Grooming

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Assédio através das tecnologias

Não se discutem os benefícios das novas tecnologias digitais para o mundo moderno. Igualmente, não se discutem os novos riscos que daí podem surgir. In casu, debateremos um deles, o grooming.
Trata-se de um assédio sexual de crianças e adolescentes na Internet (por meio de chats, comunicadores instantâneos, comunidades de relacionamento, SMS, WhatsApp, etc.) e que vai do acosso inicial à exploração sexual.
Define-se como um assédio exercido por um adulto e que se refere às ações realizadas deliberadamente para estabelecer uma relação e um controle emocional sobre o menor com o fim de preparar o terreno para o abuso sexual do mesmo. (1)

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Assim, principia por uma fase de amizade em que um adulto aproxima-se de uma criança ou adolescente para conquistar sua confiança e amizade; seguindo para a fase da relação propriamente dita em que se tem maior intimidade, com confissões e, alcançando a fase derradeira com o componente sexual que inclui pedidos de fotos, vídeos, etc.
Uma estratégia do assediador é construir um diálogo virtual com a vítima escolhida a partir de um perfil “perfeito”, inclusive com idade compatível. Assim, começam as intermináveis conversas com pedidos de fotos e vídeos que se tornam mais íntimos a cada dia. Por outro lado, o assediador sempre tem uma desculpa para sua webcam, por exemplo, não funcionar… Se finalmente, combina-se um encontro, por óbvio, a diferença de idade precisará ser relativizada e daí, a partir de todo um discurso sobre a maturidade da vítima, do encontro de almas, da desimportância da diferença de idade etc. o encontro sexual estará selado, podendo até chegar ao ápice das filmagens. Aliás, todo tipo de gravação será seguramente manejada pelo assediador para manipular e ameaçar sua vítima (podendo até configurar nova modalidade de assédio, agora pela divulgação de imagens na rede e pela ocorrência de Cyberbullying).
Perceba que se cuida de uma nova forma de prática de delitos preexistentes envolvendo exploração sexual de crianças e adolescentes:

– Estupro de pessoas menores de 18 anos ou maiores de 14 anos;
– Estupro de vulnerável;
– Uso de menor vulnerável para servir a lascívia de outrem;
– Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente;
– Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável;
– Rufianismo de menor;
– Tráfico de menores para o fim de exploração sexual;
– Assédio sexual do menor;
– Proteção contra a pornografia e o aliciamento infanto –juvenil (artigos 240, 241 – A, 241 – B, 241 – C, 241 – D, e 244-A do ECA).
O grooming contudo, pode ser inserido – especificamente – no crime prescrito no artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente, a saber:

Art. 241-D. Aliciar, ASSEDIAR, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. (g.n.)

Foto: Unsplash

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Em outras palavras, ainda que o comportamento do assediador no grooming possa consistir numa original maneira de cometimento de outros delitos adaptada ao entorno tecnológico – tecnologias de informação e comunicação – o próprio grooming já tipifica o artigo 241-D do ECA.
Observe-se também que, se está diante de uma vítima que demanda proteção e cuidados especiais porque em idade de formação. Neste ínterim, aliás, não examinarei qualquer objeção sobre dignidade sexual do menor e capacidade de autodeterminação sexual, isto é, não adentrarei em altercações sobre autonomia sexual do menor para decidir sobre práticas sexuais, idade legal para participação em atividades sexuais, acepção de vulnerabilidade, etc.
Atente-se ainda que, nada obstante ser fenômeno a agredir jovens, o Grooming não se confunde com o Bullying nem com o Cyberbullying afinal, nestes se busca a humilhação da vítima que pode ser sim, granjeada pela via sexual, contudo não é o componente sexual a finalidade primeira do valentão.
De fato, o que se tem é um grave fenômeno de assédio a preocupar a sociedade mormente porque atinge pessoas vulneráveis de forma amplificada nas novas tecnologias digitais.
Com efeito, está-se diante da “Inocência roubada”. (2) Vítima a culpar-se por acreditar no amor… Pais culpados por não protegerem… Educadores responsáveis por não saberem… Sociedade violentada… E confiança para sempre quebrada… (3)

Referências:

(1) GONZÁLEZ, Maria Isabel Martínez et. al. El acoso: tratamento penal y procesal. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2011.
(2) No livro “Inocência roubada”, Elissa Wall descreve os detalhes de uma vida enclausurada por Warren Jeffs, líder religioso que defendia a poligamia e estabelecia casamentos entre seus seguidores e garotas ainda adolescentes. Sendo uma de suas vítimas, Elissa conta como conseguiu se livrar desta seita e ainda ajudar a polícia americana a encontrar um dos fugitivos mais procurados pela polícia.
(3) Conferir filme norte-americano “Confiar” (Trust, 2011), sob competente direção de David Schwimmer. Sinopse: Os pais da jovem Anne resolvem presenteá-la com um computador em seu aniversário. Ao entrar em uma sala de bate-papo, conhece um garoto chamado Charlie e rapidamente envolve-se virtualmente com ele. No entanto, a amizade repentina da filha irá mudar a vida de toda a família.

 

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

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