Defesa da justiça do trabalho e defesa da democracia

Rafael da Silva Marques*

Escuto atento aos debates a respeito da extinção (ou não) da justiça do trabalho. Argumentos econômicos são traçados e envolvem valores gastos com a estrutura e sua incompatibilidade com os distribuídos à população trabalhadora que reclama, justificando seu fim. Outros dizem respeito à garantia e salvaguarda da Constituição, bem como os interesses do empregador que respeita a lei e não se dobra à guerra hoje nominada dumping social.

Foto: Commons

Não vou debater, neste breve ensaio, estes dois argumentos. Isso porque para mim eles são importantes, mas já foram por demais versados. Creio, também, devo dar importância a outro debate que envolve a extinção ou não da justiça do trabalho, mas não a coloca como elemento central.

Numa sociedade democrática, fruto do debate e da vitória do melhor argumento e em que, em tese, os “debatentes” o fazem em igualdade de condições, o conflito é necessário. É necessário para reforçar entendimentos, aproximar versões e visões da vida e catalisar a atuação de quem faz a lei em prol do bem comum.

Pois bem, a extinção da justiça do trabalho não eliminaria os conflitos entre capital e trabalho. E isso ocorre por uma razão bem simples: não há capitalismo sem o conflito capital e trabalho. O contrato de emprego é a ossatura do sistema capitalista centrado na propriedade dos bens e dos meios de produção nas mãos de pouquíssimos e no trabalho assalariado para a maior parte da população. E o movimento, dentro do modo de produção presente, se faz, necessariamente, com a troca entre os poucos proprietários e a massa da população obreira.

Presumir ou pior, concluir que esta troca não gerará conflito é, para ser bondoso, ingenuidade. Não há como mexer a máquina capitalista sem, necessariamente, tornar em movimento a relação capital e trabalho. E este movimento, e justamente em razão dele, cria conflitos. E os conflitos são dos mais variados, desde assédios, não pagamento de horas extraordinárias, não-concessão de equipamentos de proteção, pagamento de salário extra folha, até justas causas cometidas pelo empregado em razão de desídia ou abandono de emprego.

Foto: TRT1

É por isso que a justiça do trabalho é necessária. Quem irá solucionar estas contendas? Se os serviços forem transferidos ou à justiça estadual ou à federal, quem movimentará os processos? Quem os julgará? As respetivas estruturas não tem nem pessoal e nem dinheiro para gerir os processos já existentes e novos, devendo contar com o corpo funcional da justiça do trabalho. E isso gerará custo. Custo quem sabe mais alto do que o que se tem hoje.

Sei que os antes nominados ingênuos não o são. E para chegar a esta conclusão basta lê-los nem que de vez em quando. O que percebo é que o que se quer é eliminar o conflito e o debate da diferença. Criar uma nova forma de capitalismo sem o embate entre capital e trabalho. Ou seja, um capitalismo domesticado.

O problema deste capitalismo domesticado, sem luta capital e trabalho, é que gera um outro problema. Não há democracia sem conflito. Não há democracia sem que o operário possa reivindicar seus direitos e lutar por melhores condições sociais e econômicas. Defender o fim da justiça do trabalho pode ser o mesmo que domesticar o capitalismo, mas pode ser igual a matar a democracia e o direito à luta. Não quero, honestamente, pensar que o que os não-ingênuos propõem é isso, embora me pareça bem plausível, em razão justamente desta não-ingenuidade.

O fim da justiça do trabalho, portanto, pode ser apenas o primeiro passo para o fim do debate e da luta. Para o fim da democracia e do discurso fundamentado. Pode ser o primeiro passo à mordaça e a exclusão do diferente, dos novos bárbaros. Os riscos com uma prática como esta podem ser severos em especial às gerações que vem. Evitemos matar a democracia. Entendamos as práticas de governo e o que, simbolicamente, possam elas nos mostrar. Devemos sempre defender a luta e o debate, o argumento e o contra-argumento. Defendamos sempre o outro. Assim, defenderemos a nós próprios. Defendamos a justiça do trabalho como forma de defesa da democracia!

*Rafael da Silva Marques é Juiz do trabalho e membro da Associação Juízes para a Democracia.
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