Comunicação e música

Coluna Lido para Você

Comunicação e Música, de Clodo Ferreira, Brasília: Editora FACLivros-UnB, 2016, 140 p.

Guia Musical de Brasília,  concepção e direção de Joaquim Barroncas; reportagem e edição de Antonio Carlos Queiroz. Brasília: Sucesso Mídia Comunicações Ltda, Segundo semestre de 2017, edição 4, 102 p.

Assisti com o mesmo prazer e deleite de apresentações anteriores, o show que Clodo Ferreira apresentou no Clube do Choro em Brasília, para lançar o seu livro Comunicação e Música.

Clodo Ferreira, autor da obra “Comunicação e Música”.
Foto: Divulgação

Entre as interpretações acompanhadas por seus filhos João e Pedro Ferreira, músicos concertistas (violão) como ele, Clodo encantou, como sempre, em intervenções inteligententemente bem humoradas e de profundo conhecedor da cultura musical. Afinal, esse artista de raiz é também um pesquisador de escol, acadêmico no sentido próprio da palavra, dividindo sua atuação universitária entre a Faculdade de Comunicação da UnB, onde é professor e defendeu o seu mestrado (Gotas – assim a chuva começa; Um estudo de caso sobre a produção musical independente no Distrito Federal; 1991; sob a orientação de Murilo César Ramos, meu  colega e co-autor comigo em diversos trabalhos); e o Departamento de História, no qual, sob a orientação da querida e saudosa colega Cléria Botelho, defendeu a sua tese de doutorado (Impressões digitais da independência: a produção de CDs independentes em Brasilia. 2008. Tese (Doutorado em História) – Universidade de Brasília).

Ex-integrante do trio, forte na memória musical de Brasília – Clodo, Clésio e Climério – os irmãos piauienses radicados no Distrito Federal, todos professores da UnB e notáveis compositores Clodo, antes de se lançar definitivamente autoral e performer, experimentou o curioso anonimato de assistir muitas de suas composições atribuídas a seus intérpretes – Nara Leão, Milton Nascimento, MPB-4, Ângela Maria, Ney Matogrosso, Zizi Possi e Dominguinhos. Ainda hoje é comum, em suas apresentações, alguém na platéia pedir “Clodo, canta aquela do Fagner” – pensando certamente em Revelação, uma das composições de Clodo, grande sucesso do cantor.

Consultando o Guia Musical de Brasília, edição 4, encontro a primorosa resenha (pp 20-21) escrita por Antonio Carlos Queiroz (ACQ). Erudito, versátil, com seu estilo que lembra Umberto Eco, ACQ é agora editor do Guia. ACQ que se descobriu jornalista na escola de Raimundo Pereira, na resistência jornalística à Ditadura de 1964 (Jornal Movimento, Retratos do Brasil), foi meu mestre no ofício de colunista quando me acolheu na Revista do Sindjus-DF (Sindicato dos Servidores do Judiciário e do Ministério Público do Distrito Federal), para assinar uma coluna mensal (p. 4) que escrevi por mais de quatro anos. Alguns textos dessa coluna reuni em livro- Ideias para a Cidadania e para a Justiça – publicado em Porto Alegre, pela Sergio Fabris Editor, em 2008. ACQ me ajudou a domesticar o estilo e a fazer caber no espaço da Coluna, com a precisão necessária e mais leveza, os meus comentários críticos à Democracia, à Cidadania, à Justiça e ao Direito.

Digo precisão e leveza sobretudo de forma, porque no conteúdo mantive sempre a densidade (pensando em Tomas de Aquino, sobre a suavidade da forma e a dureza do conteúdo), instigada por meu primeiro mestre nessa arte do Colunismo, que foi o jornalista e historiador Jarbas Marques, editor do Voz do Advogado (OABDF), em seu modo benjaminiano (Walter Benjamin) de narrar, escovando a história a contrapelo..

Meu mais cirúrgico orientador nesse ofício tem sido Luis Recena Grassi, o veterano jornalista que foi correspondente na Cidade do México, em Paris, em Moscou. Ele – editor do tablóide Constituição e Democracia (Coluna Lido para Você http://bit.ly/2PfO92D) nos ajudava a aprimorar texto, organizar conteúdo e nos fazer legíveis. Há memórias antológicas dessa orientação e de sua argúcia editorial. Lembro aqui três episódios. Para limpar o texto ele dizia, suprimam toda palavra que termine em mente.  Livrem-se dos advérbios, façam amizade com os substantivos. Vocês juristas tomam o incidental como essencial, invertem a hierarquia do texto. Perdem um tempo enorme nos pressupostos e o leitor desiste de ler antes de chegar à conclusão. Os jornalistas, ao contrário, lançam no primeiro parágrafo o núcleo informativo do texto pois, caso o leitor não chegue ao fim da leitura, já terá recebido a informação importante. Recena sempre respeitou nossos textos, mas às vezes precisava fazer caber na diagramação todo o material. Uma ocasião foi inesquecível. Era o fechamento da edição e um autor-coordenador estava bravo uma vez informado de corte em em seu texto.  Recena quis se justificar e o colega logo obtemperou:  já li e reli a matéria e eu estou bravo não porque você cortou, mas porque eu não consigo encontrar o que você cortou. Convimos que o Editor tinha razão, parece que a parte cortada não fez falta ao texto. Recena jamais perde o tom. Ainda agora, quando lhe enviei a Coluna Lido para Você, com o texto sobre o C & D, a manifestação via whatsapp, ele que estava na Rússia onde viveu e praticou jornalismo na TASS,  veio com sua verve: “Puxa, Zé, obrigado. Essa foi experiência inesquecível. Por pioneira, rica e democrática. Alem de bem humorada, pois as lembranças do “Mãos de tesoura” são mesmo impagáveis. De Astana, a Brasília do Cazaquistão, forte e saudoso abraço. LR.  PS: acabo de cortar meu próprio bilhete. Tinha um “mente” e dois “ismos”. Não pode…kkkk”.

Obra “Manual do Choro”.

O Guia, tal qual publicações desse jaez, oferece as indicações próprias desse tipo de edição: bares e restaurantes, espaços culturais, escolas de música, professores, músicos, grupos, bandas, corais, lojas e livrarias, rádios, rodas de samba, rodas de choro. Inova quando sugere batalhas de hip hop, lojas de vinil e a identificação de projetos sociais que tenham na música a característica de seu processo mobilizador.  É forte, porém, em editar matérias de fundo. Nessa edição 4, o relevo vai para o Manual do Choro (Clube do Choro de Brasília), obra coordenada por dois dos mais destacados professores da Escola – Henrique Lima Santos Neto e Eduardo Maia Venturini. O Manual, financiado com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do Distrito Federal, é fruto de 18 anos de experiência nas salas de aula da Escola Raphael Rabello, uma escola que tem cerca de 1.200 alunos e já formou mais de 80 músicos atuando profissionalmente.

Há uma sofisticada matéria apoiada em entrevista com o professor Artur Sampaio, da UnB, (Rococó, avô do Chorinho?, pp. 10-13)) sustentando as semelhanças entre o gênero brasileiro e a música barroca, mais especificamente, aquela do período rococógalante, que faz a ponte do barroco para o clássico.Há ainda uma matéria (entrevista) com o pianista e professor e pianista Alexandre Dias (pp. 14-18) que catalogou e revisou toda a obra de Ernesto Nazareth e que, agora, organiza informações sobre os pianistas do Brasil. Uma síntese do trabalho de Ruy Godinho (Então, foi assim?, n. 4, pp. 24-26), que trata dos bastidores da criação musical brasileira. Uma entrevista (pp. 27-28) com o professor da Escola Raphael Rabello, Rafael Alabarce, professor da Escola Rapael Rabello e fundador do Quarteto Capivara. Também uma bela matéria com o professor, livreiro e autor, Bohumil Med, cuja obra Teoria da Música já vendeu 100 mil exemplares (Professor e Livreiro, pp. 29-31). Também uma matéria sobre o filme Cuba Jazz (pp.32-34): Cuba Jazz, dos diretores Max Alvim e Mauro di Deus, surpreende aqueles que esperavam um panfleto em defesa do regime socialista da Ilha. Muito bem acabado na imagem, som e argumento, o filme traça um sofisticado recorte político e cultural da realidade do país pela voz de duas dezenas de músicos da nova geração do jazz cubano.

Volto ao meu começo, o Guia oferece também – pp. 20-22 – uma bem elaborada resenha de Comunicação e Música, de Clodo Ferreira, lembrando que a obra que sintetiza dez anos de prática de sala de aula é o resultado parcial de uma disciplina optativa com o mesmo título, oferecida na Faculdade de Comunicação da UnB, acabando por proporcionar um método interdisciplinar para o estudo da produção musical (p. 20). O livro, aliás, é mais uma edição muito bem cuidada e sempre seletiva da Editora FAC Livros da Faculdade de Comunicação da UnB, com a qual tenho contribuído em algumas publicações, tanto no formato impresso quanto no formato e-book.

A resenha do livro de Clodo que o Guia oferece, conforme dito, focaliza no método desenvolvido pelo autor, tal como descrito na obra. O método – diz o texto – é ilustrado por um triângulo, cujos vértices levam em conta a produção musical (estética, formatos, estilos, temas, movimentos, artistas); o meio de comunicação (tecnologia, veículos, emissãorecepção, espaços culturais); e o conteúdo social (representação social, identidade, cultura, política e economia). Dividido em duas partes – Temas Musicais e Música, Comunicação e História – para a leitura do Guia, a tese central do livro é que a produção musical na cena urbana brasileira foi desde o início condicionada pelos meios de comunicação, assim que, apoiando-se no próprio Clodo, considera que a hegemonia de um determinado meio tecnológico tem um reflexo enorme sobre a produção musical, daí que, com a urbanização da canção, segue o seu desenvolvimento no percurso da era do rádio, da televisão, até se instalar, com esses condicionamentos, na complexa imbricação do que se denominou, com a Escola de Frankfurt, indústria cultural, com o que conclui o Guia, se explica a domesticação da cultura e das artes pelo sistema de produção de mercadorias (pp. 21-22).

Começo pela segunda parte porque nela, embora o autor reúna textos esparsos eventualmente já publicados, neles busca articular, em diálogo com uma bibliografia muito consistente, os pressupostos teórico-epistemológicos de seu modo de fundamentar seu processo de conhecimento, os quais, entretanto, vão balizar o programa pedagógico organizado na primeira parte, ou sua vez experimentado, adensado e refinado no desenvolvimento da disciplina.

Foto: Arquivo / Agência Brasil

Nos textos da segunda parte – Imaginando o triângulo: música, comunicação e história; As drogas e a música popular; A literatura e as letras da música popular; Ironia, humor e tradição em Chico Buarque; Os artistas independentes que constroem Brasília – o autor revela a opção interdisciplinar e até transdisciplinar de seu método, buscando a relação entre três vertentes que se alimentam mutualmente, dentro das áreas irmãs da música, comunicação e história (p. 80),no interesse da construção do  artista, apreender a dominar os gêneros, os processos rítmicos e todo o conhecimento que dá sustentação às diversas formas artísticas (p.83).

Quando reflete sobre drogas e música, a preocupação é com o ato de criação e de compreender as interferências politizadoras que daí resultam, para que o imaginário em sua condição de estruturante originário, histórico, colocado sobre as redes simbólicas, aponte o que é importante ou não sempre de modo que essa questão limite seja imersa no imaginário sim, mas procurando enxergá-la como sujeita a uma interpretação também de caráter social, na sua significação cultural, que muda no tempo e na conjuntura (p. 105).

Quando analisa o entrelaçamento entre arte, literatura e música e a produção independente no espaço de formação da cidade, de algum modo prepara a passagem do epistemológico para o pedagógico na medida da percepção do campo ampliado da música popular no plano acadêmico (p. 114).

Na primeira parte, na qual estão organizados os textos de referência utilizados no curso, é onde mais nitidamente se nota a encarnação pedagógica do artista e do docente. Ao lado do cuidado para verbalizar temas histórico-culturais para auditório de forte intergeracionalidade (falta de memória), atravessado por ondas de significação que revelam a simbiose entre a estética, a tecnologia e o momento sociopolítico, é onde se surpreende um outro objetivo do curso, simbolizar, por meio das referências, da seletividade temática, os modos de atuação, a interação entre comunicação, música e história (p. 57).

Aqui a encarnação a que me refiro, combina a mise en scène do artista no show, entremeando canções com recortes de inusitados da experiência, retratados nos espantos e nas ingenuidades ou canduras de jovens estudantes em face de registros de sua forma precisa de cerzir uma narrativa operada por um fio condutor que não perde o alinhamento interpretativo.

É desse entrelaçamento entre arte, literatura, música que se alimenta a cultura de modo a provocar aquela condição de entendimento a que alude Ítalo Calvino (Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras), para revelar o significado de obras clássicas, vale dizer, que servem para entender quem somos e aonde chegamos (p. 16), aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível (p. 15).

Vicente Celestino certamente, jamais suspeitou que o mote de sua canção já circulava nas lendas de uma antiguidade européia, anterior a era cristã e, penso, disso não sabia o próprio Clodo, a menos que tivesse lido Howard Fast (Espártaco. Sâo Paulo, Abril Cultural, 1976). Na narrativa romanceada da grande guerra servil, 71 a. C., o autor surpreende personagens em volta a uma fogueira, recuperando histórias de outros tempos, como a do rapaz que em prova de amor oferece um presente muito simples: “o coração de sua mãe. E ele assim o fez. Apanhou um punhal, enfiou-o no peito da mãe e arrancou-lhe o coração. Depois, empolgado com o horror e a excitação do que fizera, correu através da floresta para onde morava sua bela amada. E, enquanto corria, prendeu o pé numa raiz e, caindo, deixou cair o coração que trazia nas mãos. Ao abaixar-se para apanhar o precioso coração, que lhe compraria o amor de uma mulher, ouviu-o dizer: ‘Meu filho, meu filho, tu te machucaste com a queda?’”.(p. 251).

Com a leitura de Clodo Ferreira em seu Comunicação e Música, eu mais ainda reafirmo (Direito como Liberdade. O Direito Achado na Rua. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2011),  que a seu modo sensível e emotivamente, arte, literatura, música, são formas de conhecer e para além de suas dimensões celebratórias ou declamatórias, não são delírio, mas a apropriação do real por meio de outra linguagem.

 

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José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

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