As magicbands e o lugar onde os sonhos se realizam

Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor

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Foto: pixabay

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“Um dia aprendi que sonhos existem para tornarem-se realidade. E, desde aquele dia, já não durmo pra descansar. Simplesmente durmo pra sonhar…” – Walt Disney

Os avanços tecnológicos da última década proporcionaram uma vasta gama de benefícios no dia a dia do consumidor, permitindo cada vez mais comodidades aos usuários. Porém, para que o consumidor possa acessar as novas tecnologias deverá optar em atenuar seus direitos de privacidade em troca de determinados serviços.

Indiscutivelmente, com o surgimento dos wearables, a matéria torna-se ainda mais cotidiana e habitual.

A tradução da palavra inglesa wearable significa vestível ou usável resumindo o conceito das chamadas tecnologias vestíveis, que consistem em dispositivos tecnológicos que podem ser utilizados como peças do vestuário.

Nota-se, que este modo de usufruir da tecnologia a partir de uma perspectiva mais cômoda e natural faz parte do processo de evolução da onipresença da informática e computação na vida das pessoas.

Além disso, os dispositivos wearables são um passo para a concretização da chamada Internet das Coisas, que se caracteriza por manter a constante conectividade entre diferentes tipos de objetos comuns no cotidiano dos indivíduos.

Em consequência disso, a tecnologia móvel pode ser inserida em diferentes acessórios, por exemplo: óculos, relógio, pulseiras, etc., e serve como fonte de informação, comunicação ou entretenimento para os seus usuários.

Dessa forma, os wearables, ajudam a construir um ambiente em que a tecnologia passa a estar intrinsecamente ligada ao dia a dia do consumidor de modo imperceptível.

Assim, diante das inovações tecnológicas surge na Walt Disney World, resort de entretenimento mais visitado em todo o mundo, situado em Bay Lake, Flórida, próxima a cidade de Orlando, a chamada MagicBand.

Sabe-se que o complexo foi aberto em 1 de outubro de 1971 e recebe anualmente mais de 52 milhões de pessoas em seus parques temáticos e hotéis. Abrange uma área de 11.106 hectares, pertence e é operado pela The Walt Disney Company através da divisão de seus parques e resorts.

O complexo foi desenvolvido por Walt Disney na década de 1960 para complementar o parque da Disneylândia em Anaheim, Califórnia, que fora aberto em 1955. Além de hotéis e um parque temático similar à Disneylândia, os planos originais de Walt Disney também incluíam um “Protótipo Experimental da Comunidade do Amanhã”, uma cidade planejada que serviria como um laboratório de experiências para inovações na vida da cidade (vida metropolitana). Após intensa pressão, o governo da Flórida criou o distrito de evolução Reedy Creek, que essencialmente ofertou para a  Walt Disney Company os poderes e autonomia normais de uma cidade incorporada. Walt Disney morreu em 15 de dezembro de 1966 antes que seus planos originais fossem completamente realizados.

Atualmente, na chegada ao complexo Walt Disney World, o visitante se depara com um arco indicando “Were Dreams Come True”, ou seja, “Onde os Sonhos se Realizam”, e logo em seguida, ao fazer check-in em um dos hotéis do complexo, ou ao adquirir um o passe anual, recebe uma MagicBand

As MagicBands são pulseiras coloridas, parecidas com um relógio que foi feita para facilitar a vida do consumidor dentro do complexo Disney World, servem exatamente para as mesmas coisas que o cartão de ingresso do parque, com a vantagem de estar sempre presa ao corpo, o que acaba facilitando a vida do consumidor.

Estas pulseiras ficam diretamente vinculadas ao nome de seu adquirente, incorporando ingressos para os parques e reservas em hotéis. Além disso, elas servem como chave dos quartos nos hotéis do complexo e até mesmo como meio de pagamento, através de dados do cartão de crédito indicado pelo consumidor. Basicamente, tudo o que o consumidor necessitar dentro do complexo Disney World está ao alcance de seu pulso.

As MagicBands são grátis para àqueles que se hospedam no complexo Disney ou adquirem o passe anual da DisneyNo caso dos hotéis, todos os hóspedes tem direito a uma MagicBand por reserva; e no caso do passe anual, o consumidor recebe uma MagicBand na compra do primeiro passe e uma nova a cada renovação. Para todos os demais visitantes a MagicBand será vendida pelo preço de US$12,99.

Porém, a MagicBand não é obrigatória, pois caso o consumidor não goste ou não queira gastar dinheiro com isso, deverá usar o seu ingresso que será escaneado da mesma forma e o acesso liberado nos parques, atrações com FastPasse fotos.

A MagicBand armazena e transmite informações, sendo que cada uma possui um micro transmissor de rádio interno que emite ondas de rádio. Esse microtransmissor é carregado com as informações de cada visitante e é capaz de enviar e receber sinais através de sua antena embutida na pulseira.

As ondas de rádio, conhecidas por ondas de radiofrequência, do inglês Radio Frequency (RF), são campos eletromagnéticos que levam energia de um ponto a outro, permitindo a transferência de informações sem necessidade de fios. Essas ondas eletromagnéticas não precisam de um meio material para se propagar e conseguem passar informações utilizando apenas o ar. Na pulseira tem uma antena embutida onde os sinais de radiofrequência conseguem ser irradiados no ar e se propagam tanto em linha reta quanto em outras direções. Os sensores espalhados pelo complexo captam os sinais de rádio e ativam a pulseira.

Graças a esse sistema e num toque de mágica, o atendente do restaurante Be Our Guest consegue rapidamente encontrar o consumidor que fez o seu pedido de café da manhã ou almoço através do serviço de balcão Quick Service.

Os sensores de longo alcance posicionados em locais específicos de todo o complexo são usados para oferecer experiências personalizadas, por exemplo: sabe-se que algumas atrações nos parques tiram fotos automáticas de seus visitantes (Space Mountain, Splash Mountain, Hollywood Tower, etc.), porém, quem está usando uma MagicBand recebe sua foto ou vídeo sem precisar solicitar, ou seja, assim que deixar a atração, elas aparecem como mágica na conta do aplicativo My Disney Exérience. Tudo isso porque os sensores de longo alcance identificam que o visitante está na atração e que poderá gostar de ver sua foto. Posteriormente o consumidor poderá acessar as fotos para personalizá-las e comprá-las, ou simplesmente resgatá-las, para àqueles que adquiriram o pacote de fotos Memory Maker direto no aplicativo.

Cada micro transmissor é exclusivo e tem informações de uma única pessoa. Vale lembrar que, na verdade, as informações pessoais de cada visitante não ficam exatamente armazenadas nos dispositivos de RF das MagicBands. No micro transmissor da pulseira os dados ficam armazenados em códigos, e as informações da pessoa são criptografadas e armazenadas com segurança dentro de um banco de dados da Disney.

Outro detalhe importante, é que a pulseira não possui função de GPS, portanto não é possível saber exatamente onde cada pessoa se encontra em um determinado momento, pois a intenção da Disney não é vigiar seus visitantes, mas sim dar facilidades de consumo e diversão.

O micro transmissor da pulseira fica embaixo do símbolo do Mickey e para ativá-lo é necessário encostar a silhueta do Mickey nos sensores espalhados pelo complexo que possuem o mesmo desenho e a mesma tecnologia de RF.

Esses sensores se encontram nas catracas dos parques, nas portas dos quartos nos hotéis, nas maquinas de cartões de compras em lojas, restaurantes, quiosques e lanchonetes, nos totens de acesso para o FastPass+, com os fotógrafos profissionais da Disney para utilizar o Memory Maker, na entrada para o estacionamento dos parques, etc.

Uma curiosidade é que a Disney acaba utilizando as informações recebidas através das pulseiras e do aplicativo My Disney Experience para poder melhorar os serviços no complexo. Por exemplo, ao coletar as informações do tempo de espera nas filas das atrações e tempo de espera para as refeições, é possível gerenciar esse tempo de espera para  poder melhorar o fluxo do tráfego nos parques.

Porém, para vivenciar esta experiência agradável e especial dentro da infraestrutura do complexo, o visitante oferece em troca, seus dados cadastrais, necessários para a reserva dos hotéis e para a aquisição de ingressos e, caso deseje utilizar a MagicBand como meio de pagamento, informações de seu cartão de crédito. Além disso, caso o visitante opte por utilizar a pulseira como meio de pagamento nas lojas e restaurantes, a Disney consequentemente terá acesso a informações valiosas acerca de seus hábitos de consumo dentro complexo.

Vale ressaltar que, a entrega da pulseira MagicBand não é acompanhada de quaisquer informações acerca de seu funcionamento, das informações coletadas do usuário quando da utilização do bracelete, nem de qual uso é feito pela Disney de tais informações. Também não é coletada nenhuma forma de aceite do usuário, com o intuito de demonstrar seu consentimento com relação à utilização dos dados pessoais registrados pela Disney. Tal conduta, entretanto, não corresponde a qualquer ilicitude por parte da Disney, sendo certo que os Estados Unidos não possuem lei geral de proteção de dados, sendo esta regulamentada de forma segmentada, por leis setoriais e estaduais.

 

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O estado da Flórida, local onde se encontra o complexo Disney World, possui, desde 2014, lei específica relacionada à proteção de dados pessoais, conhecida como Florida Information Protection Act – FIPA. Referida norma, entretanto, não menciona a necessidade de obtenção de consentimento dos titulares dos dados para seu tratamento, focando mais na segurança dos dados coletados e em procedimentos em caso de vazamentos de dados.

A Disney, disponibiliza em seu site oficial Política de Privacidade informações referentes ao funcionamento da MagicBand. A empresa, inclusive, informa que o visitante não é obrigado a utilizar a MagicBand, podendo circular nos parques com o cartão de acesso oferecido, que contém apenas receptores passivos de sinais de rádio, não transmitindo, portanto, informações sobre a utilização do parque pelo usuário.

É um serviço que pode ser considerado por muitos como inoportuno, embora lícito. A Disney, inclusive, reforça, na Política de Privacidade relacionada à MagicBand, que a pulseira se destina apenas à utilização nos Estados Unidos, diante das particularidades da legislação local. A MagicBand não é disponibilizada, por exemplo, nos parques da Disneyland Paris, podendo, estar relacionado ao fato de que a União Europeia possui normas muito mais estritas acerca de privacidade e tratamento de dados pessoais do que os Estados Unidos.

Pode-se comparar as MagicBands, em conjunto com os sensores no complexo da Disney e os sistemas aos quais estes estão ligados, com um computador gigante, processando em tempo real dados de onde os visitantes estão, o que eles estão fazendo e o que eles desejam e, atendendo aos anseios identificados, o que permite à Disney aprimorar os serviços prestados e, cada vez mais, atender aos interesses dos consumidores.

Diante deste cenário, torna-se de extrema relevância as leis e normas que visam regular a utilização de dados pessoais, com intuito de conferir maior segurança jurídica tanto aos indivíduos quanto às corporações que tratam os dados.

No Brasil, a questão é regulada de maneira esparsa por diversos diplomas legais, por exemplo: a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e seu Decreto Regulamentador (Decreto nº 8.771/2016).

Desse modo, caso a Disney decida vir ao Brasil e operar com a MagicBand, será necessária a adequação de seu sistema a algumas regras locais, principalmente as estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Marco Civil da Internet, juntamente com seu Decreto Regulamentador.

O Brasil, ao contrário de outros países, ainda não possui lei geral de proteção de dados pessoais, mas apenas normas setoriais. Circulam, no Congresso Nacional, alguns projetos de lei sobre o tema, dos quais se destacam o PL nº 5.276/2016 e o PL nº 4.060/2014, ao qual o primeiro se encontra apensado.

Todas essas iniciativas legislativas brasileiras buscam tutelar de forma efetiva a questão da proteção de dados pessoais e o seu tratamento, porém, o Brasil está em atraso, comparado a algumas nações do mundo que já dispõe de diplomas legais, quer sejam esparsos, quer sejam direcionados para a questão da proteção e do tratamento de dados pessoais, portanto, indiscutivelmente, torna-se de grande relevância uma legislação direcionada especificamente à privacidade e proteção de dados pessoais diante da evolução tecnológica e sua popularização.

Inclusive, a Walt Disney World já anunciou uma nova versão das MagicBands, com novo design e também a opção para quem não quer usá-la no pulso, provavelmente – um Magic Chaveiro.

Afinal, parafraseando Walt Disney Todos os nossos sonhos podem-se realizar, se tivermos a coragem de persegui-los…”

 

Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada.

 

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