Coluna Lido para Você
Desafios e perspectivas para o enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. Série Educando para os Direitos Humanos: Pautas pedagógicas para a cidadania na Universidade Vol. II. Organizadoras: Nair Heloísa Bicalho de Sousa, Adriana Andrade Miranda e Fabiana Gorenstein. Brasília: Ministério da Justiça / NEP-CEAM-UnB (Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos-Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, Universidade de Brasília), 2011, 274 p.
Tráfico de Pessoas e Mobilidade Humana. Organizadora Maria Lúcia Leal. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2018, 196 p.
Este é o segundo volume da série “Educando para os direitos humanos: pautas pedagógicas para a cidadania na universidade”, fruto de parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT ), que ao longo dos anos vem defendendo o trabalho decente como um instrumento eficaz para combater as inúmeras violações dos direitos humanos dos trabalhadores. Por meio de convênio, houve a oportunidade de dialogar com especialistas nacionais e internacionais, pesquisadores e representantes governamentais e de organizações não governamentais dedicados ao combate ao tráfico de pessoas. Além disso, foi ofertado um curso à distância para duzentos investigadores, profissionais e alunos da graduação e pós-graduação sobre o tema.
Fiz em co-autoria com a Professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Coordenadora do NEP e uma das organizadoras da obra, a apresentação da edição. Nesse texto, desde logo, deixamos claro que a experiência registrada no livro não seria possível sem a colaboração dedicada e competente de Adriana Miranda e Fabiana Gorenstein, co-organizadoras da obra, que tomaram a iniciativa da proposta e coordenaram o desenvolvimento deste projeto na esfera do ensino presencial e à distância. Outro apoio fundamental foi recebido do CEAD (Centro de Ensino à Distância) da Universidade de Brasília que se responsabilizou pela proposta pedagógica do curso, auxiliados por tutores e monitores que acompanharam o desempenho acadêmico dos alunos.
O livro teve e ainda tem o propósito de oferecer ao debate acadêmico e à sociedade as reflexões realizadas pelos convidados durante palestras realizadas para o corpo discente no primeiro semestre de 2008, que serviram ao curso a distância e permanecem agora perenizadas nas suas páginas impressas editorialmente. O tema do tráfico de pessoas, especialmente mulheres, crianças e adolescentes, eixo dos capítulos do livro, é de alta relevância para entender os novos problemas de um mundo globalizado, onde a violação dos direitos humanos ocorre de formas diversificadas afetando indivíduos, grupos e nações. A vulnerabilidade dos grupos sociais citados abre oportunidades para as estratégias de traficantes, tendo como cenário contextos históricos distintos. Nos países de origem dos migrantes, as situações de desigualdade e exclusão social leva à constituição de estratégias individuais e familiares de sobrevivência e expectativa de melhores condições de vida em países desenvolvidos. Nos países de destino, as políticas de migração pretendem dar segurança aos Estados, sem contudo respeitar os interesses das pessoas traficadas ou migrantes irregulares na Europa ou Estados Unidos.
No Brasil, a política pública de direitos humanos tem caminhado sustentada em planos e programas nacionais que passo a passo pretendem fazer frente às inúmeras violações de direitos, especialmente na esfera econômica, social e cultural. No âmbito do tráfico de pessoas, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, analisada no livro e fruto da parceria entre Estado e sociedade civil deu o primeiro grande passo ao estabelecer princípios,diretrizes e ações de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e atenção às vítimas.Em seguida, o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas ao definir os três eixos estratégicos centrados na prevenção, atenção às vítimas e repressão ao tráfico com responsabilização dos autores define ações concretas para lidar com os principais pontos da intervenção pública. O compromisso das áreas ministeriais somados às parcerias no âmbito estadual e municipal com órgãos públicos e organizações não governamentais é um indicativo da possibilidade de lidar com esta questão de forma eficaz.
Desse modo, a publicação deste livro também é uma contribuição às ações institucionais, especialmente de âmbito acadêmico, que no caso da Universidade de Brasília se compromete com a causa e se coloca à disposição para tratar de outros temas relacionados ao campo dos direitos humanos, tendo como referência uma proposta pedagógica emancipatória.
O Prefácio, assinado pelas organizadoras, resume cada uma das inserções que integram o livro, a partir dos textos dos autores e autoras participantes, distribuídos nas três partes que estruturam a obra: Parte I – Direitos Humanos, com artigos de Paulo César Carbonari – Direitos Humanos no Brasil: uma leitura enfocada e em perspectiva de situação; Lúcia Maria Brito de Oliveira – Tráfico de pessoas: uma introdução aos instrumentos internacionais de direitos humanos e Hans-Joachim Heintze/Sven Peterke – Conteúdo e significado do Protocolo da ONU relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas (2000). Parte II – Tráfico de pessoas e grupos sociais vulneráveis, com artigos de Giovanna M. Frisso – Especialmente mulheres: reflexões sobre autonomia individual e caracterização do tráfico como crime organizado internacional; Dalila Figueiredo/Marina M. Novaes – A problemática da raça, gênero e das crianças e adolescentes no tráfico de seres humanos; Frans Nederstigt – Tráfico de seres humanos: Gênero, raça, crianças e adolescentes; Raquel Negreiros e Samira Lana SEABRA – Tráfico de pessoas: uma revisão dos conceitos sob uma perspectiva de gênero e as atuais ações de combate e controle; Adriana Piscitelli – Brasileiras na indústria transnacional do sexo: migrações, direitos humanos e antropologia; e Márcia Anita Sprandel – Armadilhas do discurso: a criminalização das migrações na legislação brasileira e internacional. Parte III – Política de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com os textos de Barbara Pincowsca Cardoso Campos/Mariana Siqueira de Carvalho Oliveira/Ivens Moreira da Gama – O que o Brasil tem feito para combater o tráfico de pessoas? Notas sobre a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; e Maria Lúcia Leal – A construção da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil.
As organizadoras finalizam indicando que o conjunto de análises sobre os desafios e perspectivas para o enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil, pretende oferecer uma contribuição que favoreça o debate na universidade e na sociedade, para que possamos colher subsídios no campo do ensino, da pesquisa e da extensão universitária, assim como na esfera da política pública brasileira, tendo em vista amenizar o sofrimento vivido pelas vítimas infantis, adolescentes e adultas do tráfico nacional e internacional.
O tema, conforme confirmam um conjunto de dissertações e de teses que integram o Repositório da UnB, continua a ter a atenção da inteligência acadêmica, atenta aos desafios ético-econômico-social-político-jurídicos que a realidade provoca. Uma das respostas relevantes que essa realidade interpela é agora oferecida pelo livro Tráfico de Pessoas e Mobilidade Humana, lançado pela Editora UnB, em 2018, organizado pela Professora Maria Lúcia Leal, Diretora do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, da UnB.
Resultado de uma parceria entre o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal e o CEAM e o Comitê ObservaLatrata/Brasil/Peru, a organizadora, autores e autoras trazem para a obra, em suas 196 páginas, um repertório com o objetivo de provocar o poder público e a sociedade civil local e internacional a promover as mudanças necessárias para enfrentar o tráfico de pessoas e a questão da mobilidade social e suas mazelas como responsabilidade a ser compartilhada por todos (Annie Vieira Carvalho, Prefácio, pp. 7-8).
Na apresentação da obra as professoras Maria Auxiliadora Cesar e Maria de Fátima Pinto Leal (pp. 8-14) assinalam o posicionamento que preside a opção editorial: A luta contra o tráfico é, também, senão principalmente, a luta pela justiça social: as situações de vulnerabilidade social das vítimas acabam sempre facilitando a ação dos recrutadores. O enfrentamento ao tráfico, portanto, deve ser interpretado e planejado como compromisso mais amplo por uma sociedade justa e igualitária, reconhecendo a migração como um direito e combatendo a prática da exploração do ser humano sem criminalizar o movimento migratório ou o migrante.
Esse sentido de compromisso com essa luta se faz presente nos artigos reunidos no livro: de Maria Luiza Moura Oliveira e Assis da Costa Oliveira, Balanço da Situação do Tráfico de Pessoas e da Atuação do Estado para Enfrentamento no Brasil: um Olhar do ObservaLatrata; de Bárbara Tude de Souza Ferreira, Contextualização do Tráfico Humano e Análises do PL n. 7.370/2014 do SCD n. 2/2015: Importância da Lei Geral de Tráfico de Pessoas; de Anna Carolina de C. Aureliano, Reflexões sobre os Dados Nacionais e Internacionais do Tráfico Internacional de Pessoas; de Annie Vieira Carvalho, A Importância das Normativas Locais para o Trabalho da Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: a Política e o Plano Distrital de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; de Vera Lúcia Pereira Araújo e Liliane Capilé Charbel Novais, Tráfico de Pessoas em Mato Grosso: uma Violação Oculta nas Notificações Policiais e Inquéritos Judiciais; de Beth Fernandes e Katiúscia Costa, As Mulheres Travestis e Transexuais: das Migrações Sexuais ao Tráfico de Pessoas; ainda de Beth Fernandes, Tráfico de Pessoas e as Reações Psicológicas das Vitimas; de Luciana Franco, O Trabalhador Estrangeiro em Situação Irregular no Brasil; de Rosita Milesi e Paula Coury Andrade, Políticas Públicas para Solicitantes de Refúgio, Refugiados e Imigrantes no Distrito Federal; de Carolina Moreira de Alcântara e Pio Penna Filho, Entre Relações Interpessoais e Relações Internacionais: sobre a Fenomenologia do Tornar-se Refugiado.
Deixei para indicar por último, o artigo de Luísa Mendes Lara, Direito Achado na Rua e Educação Popular na Prevenção ao Tráfico de Pessoas com Crianças e Adolescentes em Águas Lindas de Goiás: Experiência do Projeto Vez e Voz (pp. 129-138). E a razão decorre de meu vínculo com o projeto, na condição de seu coordenador para o sistema de extensão da UnB. Embora, na prática, o projeto seja auto-gestionado por suas participantes, seguindo o modelo de seu projeto de origem, ainda em execução contínua, o Projeto PLP – Capacitação de Mulheres em Direitos Humanos e Gênero. Finalmente porque o projeto se escora teoricamente em O Direito Achado na Rua, Grupo de Pesquisa (Diretório do CNPq) e Linha de Pesquisa dos Programas de Pós-Graduação em Direito (Faculdade de Direito) e Direitos Humanos e Cidadania (CEAM), combinando, na análise da Autora, os fundamentos teórico-críticos da concepção de Direito que o abriga (Direito entendido com enunciação de princípios de uma legítima organização social da liberdade, conforme Roberto Lyra Filho) e a educação popular (conforme a Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire), uma relação, de resto, perfeitamente estabelecida, entre outros, com mais pertinência, por Ana Maria Araújo Freire (Nita Freire), em Acesso à Justiça e a Pedagogia dos Vulneráveis (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et al. O Direito Achado na Rua vol. 8: Introdução Critica ao Direito à Comunicação e à Informação. Brasília: FAC Livros, 2017, edição impressa; edição e-book: http://bit.ly/2wbNe7C ).
Sob esta mesma concepção, o mestrando do Programa de Pós Graduação em Direito (Faculdade de Direito) da UnB, Patrick Noordoven, em artigo apresentado, como atividade avaliativa da disciplina ofertada O Direito Achado na Rua, no âmbito deste mesmo programa, encontra nos conceitos e nos elementos teóricos e práticos de O Direito Achado na Rua, base adequada para a sua pesquisa sobre o tema da adoção internacional e o direito à identidade.
Patrick Noordoven, conforme ele próprio revela no artigo, entrelaça a sua trajetória de um recém-nascido traficado ilegalmente do Brasil para Holanda e, portanto, privado de sua identidade, à pesquisa que desenvolve atualmente no Programa da Faculdade de Direito da UnB. Patrick, aliando seu percurso à pesquisa e à prática de seu projeto de vida, é fundador da ONG Brazil Baby Affair (http://bit.ly/2MMeOQ8) que auxilia pessoas na luta pelo direito à identidade e pelo direito de conhecer suas raízes e obter acesso às suas origens.
No artigo apresentado, cujo título é The Right to Identity – Conquering Access to Justice in Brazil (O Direito à identidade – conquistando o direito de acesso à Justiça no Brasil), Patrick, ao partir da clareza política de O Direito Achado na Rua, de que o direito, para ser verdadeiramente emancipatório, deve passar pela disputa de sua apropriação e realização, ele reconhece que a legislação de direitos humanos sobre o direito à identidade também precisa ainda ser disputada, sobretudo no Brasil, em que ainda prevalece o entendimento preconceituoso de que seria melhor para uma criança ser adotada por uma família rica do norte-global ao invés de o país prover formas de assistência a uma família carente ou de superar a desigualdade social no país. Conclui o autor, ao final de seu artigo, que O Direito Achado na Rua, em sua perspectiva teórica e prática, representa uma esperança para os movimentos sociais que estão articulados nesta luta, sendo plausível crer que a conquista do acesso à justiça está efetivamente ao alcance dos adotados, pelo menos a longo prazo[1].
Retomando as obras aqui comentadas, autora no primeiro livro e organizadora do segundo, a Professora Maria Lúcia Leal expressa com pertinência os vínculos teórico e político que ligam uma a outra obra. Trata-se de se posicionar a favor do paradigma dos direitos humanos em contraposição à xenofobia e ao apartheid; de defender uma epistemologia de valorização dos sujeitos sociais; de propor o esclarecimento de conceitos capazes de instrumentalizar um movimento em prol da globalização contra-hegemônica, tendo em vista uma ação transformadora capaz de articular “saberes e teorias com práticas concretas de mediação do ser social por meio de alianças locais e transnacionais contra o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual” (LEAL, Maria Lúcia Pinto. Desafios e Perspectivas…op. cit. pp. 31 e 274).
Nota:
[1] Agradeço a Renata Carolina Corrêa Vieira, mestranda do programa de Direitos Humanos e Cidadania – PPGDH do CEAM/UnB, a seleção de texto do artigo de Patrick Noordoven e a tradução livre que fez do original em inglês.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua. |
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