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Divulgada pesquisa sobre homicídios na Capital em quatro décadas

Um convênio firmado entre o Poder Judiciário do RS e a Universidade Federal do RS, em 2010, possibilitou a realização de uma pesquisa sobre a transição criminológica em Porto Alegre e Região Metropolitana, de 1970 a 2010. O levantamento aponta que 67% dos crimes ocorreram à noite ou de madrugada, 50% em via pública. A maioria dos réus (72%) não possuía antecedentes criminais, 69% eram da cor branca e somente em 14% dos casos agressor e vítima não se conheciam. Porém, cresceram em anos recentes (especialmente na década de 2000) as mortes relacionadas à atuação de grupos criminais, especialmente o tráfico de drogas.

O resultado da pesquisa foi entregue nesta quarta-feira (26/8) ao Presidente do TJRS, Desembargador José Aquino Flôres de Camargo. A pesquisa foi coordenada pelos professores Letícia Maria Schabbach e Juan Mario Fandino Marino, do Departamento de Sociologia da UFRGS, e contou com a participação de seis estudantes do Curso de Políticas Públicas daquela Universidade. Segundo a professora Letícia Maria Schabbach, foram três anos de análises de processos.

Um dos objetivos do estudo foi examinar as características e as circunstâncias da violência homicida em Porto Alegre e municípios metropolitanos, o perfil dos perpetradores e vítimas, bem como as modificações ocorridas nos homicídios em 40 anos.

Para o Presidente Aquino, se trata de uma pesquisa extraordinária, com alta significância e que necessita ser interpretada e divulgada nos meios internos e externos. Mostra como está mudando o contorno da criminalidade, com visível crescimento do crime organizado, destacou o Presidente.

Pesquisa

A coleta de dados, desenvolvida entre agosto de 2011 e setembro de 2014, abrangeu 531 processos judiciais relativos a homicídios, ativos ou baixados, cujos fatos ocorreram entre os anos 1970 e 2010. Os processos encontravam-se na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre (VEC), na Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (VEPMA), e, quando já baixados, no Arquivo Judicial Centralizado.

Foram analisados nove tipos de confronto: conflito entre par amoroso (ou ex-companheiro), por vezes atingindo familiar; vingança no contexto da criminalidade; reação inesperada, do momento; raiva ou desavença antiga sem relação com a criminalidade; violência sexual; reação a assalto ou intervenção em conflito de outro; transtorno mental ou abuso de álcool ou drogas; irritação extrema, reação desproporcional e outros casos menos frequentes.

Também foram analisados os cenários de homicídios abrangendo diferentes níveis de interação entre agressor e vítima, entre eles: cônjuges ou companheiros atuais, familiares próximos (inclusive afins), ex-companheiros ou rivais em relações amorosas, amigos, conhecidos, desconhecidos entre outros.

Também se identificou se os homicídios haviam sido planejados ou não, bem como se havia indícios de participação do condenado em: grupo criminoso, quadrilha, gangue, preso, assassino pago.

Resultados

O levantamento apontou os seguintes resultados:

Características dos fatos (homicídios)

  • 46% ocorreram em final de semana (sábado ou domingo) ou em dias de feriado nacional, 67% à noite ou de madrugada
  • 50% aconteceram em via pública (rua, avenida, parque, ponte, etc.), 27% na casa da vítima ou do condenado, 14% em local de diversão, esporte ou lazer
  • 63% foram praticados com o uso de arma de fogo (destes 71% dos casos com mais de um disparo), 25% por objeto pérfuro-cortante (faca, facão, espada, estoque)
  • 70% das mortes foram cometidas por um agressor e 81% vitimaram uma pessoa

Características das pessoas envolvidas

  • Na maioria dos casos ambos os agentes, agressor e vítima, eram homens (76%), seguidos dos fatos em que o agressor era homem e a vítima mulher (14%)
  • A maioria dos réus, 72%, não possuía antecedentes criminais anteriormente ao homicídio consultado. Entre os 28% com antecedentes, estes envolviam mais frequentemente crimes contra o patrimônio (55%), homicídios (22%) e crimes relacionados com drogas (10%). Os crimes contra o patrimônio também foram os mais frequentes entre os crimes posteriores ao homicídio
  • 77% dos condenados receberam pena inferior a 13 anos pelo homicídio pesquisado
  • O intervalo etário mais frequente entre os condenados foi dos 18 aos 29 anos (68%), seguido da faixa etária superior aos 29 anos de idade (30%).
  • 69% dos condenados eram da cor branca, contra 27% de não brancos
  • Grande parte dos condenados, 76%, possuía o ensino fundamental, completo ou incompleto; 12% possuíam o ensino médio ou superior, 7% eram analfabetos
  • As informações sobre as vítimas foram raramente encontradas nos processos 

Cenários dos homicídios

  • Quatro dos tipos relativos aos os temas em confronto foram mais frequentes, totalizando 361 casos, 77% do total de processos:
  • Raiva ou desavença antiga sem relação com a criminalidade:  23%
  • Reação inesperada, do momento: 20%
  • Vingança no contexto da criminalidade: 18%
  • Conflito entre par amoroso, ou ex-companheiro, por vezes atingindo familiar: 17%
  • Os demais casos apresentaram 3% cada: violência sexual, reação a assalto ou intervenção em conflito, transtorno mental ou abuso de álcool ou drogas, e irritação extrema, reação desproporcional
  • Com relação ao nível de interação social entre os envolvidos, percebeu-se que somente em 14% dos casos agressor e vítima não se conheciam, ou seja, inexistia relação social. Em 49% eram conhecidos, em 8% familiares próximos, em 8% amigos, em 6% ex-companheiros ou rivais amorosos ou, ainda, familiares de antigos companheiros
  • Por fim, identificou-se que 53% dos homicídios não foram planejados e que, em 27% dos casos, foram identificados indícios de que o condenado participava de grupo ou atividade criminosa (quadrilha, gangue, preso, assassino pago)

Evolução dos cenários dos homicídios

Os resultados longitudinais da pesquisa (abrangendo a série histórica 1970/2010, cujos anos foram agrupados em quatro períodos consecutivos) confirmaram a hipótese de que cresceram em anos recentes (especialmente na década de 2000) as mortes relacionadas a contextos de atuação de grupos criminais e/ou gangues, especialmente o tráfico de drogas. Além desses, também apresentaram elevação no último período os homicídios associados a desavenças antigas, fora de um contexto criminal. Não obstante, os conflitos envolvendo parceiros íntimos, ex-companheiros ou familiares permaneceram relativamente estáveis, ao contrário das mortes por reações do momento, que vêm apresentando forte declínio progressivo desde a década de 1990.

A pesquisa também apontou leve aumento da participação dos condenados na criminalidade, de forma mais saliente no último período.

Além disto, cresceram as mortes planejadas e aquelas nas quais agressor e vítima mantinham relação social como ¿conhecidos¿. Paralelamente, diminuíram as mortes decorrentes de conflitos entre desconhecidos.

Alguns dos achados da pesquisa podem ser vislumbrados nos seguintes gráficos (obs: N = número de processos):

Gráfico 1 – Distribuição dos homicídios conforme temas mais frequentes (mais de 3% dos casos)


N = 421, excluídos 45 (não foi possível identificar o tema).
Per1 (década de 1970); Per2 (década de 1980); Per3 (década de 1990), Per 4 (década de 2000)

Gráfico 2 – Distribuição dos condenados conforme indícios de participação na criminalidade (quadrilha, gangue, presos, assassino pago)


Notas: 
N = 396; excluídos 22 casos (não continham a informação).
Per1 (década de 1970); Per2 (década de 1980); Per3 (década de 1990), Per 4 (década de 2000)

Gráfico 3 – Distribuição dos homicídios conforme tipo relação social entre os envolvidos


Notas: 
N = 435, excluídos 29 (nos quais foi impossível identificar qual a relação social).
Per1 (década de 1970); Per2 (década de 1980); Per3 (década de 1990), Per 4 (década de 2000)
Relações primárias = agrupamento de: “parceiros íntimos”, “familiares próximos”, “ex-parceiros íntimos” e “amigos”

Gráfico 4 – Distribuição dos homicídios conforme planejamento ou não


Notas: N = 441, excluídos 25 (nos quais não foi possível identificar se premeditado ou não).
Per1 (década de 1970); Per2 (década de 1980); Per3 (década de 1990), Per 4 (década de 2000)

Fonte: TJRS

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