Desigualdade e seus muitos nomes

Jefferson Carús Guedes

Artigo publicado na 42º Edição do Jornal Estado de Direito

Professor da Graduação, Mestrado e Doutorado do UniCEUB (Brasília)

Doutor e Mestre em Direito Processual Civil (PUC-SP). Advogado da União

Muito se fala em desigualdade nos últimos anos, tanto no Brasil como em outros países. Nesses últimos meses duas obras de economistas tem acentuado o debate: a primeira do americano Joseph Stiglitz, “O preço da desigualdade”, e a segunda do francês Thomas Piketty, “O Capital no Século XXI”. Ambas estão repletas de dados estatísticos e apontam para as desvantagens da desigualdade e suas sérias consequências sociais, tal como o desestímulo ao crescimento e ao desenvolvimento. Ambas possuem certo viés distributivo e tonalidades políticas, capazes de produzir reações que surgem de diversos pontos do hemisfério norte, num tiroteio que ganha contornos políticos é ideológicos.

Mas esse debate não corresponde ainda ao nosso estágio de reconhecimento de desigualdades no Brasil e aos desafios que se apresentam aqui, neste momento. Ainda temos níveis alarmantes de desigualdades que necessitam de compensações, em que pesem os esforços governamentais dos últimos 20 anos na redução da pobreza econômica, da desigualdade de renda e de acesso à educação básica.

Ainda temos um extremado temor em tratar da desigualdade e este é o ponto deste artigo: atribuímos nomes diversos para um mesmo fenômeno, a desigualdade. Por medo não pronunciamos a palavra “desigualdade” com clareza e bom tom, dizemos parte e vamos contornando-a com eufemismos e outras técnicas linguísticas.

Chamamos a desigualdade de pobreza, miserabilidade, exclusão, vulnerabilidade, desvantagem, deficiência ou déficit, desequilíbrio, assimetria, desproporcionalidade, inequitatividade, discriminação, desequiparação, desfavorecimento, marginalização, diferença, multiculturalidade ou multiculturalismo.

Vejam-se os exemplos presentes na Constituição, nas leis, na jurisprudência ou na doutrina brasileiras:

Pobreza é descrita como desigualdade, por ser sua forma mais visível da carência econômica; por essa razão a Constituição Federal propõe a sua erradicação. Miserabilidade é descrita como desigualdade quando as leis estabelecem planos como Comunidade Solidária (anos 1990), Fome Zero (anos 2000) e Brasil sem Miséria (anos 2010), com finalidade de atenuar desigualdade no acesso aos bens básicos como alimentos. Exclusão é descrita como desigualdade no Estatuto da Igualdade Racial, diante do tratamento desigual dado historicamente a negros e brancos no Brasil ou quando se estabelece o público alvo da Defensoria Pública. Vulnerabilidade é descrita como desigualdade também quando se organiza a Defensoria Pública e estabelece que ela se dedicará a defender grupos sociais classificados como vulneráveis. Desvantagem é descrita como desigualdade quando se trata de consumidores frágeis e de benefícios a cooperativas sociais. Deficiência ou déficit são descritas como desigualdade em Convenções e Tratados de proteção a deficientes; também na Constituição Federal e em leis, em geral quando se trata de redução de capacidade física, mental ou sensorial. Desequilíbrio é descrito como desigualdade no plano tributário e como fundamento para compensações a regiões ou a contribuintes. Assimetria é descrita como desigualdade no Estatuto da Igualdade Racial, num claro desvio à evidente desigualdade de tratamento a negros, pardos e indígenas. Desproporcionalidade é descrita como desigualdade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando se trata de acesso a vagas em universidades e cotas raciais. Inequitatividade é descrita como desigualdade, embora apareça na versão positiva, como equitativo. Discriminação é descrita como desigualdade na Constituição Federal, associada a diferenciações subjetivas não-razoáveis e injustificadas. Desequiparação é descrita como desigualdade pela doutrina, principalmente, sempre com sentido de diferenciação. Desfavorecimento é descrito como desigualdade quando a Constituição Federal se propõe a combater a pobreza e os fatores de marginalização. Marginalização é descrita como desigualdade na Constituição Federal, associada à pobreza e com vistas reinserção social, cultural ou econômica.  Diferença é descrita como desigualdade especialmente na doutrina, como um direito a tratamento proporcional de indivíduos ou de grupos alijados da maioria. Multiculturalidade ou multiculturalismo são descritos como desigualdade e reconhecidos diretamente na jurisprudência do STF quando examinou a possibilidade de regulamentação da rinha de galos e indiretamente na Constituição Federal.

Quais serão as razões de se atribuir tantos nomes a um mesmo fenômeno? Por que usar tão engenhosa ginástica comunicacional e separar uns e outros? Por que tratar tão desigualmente os que são igualmente desiguais? Eis aí algumas questões!

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