 7º, inciso XXX, da Constituição.

Essa desigualdade, que persiste na realidade brasileira, a despeito das muitas e sofisticadas normas antidiscriminatórias, torna-se ainda mais impressionante quando se constata que a escolaridade das mulheres supera a dos homens, em mais de um ano. De acordo com o IBGE (2012), 47,9% dos homens, entre 18 e 24 anos, possuíam 11 anos ou mais de escolaridade, enquanto a média para as mulheres chegava a 60,6%.

A Constituição proibiu a discriminação e foi mais além, ao prever a discriminação positiva, possibilitando “a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos” (art. 7º, XX), onde a presença feminina fosse insuficiente ou desqualificada. Discriminar positivamente é compensar uma discriminação nefasta, promovendo a inclusão dos membros de um grupo discriminado.

Alguns fatores podem explicar – embora não justificar – essas assimetrias. A mentalidade machista dos gestores é certamente um deles: aquela convicção (nem sempre manifesta, porque “politicamente incorreta”) de que à mulher deveria ser reservado o espaço doméstico. Mas essa é só a ponta do iceberg. Muitos hesitam em contratar mulheres em idade reprodutiva, por temer longos afastamentos e eventuais ausências, decorrentes das demandas da maternidade.

Ainda que se reconheçam iguais direitos a homens e mulheres no ordenamento jurídico, segundo o IBGE, o tempo gasto pelas mulheres nos cuidados com a casa e a família, independentemente de estarem submetidas a trabalho remunerado, é 2,5 vezes maior que o dispendido pelos homens, o que estabelece uma evidente desigualdade na sobrecarga das mulheres (que acabam arcando com uma jornada dupla, e mesmo tripla, quando envolve estudo), e também no tempo dedicado ao lazer. Além disso, os homens entrevistados não percebem as atividades por ele desempenhadas na esfera doméstica como trabalho e sempre se referem a elas como tendo o caráter de “auxílio”.

Assim, as mulheres encontram-se submetidas a um moto-contínuo e injusto, que desconsidera que estamos no século XXI, que a Constituição consagrou amplamente a igualdade (com respeito às diferenças), que já faz muito tempo que os salários das mulheres não têm caráter complementar ao orçamento familiar – o que, no passado, justificou que fossem menores – até porque cerca de 30% dos domicílios brasileiros são hoje chefiados por mulheres.

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo; Vice-Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

 

 

Comente

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe