Certo, vamos aplicar o CPC ao processo do trabalho!

Se você deseja se tornar um colunista do site Estado de Direito, entre em contato através do e-mail contato@estadodedireito.com.br
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Foto: José Cruz/Agência Brasil

A aplicação do CPC no processo do trabalho

Desde que a perspectiva de um novo CPC se alinhou no horizonte, tenho pesquisado e defendido a sua não aplicação ao processo do trabalho. O motivo é simples: temos regras próprias e uma racionalidade que se contrapõe àquela do processo comum. E, claro, as regras dos art. 769 e 889 estabelecendo critérios para que a aplicação de normas processuais comuns possa ocorrer. Com o passar do tempo, essa convicção tem aumentado.

Utilizamos o CPC para lidar com exceção de suspeição, contradita, embargos de declaração, ônus da prova e tantas outras hipóteses em que temos regra expressa na CLT, propositadamente diversa das disposições do CPC. Em outras circunstâncias, ignoramos o silêncio eloquente das normas trabalhistas, como no caso da ausência de hipóteses de intervenções de terceiro no processo do trabalho.

Aplicação de regras para agilização do processo

É verdade, temos no CPC algumas normas, poucas, que permitem maior agilidade e efetividade ao processo. E, portanto, devem mesmo ser utilizadas no processo do trabalho, sem a quebra da sua racionalidade. O artigo 521, que autoriza a liberação de dinheiro em execução provisória, sem necessidade de caução, quando o crédito for alimentar ou houver estado de necessidade do exequente, é um exemplo. Essa é exatamente a realidade da maioria absoluta dos trabalhadores que demandam na Justiça do Trabalho. Outro exemplo é o artigo 400, quando refere que o juiz deve admitir como corretos os fatos alegados contra a parte que deveria documentar a relação jurídica, produzindo a respectiva prova, e não o faz. E o artigo 443, que impede o juiz de produzir prova oral acerca de fato que deveria haver sido provado por documento.

Deputado Paulo Teixeira, relator do novo Código de Processo Civil na Câmara, e o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, durante Congresso Brasileiro sobre o novo código Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Deputado Paulo Teixeira, relator do novo Código de Processo Civil na Câmara, e o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, durante Congresso Brasileiro sobre o novo código
Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Curiosamente, essas normas não são aplicadas ao processo do trabalho. Temos decisões determinando a utilização do critério da execução menos gravosa, flagrantemente contrário à proteção que justifica a existência de um processo do trabalho, mas não conseguimos – salvo boas e raras exceções – admitir a aplicação do artigo 521 do processo do trabalho. A súmula 338 do TST autoriza produção de prova sobre jornada, quando a empresa injustificadamente deixa de trazer os registros de horário para o processo e, com isso, contraria o que determina o art. 443. Não se trata de uma compreensão jurídica acerca da aplicação subsidiária ou supletiva; do alcance do artigo 15 do CPC em cotejo com os art. 769 e 889 da CLT.

Uma questão ideológica

Se a questão fosse apenas jurídica, teríamos dificuldades em encontrar argumentos para essa compreensão acerca do uso que fazemos do CPC no processo do trabalho. Trata-se de uma questão ideológica. Há uma ideia de que o tempo do processo, e todas as consequências dele, deve ser suportado exclusivamente pelo autor da demanda, ainda que ele prove seu direito desde o início.

Mesmo as tutelas de urgência, que desde 1994 desafiam esse pré conceito no âmbito do processo comum, são manejadas com uma resistência impressionante, a justificar, por exemplo, o uso do mandado de segurança como uma espécie de recurso, hábil para impedir que o juiz permita, por exemplo, o pagamento imediato das verbas devidas pela perda do emprego.

A tramitação do processo

Enquanto isso, o trabalhador que foi despedido sem nada receber, mesmo que apresente prova documental desse fato, tem que esperar a audiência, a sentença, o recurso, o acordão, o recurso, o novo acordão, a liquidação, o prazo da intimação para o pagamento e, então, receber o valor do depósito recursal e torcer para que a reclamada pague o restante do débito, porque do contrário iniciará a dolorosa fase de execução. Tudo isso, que embora caiba em três linhas, demanda, sabemos bem, anos de tramitação de um processo.

Foto: Pixabay

Foto: Pixabay

A liberação do depósito recursal em hipóteses como essa, amparada pela literalidade do artigo 521 do CPC, é uma das medidas que encontra resistência por parte dos tribunais. As liminares são concedidas de modo quase instantâneo e o dinheiro, que não estará à disposição da empresa, porque já depositado em conta judicial, permanece com o Estado, enquanto o trabalhador adia suas contas, enfrenta seus credores, aceita qualquer tipo de trabalho, pede empréstimo, humilha-se, enfrenta dificuldades para comprar alimentos, atrasa o aluguel. Isso sem mencionar o efeito social que a racionalidade de proteção ao capital acaba provocando.

Esse trabalhador despedido sem nada receber acaba sendo estimulado a aceitar qualquer tipo de acordo, mesmo aquele que implique parcelamento de parte da sua rescisão (sem considerar os honorários de advogado que serão deduzidos do seu crédito), com – obviamente – quitação do contrato.

Então, se queremos tanto utilizar o CPC no processo do trabalho, proponho que assumamos um compromisso. Comecemos por aplicar essas normas, que realmente estão em consonância com a proteção que justifica o processo do trabalho e podem promover a alteração do peso que o tempo do processo exerce sobre as partes e que na concreta realidade da vida pode ser decisivo.

 

 

Valdete Souto SeveroValdete Souto Severo é Articulista do Estado de Direito – Doutora em Direito pela USP/SP, professora e diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS, membro do grupo de pesquisa da USP Trabalho e Capital, Juíza do Trabalho.

Comente

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe