Coluna: Ó Mulheres!!!!

Coluna Ó Mulheres, por Luciane Toss[1], articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

Por que falar de Gênero?

 

Velvet Studio Fotográfico. 

 

A palavra gênero carrega consigo uma diversidade de atores sociais que nos convidam a pensá-la para além do masculino e feminino. O processo que constrói a identidade de gênero parte da inquietude sobre a bipartição da sexualidade em masculino e feminino. Da não aceitação da fixidez dos papéis de homens e mulheres na nossa sociedade.

Falar em gênero é falar das relações de poder que geram subordinações, produzidas historicamente e culturalmente, que afetam nossos modos de falar, de andar, de ser, como olhamos, sentimos e pensamos nossos corpos. É falar de sexualidade, dos nossos prazeres, desejos, afetos, relações que estabelecemos com o outro, relações com o nosso próprio corpo e que interferem nas nossas relações sociais e culturais.

Discutir gênero também desafia um silêncio forçado e indaga preconceitos, práticas discriminatórias e violentas que acompanham as vidas de pessoas que rompem com padrões fixos de masculinidades e feminilidades ou de outras cujos prazeres, desejos e afetos não se enquadram em uma normatividade.

Esta coluna se dispõe a discutir legislações e políticas públicas voltadas às mulheres e à comunidade LGBT+Q, mas também a analisar os dados relativos ao lugar ocupado no mundo por estes grupos. Trabalho, saúde, representação política, emancipação, enfim, onde se situa o Brasil nos níveis e índices de igualdade de gênero propostos pela comunidade internacional, pelo IDH e  onde estamos inseridos, sobretudo, na pauta proposta pela Agenda 2030 da ONU[2].

O último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Publica (Visível e Invisível: a vitimização das mulheres no Brasil) apontou que em relação a sua primeira edição (fevereiro de 2017) não houve redução na vitimização sofrida no período, ou melhor dizendo, quando as mulheres são questionadas acerca de assédio e violências física e psicológica sofridas ao longo do último ano, a proporção de mulheres agredidas foi de 28,6% e 27,4%, respectivamente. Isso significa dizer que 16 milhões de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência ao longo de 2018.

Os números da violência são particularmente expressivos na comunidade LGBT+Q. O Grupo Gay da Bahia (GGB), divulgou este ano que em  2018  foram registradas 420 mortes – por homicídio ou suicídio decorrente da discriminação – de integrantes da população homo-afetiva e transsexual. Entre os segmentos da comunidade LGBT, os homens gays foram os mais atingidos, são 39% das vítimas. Transexuais foram a segunda comunidade mais afetada, respondendo por 36% das estatísticas. Logo depois vêm as mulheres lésbicas (12%) e bissexuais (2%).

O objetivo, portanto, desta coluna é focar nossa  atenção em  legislações e normatizações e, sobretudo, em  politicas públicas que visem a igualdade de gênero e a redução da violência da comunidade LGBT+Q, de mulheres e de meninas.  Começaremos com a lei 13.811/19, publicada no DOU de 13.03.3019 e que veda o casamento infantil no Brasil.

Conforme dados da ONG Save the Children o   Brasil é o primeiro país no ranking de casamentos infantis da América Latina e está em quarto lugar no pódio mundial. Segundo o Banco Mundial, são cerca de 877 mil casamentos de meninas entre 10 a 17 anos por ano no Brasil, sendo mais de 100 mil delas com idades entre 10 e 14 anos. A maioria dos casos diz respeito a razões econômicas e de violência. Muitas meninas saem de casa para fugir de agressões físicas e sexuais sofridas no ambiente familiar.

O casamento infantil é responsável por cerca de 30% da evasão escolar e não há  no Plano de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira qualquer política pedagógica que oriente as meninas e meninos em relação a conteúdos de gênero, ou que envolvam prevenção contra AIDS, controle de gravidez precoce e relação sexual na adolescência

Ate então a  legislação brasileira estipulava 18 anos como a idade legal para a união matrimonial. O problema residia nas brechas legais para reduzir o limite mínimo. Uma delas é a que permitia o casamento de menores entre 16 e 18 anos, desde que com autorização dos pais. Era a chamada emancipação. A lei ainda excetuava o limite etário quando a menina estivesse grávida ou ainda para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal.

No entanto, mesmo que a idade mínima fosse desrespeitada, não havia punição cível específica, salvo a anulação do ato e de seus efeitos.

O artigo 217-A do Código Penal determina que qualquer relação sexual com menor de 14 anos é considerada estupro de vulnerável, mesmo que haja consentimento. Mas a  posição dos tribunais em relação a condenação de homens maiores casados com meninas menores de 14 anos e o silencio diante das ditas uniões estáveis (a realidade brasileira é que muitas meninas simplesmente vão morar com um maior. Recentemente uma decisão do Superior Tribunal de Justça reformou uma decisão de absolvição de um professor de música que havia mantido relaç˜øes sexuais com sua aluna de 14 anos. A corte regional havia abolsvido o adulto por estupro[3].

A idade núbil vem prevista no art. 1517 do CCv:

 

Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631.

 

A exceção à regra vinha no at. 1520 do CCv:

 

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez

A nova redação do art. 1520, introduzida pela lei publicada em março este ano,  veda exceções ao impedimento de casamento aos menores de 16 anos:

 

“Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código.” (NR)

 

Ainda não é possível aferir o impacto da lei na reduçnao de casos. Os atuais dados da UNICEF apontam que cerca de 3 milhões de jovens de 20 a 24 anos tiveram o matrimônio formalizado antes da maioridade no país. O número representa 36% do total de mulheres casadas dessa faixa etária.

Combater o casamento infantil é atacar uma das causas maiscomuns e recorrentes da violência e da desigualdade. As meninas tornam-se mais vulneráveis à violência doméstica e aos estupros no casamento. O casamento prematuro entre as meninas indígenas, as meninas que vivem em áreas rurais e os grupos populacionais de média e baixa renda parecem ser mais recorrentes do que os das áreas urbanas e dos segmentos de alta renda. O casamento infantil é responsável por cerca de 30% da evasão escolar.

A questão de fundo sem dúvida é a desigualdade de gênero. Os estereótipos e discriminação que privam as meninas de se desenvolverem psicológica, cultural, econômica e socialmente.

Educar é importante. Disponibilizar apoios objetivos, tais como, acompanhamento nas comunidades, possibilidade de grupos de apoio, atendimentos preventivos nos postos de saúde destinados as meninas desde a pré-adolescencia, inserir educação sexual e medidas de contenção da violência nos currículos educacionais na educação básica parece fundamental.

 

 

 

 

 

 

 

[1] Luciane Toss – Mestre em Ciências pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos –  onde graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais e cursou Especializacao em Direito Privado. É especialista  em Nuevos Rectos de Derecho Público pela Universidad de Burgos – UBU (ESP), em Derechos Humanos y Derecho del Trabajo pela Universidad Castilla La Mancha de Toledo – UCLM (ESP) e em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Fundação Escola da Magistratura Trabalhista – FEMARGS. Atualmente cursa Especializacao em Direitos Humanos e Políticas Públicas na UNISINOS. É advogada, professora  da FEMARGS e da Fundação do Ministério Público – FMP, vice-presidente da Associação Gaúcha de Advogados Trabalhistas – AGETRA e integra as comissoes de Relações de Trabalho e Feminismo da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas- ABRAT.

[2] O documento “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (AGONU 2015) é um guia  e um plano de ação que consiste em uma Declaração que contem dezessete objetivos de desenvovimento sustentável – ODS) e 169 metas que devernao ser alcançados até o ano 2030. Dentre estes o quinto ODS é a igualdade de gênero. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável visam intensificar estas realizações, não apenas nas áreas de saúde, educação e trabalho, mas especialmente no combate às discriminações e violências baseadas no gênero e na promoção do empoderamento de mulheres e meninas para que possam atuar enfaticamente na promoção do desenvolvimento sustentável, por meio da participação na política, na economia, e em diversas áreas de tomada de decisão. In: http://www.agenda2030.org.br/ods/5/.

 

 

[3] Acórdão na Íntegra, in https://www.conjur.com.br/dl/acordao-camara-criminal-tribunal1.pdf

 

  1. carlos sessegolo

    Parabéns Dra. Luciane Toss por percuciente abordagem de um assunto que atinge a sensibilidade do ser humano. Sempre pensei nesta situação agora trazida à colação por ti: O casamento infantil. Trata-se de um abordagem que traz a luz este problema, preocupante diante da falta de políticas públicas para a proteção destes casos nos aspetos alinhados testo.ut coepi continues. abrs. Carlos Lied Sessegolo

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