Ensino superior em tempos de consumo (ou sobre o dia no qual meu nome foi parar no Reclame Aqui)

– …tem que mudar essa nota professora, eu estou pagando!

Neguei.

Neguei considerar duas questões erradas como certas e fui parar no Reclame Aqui,

A crise existencial foi iminente.

Para superá-la, compartilhei o surrealismo do acontecido com outros professores, e constatei que não fui a primeira a parar na página de reclames. Muitos outros enfrentaram a mesma situação. Fiquei com dó dos amigos coordenadores de curso. Esses estão nos trending topic (sei que isso é coisa do tuiter, mas…). Se o professor não resolve o “problema“ do aluno, cabe ao coordenador resolver. Se esse não resolve, pimba: Reclame Aqui. E eles correm para o coordenador pra tudo! [Coordenador de curso é o muro de lamentações do universitário moderno.] Afinal, ele está ali para isso, não para pensar no projeto pedagógico do curso – que é idealizado por alguma divindade e desvelado a ele em sonho.

Imagine um aluno consciente dos seus direitos acadêmicos. [Por direitos acadêmicos entende-se a obrigação da Universidade em fornecer-lhe um diploma porque ele “está pagando”.] Esse aluno vê tais direitos “dificultados” por todos os professores… eles exigem demais… cobram dele conhecimentos muito complexos, que ele não conseguiu desenvolver exclusivamente em sala e, que por conta disso, o “obrigam“ a estudar em casa. Imagine o absurdo: estudar em casa! O aluno paga para estar na universidade, tem que apreender tudo que precisa para ser sei-lá-eu-o-que (afinal, a formação em direito possibilita ao indivíduo o acesso a um leque imenso de carreiras) em sala! Estudar em casa é inadmissível!

Quem não apreende tudo em sala, deveria acionar o Procon! Mas antes, é claro, postar uma bela reclamação no Reclame Aqui!

Gosto muito dessa plataforma (não estou a reclamar dela. Não me entendam mal!), e a uso com muita frequência. Consulto o índice de reclamações acerca das empresas que não conheço antes de fazer qualquer compra pela internet – e faço muitas, principalmente de livros – os edito e os devoro com o mesmo prazer. E reclamo. Mas nunca reclamei de professor.

Tudo bem que na minha época não existia esse espaço… Se existisse, certamente não faria uso para tal fim. Acontece que, pra mim, professor precisa ser respeitado. Em sala e fora dela. O respeito e admiração por todos os professores estão tão arraigados em meu ser que chamar alguém de professor é desvelar minha profunda admiração.

Quanto a procurar o coordenador de curso, jamais, na minha vida acadêmica – que iniciou cedo e persiste até hoje, fui até a coordenação para qualquer reclame. E antes que pensem que não fui porque não precisava, saibam que sim, existiam falhas – tanto da instituição como dos professores. Estou falando exclusivamente da minha postura enquanto aluna, mas saliento desconhecer – e olha que convivia bastante com meus colegas – uma procura a coordenação para mi-mi-mi de assuntos que seriam facilmente solucionadas ou compreendidos com um bom papo, olho no olho.

É certo que o aluno do presente não é o mesmo do passado. A postura humilde de aprendiz já não existe mais. Brio? Vejo pouco.

O aluno é, atualmente, o consumidor exigente. Ele (a maioria, ok?!) não se dá conta de que a relação professor-aluno não é regulada pelo direito do consumidor. Sequer recorda que, quando da matrícula, assinou um documento no qual está clara a corresponsabilidade do aluno para com a sua aprendizagem. Portanto, querido aluno-consumidor: contratualmente, também és responsável pela construção do seu conhecimento. Lembre-se disso.

P.S.: Para quem perdeu um tempinho tentando localizar meu nome no Reclame Aqui, peço desculpas. O surrealismo da reclamação já não pode ser acessado através de uma busca pelo meu nome. Consegui removê-lo com um simples e rápido telefonema. O que demorou foi conseguir localizar o telefone do pessoal que trabalha na manutenção do site.

Bruna Schlindwein Zeni é editora jurídica e professora universitária.

A coluna aborda – com bom humor e ironia – as desventuras enfrentadas no ambiente universitário em tempos de consumo. Voltada para docentes, alunos e curiosos de plantão, será publicada mensalmente para que possa haver uma troca maior entre autora e leitores – por que sim, sugestões são bem-vindas, assim como relatos que possam virar textos e serem publicados por aqui. (Precisarei de muitos! Portanto, colaborem! Rs.)

Importante: os nomes dos envolvidos e das instituições serão – sempre – preservados. E, acaso espere encontrar algum rigor técnico-científico, alerto que não o encontrará por aqui. Deixo-o reservado para o ofício editorial.

Comentários, críticas e sugestões também podem ser encaminhados para brunaschlindweinzeni@gmail.com ou via facebook

A opinião da colunista não representa a de qualquer instituição profissional ou científica a qual possua qualquer vinculo.

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  1. João professor anônimo

    O problema é que, tá certo: o aluno faz a matrícula e assina documento de ciência de que a partir daquele momento está sujeito a um regimento e tem responsabilidades no processo de aprendizagem, logo, é inadmissível que se altere a nota porque ele pagou, ou então por argumentos do tipo: não tive tempo de estudar, mãe morreu, filho doente etc etc – o final dessa história todos sabemos: se o professor não faz o que o aluno quer, duas coisas acontecem: o aluno sai da escola e procura uma que faz o que ele quer, isso é o que não falta por aí… e o professor tb é convidado a se retirar e tem mais dificuldades que o aluno de encontrar uma escola onde o aluno não faz o que quer. É isso, somente isso e nada mais além disso.

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