Imóvel objeto da herança pode ser usucapido

Coluna Direito da Família e Direito Sucessório

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Quando uma pessoa vem a falecer adotamos o princípio do Saisine no qual os bens por ela deixados será transmitido imediatamente aos seus herdeiros[1].

Esse princípio decorre de uma ficção jurídica para que esse acervo patrimonial não fique sem um titular. Ocorrendo o falecimento temos a abertura da sucessão, porém, será o inventário – ou na sua forma mais simples: arrolamento – que iremos descobrir efetivamente qual foi o patrimônio deixado e quem são efetivamente os seus herdeiros.

Quando se trata dos herdeiros, o Código Civil apresenta a classificação de herdeiros necessários, que são os descendentes, ascendentes e cônjuge[2], onde se inclui o companheiro em decorrência de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Esses herdeiros não podem ser afastados, salvo em situações bem peculiares.

Mas, além dos herdeiros necessários temos o herdeiros legítimos aí incluído os parentes colaterais.

Se existirem herdeiros necessários,  o autor da herança está limitado a poder dispor livremente dos seus bens de apenas 50% (cinquenta por cento) do seu acervo patrimonial. O mesmo não ocorre quando tem apenas os colaterais sendo que o autor da herança, nesse caso, poderá dispor livremente[3].

Conforme colocado anteriormente temos que, com o advento morte, temos a transmissão do patrimônio aos herdeiros, regra essa consubstanciada na legislação pátria. Contudo, existe a possibilidade de um dos herdeiros usucapir o referido bem, desde que preencha os requisitos da usucapião.

Foto: Julián Gentilezza/Unsplash

Foto: Julián Gentilezza/Unsplash

Imagine a seguinte situação – muito comum em nosso país – João viúvo falece deixando apenas uma casa para os seus dois filhos – Maria e Manoel. Maria morava com o pai, e com o seu falecimento permaneceu morando na casa, sem qualquer oposição de seu irmão Manoel. Ela exerce os atos de animus dominus, por exemplo, arca com o IPTU do imóvel, faz reforma e consertos na casa, enfim age como se proprietária fosse. Passado 15 (quinze anos) ou 10 ( dez anos) ou 5 (cinco anos), Maria poderá ser considerada como proprietária mediante a aquisição por usucapião. E decorre da previsão legal contida nos seguintes artigos do Código Civil que trata da possibilidade de usucapir bens imóveis:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Além disso temos a possibilidade de usucapir bens móveis, vejamos:

Foto: Unsplash

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Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.

Ou seja, se os herdeiros não se ativerem ao acervo patrimonial deixado pelo de cujus é possível que um, ou mais, dos herdeiros venha a usucapir os bens deixados.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar pleito de um dos herdeiros que tinha como objetivo usucapir o bem imóvel diante de outros herdeiros. Vejamos a ementa da referida decisão:

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.631.859 – SP (2016/0072937-5)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MARISTELA APARECIDA DO CARMO

ADVOGADO : ROGÉRIO LEONETTI E OUTRO(S) – SP158423

RECORRIDO : CAROLINA MACORATE DO CARMO – ESPÓLIO REPR. POR : JOAO CHUBA – INVENTARIANTE ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – S000000M

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA.

  1. Ação ajuizada 16/12/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73.
  2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros.
  3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.
  4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02).
  5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02.
  6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários.
  7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino –, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.
  8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária.
  9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.

Nesse caso específico trata-se de usucapião extraordinária de bem imóvel, contudo, entendemos ser cabível também as demais formas de usucapião, tanto para bens móveis quanto para bens imóveis, desde que seja preenchido os requisitos para cada uma das espécies de usucapião.

A prescrição aquisitiva para que ocorra deverá preencher os requisitos específicos.

Diante da possibilidade de ingresso de petição de herança no prazo prescricional de 10 anos, isso seria óbice para a constatação da existência da prescrição aquisitiva? O entendimento também deve ser no mesmo sentido. Ou seja, apesar do prazo prescricional ser de 10 anos para a propositura da ação de petição de herança, isso não impede que os bens seja objetos de usucapião, desde que preencham os requisitos previsto na normal.

 

Referências:

[1] Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

[2] Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

[3] Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar.

 

renata vilas boas
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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