Direitos para que(m): uns mais humanos que outros?

Coluna (Re)pensando os Direitos Humanos

 

 

*Ralph Schibelbein

           No Brasil o tema dos Direitos Humanos é considerado polêmico. A questão que coloco logo de início para pensarmos é justamente o que leva tal temática ser tratada como polêmica? Se partirmos da conceituação básica de que eles são direitos que garantem a dignidade básica destinada a todo e qualquer ser humano, me parece estranho que nós vejamos como tema polêmico. Afinal, toda pessoa deveria ter direito a educação, saúde, segurança, liberdade, moradia, etc. Afinal, são necessidades básicas para uma vida digna. Como já nos assinalava Hannah Arendt “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos.” .

           Mas talvez a questão que se coloca não seja a dos Direitos Humanos, mas sim a deles serem destinados a todos. Diferentemente de outros direitos específicos, como os garantidos por ser sócio de um clube, pagar um plano de saúde ou mesmo participar de uma sociedade privada, que dão benefícios a partir de determinados pagamentos ou contrapartidas, para poder usufruir dos Direitos Humanos basta ser humano. Sem a necessidade de pertencer a uma determinada classe, religião, país ou algo que te particularize.  

           Desta forma podemos refletir sobre o fato de para muitos, nem todas as pessoas serem consideradas humanas. Seriam alguns mais humanos que outros. Vale lembrar que aqui o conceito não é utilizado como um adjetivo para caracterizar alguém, mas justamente o termo para designar a espécie. Independente de etnia, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, crenças, o que nos une é maior e deve prevalecer.

Foto: Pixabay

           Em um país marcado por séculos de exploração e escravização, a garantia de direito para todos deveria ser uma busca permanente, mas as heranças de uma estrutura social tão desigual e opressora nos leva a reproduzir um comportamento de segregar a sociedade entre os merecedores de direitos e os não. Ou entre os humanos e não humanos.

           A desigualdade social é uma chaga em nossa nação e ela expõe um conservadorismo que há muito vem sendo reproduzido especialmente pelas classes dominantes. Tal abordagem ganhou ainda maior visibilidade recente nas análises de Jessé Souza.

           É necessário que percebamos os Direitos Humanos não como uma entidade abstrata, um grupo restrito de pessoas, uma ideologia ou um partido político, mas como garantias básicas para a dignidade humana. É válido lembrar que os Direitos Humanos nascem mais de uma ideia liberal do que propriamente uma teoria da esquerda. Mas se sobrepõem a questão ideológica. São direitos históricos que vem sendo perseguidos no objetivo de ampliar cada vez mais a noção de cidadania.

           Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a criação da ONU (Organização das Nações Unidas) e a consolidação dos Direitos Humanos, os 30 artigos garantindo direitos a toda a pessoa humana estão disponíveis de forma universal, inalienável e indivisível. Mas se há décadas eles garantem liberdade de expressão, por que ainda vemos censura? Se apontam direito a moradia, porque vemos tantas pessoas sem ter onde morar? Se defendem o direito a saúde, porque tantos morrem sem hospitais?

           Direitos Humanos são muito mais que palavras escritas em documentos ou acordos. Mais que discursos em assembleias e solenidades. Eles residem nas nossas atitudes, na forma de ver e encarar a realidade. Eles devem ser diariamente defendidos por nós, humanos. O ponto de partida pode ser o exercício do pensar. Elemento que nos distingue e caracteriza enquanto humanos, e é capaz de contribuir em um mundo onde todos querem vociferar, mas poucos escutam empaticamente. Como certa vez nos alertou Marcos Rolim, o nosso país ainda está a espera do Iluminismo. Que o (re)pensar seja revolucionário.

           Sendo assim, o que pretendemos fazer ao longo dos textos dessa coluna é exercitar o olhar, conosco, para com o outro, e para o que está em nossa volta. Estar aberto a escutar com atenção e sensibilidade e principalmente (re)pensar nossas ideias e atitudes. Afinal, a mudança para um mundo melhor se faz a partir de dentro. Deixamos um convite final para assistirem o documentário francês Human (2015), que retrata a pluralidade e riqueza humana a partir de depoimentos dos mais variados cantos do mundo, abordando assuntos que nos fazem humanos.

   

ARENDT, Hannah – Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948.

ROLIM, Marcos – Manifesto pelas luzes. Jornal Extra Classe, 12 de Maio de 2015.

SOUZA, Jessé – A elite do atraso: da escravidão à Lava-Jato. Leya, Rio de Janeiro: 2017.

 

 *Ralph Schibelbein é Professor, Mestre em Educação (UDE/ UI – Montevidéu- 2016), onde estudou a relação da educação e dos Direitos Humanos com o processo de (re)socialização.                                 Pós-Graduado em História, Comunicação e Memória do Brasil pela Universidade Feevale (2010), sendo especialista em cultura, arte e identidade brasileira. Possui licenciatura plena em                         História pelo Centro Universitário Metodista IPA (2008) e pela mesma faculdade é graduado também em Ciências Sociais (2019). Atualmente é Mestrando em Direitos Humanos na                                   Uniritter e cursa licenciatura em Letras/Literatura (IPA). Email: rschibelbein@gmail.com – http://lattes.cnpq.br/2564622103700471

 

 

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