Jogos Olímpicos e Relações Homoafetivas

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Não há Estado Democrático de Direito sem a Família

vista de forma humana, plural e diversificada

para erguê-lo sob o seu pilar.

Nicholas Merlone

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

  1. Olimpíadas e Relações Homoafetivas

Nos jogos olímpicos de 2016, no Brasil, diversas situações ocorreram envolvendo relações homoafetivas. Apenas como exemplo, podemos citar o pedido de casamento feito em público num estádio entre duas mulheres; além disso, o caso do jornalista que expôs atletas homossexuais, através de um aplicativo; ou ainda os diversos casos de atletas que declararam a homossexualidade em público.

Aproveitando, assim, o tema, trataremos dos Direitos Fundamentais da Família e de modos de concretizá-los na realidade concreta, tendo em vista a perspectiva das relações homoafetivas.

  1. Direitos Fundamentais da Família

Sob o prisma positivista ou sob outros modos de pensamento, quase sempre será possível notar que os direitos fundamentais preocupam-se em possibilitar a tutela integral do ser humano.

Além disso, apontamos para a internacionalização dos direitos, o que com certeza deve reduzir debates sobre a terminologia e perseguir a concretização da dignidade humana.

Igualmente, uma vez voltados às pessoas, os direitos fundamentais são universais. E também são inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis, interdependentes e complementares. Os últimos porque exigem uma interpretação conjunta, sempre em prol do fim para o qual existem.

Os direitos fundamentais enquanto declarações para que se busque assegurar garantias devem ser tidos, inclusive, pelas minorias e pela Família.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Nesse sentido, cabe evidenciar as reflexões de Maria Berenice Dias sobre a ideia de Família: “A tentativa de formatar os vínculos afetivos dentro de um único modelo sempre existiu, variando segundo valores culturais e a influência religiosa dominante em cada época. A família consagrada pela lei sempre foi conservadora: entidade matrimonializada, patriarcal, patrimonial, indissolúvel, hierarquizada e heterossexual. […] Mas é indispensável ter uma visão plural das estruturas familiares e inserir no conceito de entidade familiar os vínculos afetivos que, por envolverem mais sentimento do que vontade, merecem a especial proteção que só o Direito das Famílias consegue assegurar. Por isso é necessário reconhecer que, independente da exclusividade do relacionamento ou da identidade sexual do par, as união de afeto merecem ser identificadas como entidade familiar, gerando direitos e obrigações aos seus integrantes. “ (DIAS, p.1)

Fica nítida, assim, a visão humana da autora sobre a ideia de Família. No contexto, pode-se afirmar talvez que o direito à felicidade também deve ser buscado, não só se restringido às condições dignas de vida, como exemplo, para que o núcleo familiar tenha capacidade de desenvolver todas as suas potencialidades humanas e afetivas.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Nesse rumo, veja sobre o julgamento sobre união estável homoafetiva ocorrido na Suprema Corte[1]-[2]. Nesse sentido, vale salientar o artigo 3º, inciso IV, da Constituição, que sedimenta a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

  1. Efetivação dos Direitos na Realidade Concreta (Emenda Constitucional no 71/2012)

A EC no 71/2012acrescenta o artigo 216-A à Constituição Federal para instituir o Sistema Nacional de Cultura, senão vejamos: “Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.”

Como o texto da Constituição indica, o Sistema Nacional de Cultura deve ser organizado de modo descentralizado e participativo, com a participação da comunidade e da sociedade, por colaboração.

De tal forma, as políticas públicas de cultura devem ter caráter democrático e permanente, o que aponta para serem políticas de Estado e não somente de governo, em caráter transitório, além de ser promovidas, inclusive, para as minorias e a Família, devendo ser coordenadas e articuladas entre as três esferas federativas (União, Estados e Municípios), como dito, com a participação da sociedade na sua formulação e implementação, com mira na promoção do desenvolvimento humano, social e econômico com o pleno exercício dos direitos culturais.

Na promoção de políticas públicas descentralizadas, articuladas e coordenadas, com a participação da sociedade, por colaboração, na área da cultura para buscar o pleno desenvolvimento das pessoas, inclusive, das minorias e da Família, deve-se mirar um planejamento de longo prazo, não apenas com uma visão imediatista, para contribuir-se com a formação de uma sociedade plural e diversificada.

Finalmente, não menos importante, deve-se buscar implementar a institucionalização política de técnicas jurídicas.[3] Isto, através da EC no 71/2012, bem como da institucionalização legal no Estado das relações homoafetivas.

 

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Conclusão

Aproveitando a ocasião esportiva que trouxe a lume o assunto das relações homoafetivas, registramos que as políticas e leis, em apertada síntese, devem contribuir para a institucionalização do Estado Democrático de Direito, bem como de seus valores e princípios, além de trabalhar em prol de uma sociedade mais livre, justa, igualitária, fraterna, plural e diversificada.

Famílias próximas da plena capacidade da personalidade humana desenvolvida constituem uma melhor sociedade e um melhor Estado, contribuindo para o desenvolvimento sócioeconômico do País.

No momento, um bom ponto de partida é procurar contribuir para a institucionalização política da EC no 71/2012, bem como à institucionalização das relações homoafetivas, voltadas para a Família.

Deve-se, assim, procurar agir de modo a se alterar as relações estruturais do Estado, no cerne dos seus aparatos e aparelhos, ao se institucionalizar politicamente, como dito, princípios e valores do Estado Democrático de Direito e da Família vista de forma humana, plural e diversificada.

Bibliografia

 

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva. 3ª. ed., 2011.
________. O Constitucionalismo Democrático no Brasil: Crônica de um Sucesso Imprevisto. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2013/05/O-constitucionalismo-democratico-no-Brasil.pdf>. Acesso em: ago/2016.
DIAS, Maria Berenice. A família além dos mitos. Disponível em: < http://www.mariaberenice.com.br/uploads/a_fam%EDlia_al%E9m_dos_mitos.pdf >. Acesso em: ago/2016.
Notícias STF. Supremo reconhece união homoafetiva. 05/05/2011. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931 > Acesso em: ago/2016.
[1] Para saber mais sobre o assunto: v. Notícias STF. Supremo reconhece união homoafetiva. 05/05/2011. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931 > Acesso em: 26/05/2013.
[2] Veja também importante posicionamento de Luís Roberto Barroso sobre o tema: “Inexiste no direito brasileiro norma expressa regendo a situação das uniões homoafetivas. A Constituição não cuida delas. O art. 226, § 3º faz menção, tão somente, ao reconhecimento de uniões estáveis entre homem e mulher. O mesmo se passa em relação à legislação ordinária, inclusive o art. 1.723 do Código Civil, que, por igual, somente se refere às relações entre homem e mulher. Diante da ausência de norma expressa, a jurisprudência se dividia entre duas soluções: parte dos tribunais entendia que a relação afetiva entre um homem e um homem, ou entre uma mulher e uma mulher, devia ser categorizada como uma sociedade de fato, cujos efeitos jurídicos, inclusive em caso de dissolução, deveriam ser pronunciados por um juiz cível; a outra parte entendia que, a despeito do silêncio da legislação, a analogia mais próxima era a da união estável, sendo competente a justiça de família. Na ação se pedia que o Supremo Tribunal Federal declarasse que esta última concepção é que estava em conformidade com a Constituição. O caso era difícil por duas razões. A primeira, no tocante à ambiguidade da linguagem, envolvia determinar se a locução união estável, tradicionalmente aplicada às relações heterossexuais, se estendia, também, às relações homoafetivas. Com a dificuldade de que a norma constitucional e a legislação ordinária somente se referiam a “homem e mulher” ao tratar da união estável. A segunda razão que tornava o caso difícil é a inegável existência de desacordo moral razoável na matéria. De um lado, há segmentos da sociedade que entendem que união estável, assim como casamento, só pode ser entre pessoas de sexos opostos. Sustentam que a homossexualidade é contra as leis da natureza, que há expressa condenação na Bíblia e que, portanto, não deve ser encarada pelo Direito como um fato normal. De outro lado, inúmeros setores consideram que a homossexualidade é um fato da vida, que sua causa é predominantemente genética e que discriminar uma pessoa em razão de sua orientação sexual é como discriminar negros, judeus, ou asiáticos. As relações estáveis homoafetivas se baseiam na afetividade e em um projeto de vida comum. Ou seja: as mesmas características da união estável. Logo, não há fundamento legítimo para o tratamento diverso. Em surpreendente unanimidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as uniões estáveis homoafetivas deveriam receber o mesmo tratamento jurídico das uniões estáveis convencionais.” (BARROSO, pp. 26-27)
[3] Este último item, número 8, isto é, a institucionalização política de técnicas jurídicas, é um pensamento de Maria Paula Dallari Bucci, discutido durante a disciplina de Cidadania e Estado no programa de Mestrado em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, durante o primeiro semestre de 2013.

 

Nicolas MerloneNicholas Maciel Merlone é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Direito Constitucional em Debate – Mestre em Direito pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro Associado do Observatório Constitucional Latino Americano (OCLA). Professor Universitário e Advogado.

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