Casamento e União Estável – Diferenças práticas no sistema legislativo

Artigo publicado na 46 edição do Jornal Estado de Direito

Gustavo Rene Nicolau

Advogado, Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito da USP. Professor de Direito Civil da Universidade Mackenzie

O conceito jurídico de família é bastante amplo. Há varias maneiras de se formar um núcleo familiar no Brasil. A própria Constituição Federal, no art. 226, prevê a família formada pelo casamento, pela família monoparental (“comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”) e pela união estável, esta última podendo ser heterossexual ou homoafetiva (em virtude da saudável decisão do STF na ADIN n.º 4.277). A doutrina ainda prevê outras formas de formar uma família, mas as retro mencionadas são as mais importantes e frequentes.

A rigor, o papel do Direito é regulamentar, organizar e disciplinar as relações e interações que a sociedade já estabeleceu. Por isso que a lei – por natureza – sempre vem depois dos fatos ocorridos na sociedade. Seria um absurdo contra senso, por exemplo, não prever e disciplinar a união estável, fenômeno amplamente adotado e aceito em nossa sociedade há muitos anos.

A regulamentação da união estável no Brasil é feita atualmente pelo Código Civil, nos artigos 1.723 a 1.727, além do muito criticado art. 1.790. Contudo, a despeito da quase perfeita semelhança entre a realidade social da vida de um casal que contraiu matrimônio e a de outro que se uniu estavelmente, ainda há diferenças legais substanciais entre ambos. Em certos dispositivos a lei concede mais direitos ao cônjuge, noutros, ao convivente, não sendo possível concluir – a priori – qual instituto apresenta mais direitos aos partícipes. Existe, em suma, um grande descompasso entre os dois institutos.

Com os atuais desacertos do sistema legislativo, surge uma miríade de oportunidades para litígios e controvérsias entre os pares, o que também é constatável nos balcões dos fóruns e nos domicílios por todo o país. Estado civil, forma de compor o pacto antenupcial, necessidade de vênia conjugal para alienação de bens, direito de meação, bens sub-rogados, direito real de habitação ao sobrevivente e – principalmente – direitos sucessórios são apenas alguns dos tantos itens nos quais ou há lacuna do ordenamento ou a lei existe, mas trata as realidades sociais de modo absolutamente díspares.

No que se refere aos direitos sucessórios, vivemos hoje o maior descompasso entre casamento e união estável. No que se refere ao cônjuge, ele é considerado herdeiro necessário (Código Civil, art. 1.845), ocupa a honrosa primeira posição na ordem de vocação hereditária, (ocupava a terceira posição até 2002), concorrendo com descendentes que não necessariamente são seus (Código Civil, art. 1.829, I), ganha o mínimo de 25% quando for ascendente dos herdeiros com quem estiver disputando (Código Civil, art. 1.832) e recebe expressamente o direito real de habitação, independentemente do regime de bens no qual era casado(Código Civil, art. 1.831).Por último e não menos importante, a esposa casada em comunhão parcial de bens (de longe o regime de bens mais comum que existe) terá o direito de mear sobre os bens comuns (aqueles adquiridos onerosamente durante o casamento) e herdar sobre os bens particulares (bens adquiridos antes do casamento, bens herdados ou recebidos de doação) pertencentes ao falecido marido.

Por sua vez, a companheira não mereceu expressa previsão do direito real de habitação (Código Civil, art. 1.831), não é herdeira necessária (Código Civil, art. 1.845) e não tem a garantia de 25% de herança mínima (Código Civil, art. 1.790). Por último e mais relevante, acompanheira de união estável,unida sobo regime de comunhão parcial de bens, terá o direito de mear sobre os bens comuns e herdar exatamente sobre esses mesmos bens (Código Civil, art. 1.790).

Essa última diferença (esposa herda nos bens particulares e companheira herda nos bens comuns) criou uma imensa insegurança jurídica no sistema. Se houver imensa prevalência de bens particulares, valerá a pena para a esposa casar (pois ela herdará sobre tais bens). Se o homem não tem muitos bens particulares, mas construiu com seu trabalho um patrimônio maiordurante a relação, valerá mais a pena para a mulher unir-se estavelmente, pois ela meará e também herdará sobre tais bens.

Como é possível concluir empiricamente que o homem médio brasileiro possui mais bens adquiridos onerosamente durante a relação do que bens particulares, fica fácil constatar que – para a mulher – é mais vantajoso unir-se estavelmente do que casar. Optando pela união estável ela meará e também herdará sobre a massa patrimonial maior. Ou seja, há uma clara violação da regra constitucional que determinou que a lei deveria facilitar a conversão da união estável em casamento (Constituição Federal, art. 226 § 3º). Atualmente, é possível dizer que a lei está estimulando – como regra – a união estável e não sua conversão em casamento.

A normatização da família mereceria tratamento absolutamente preferencial na organização social, pois o primeiro vínculo numa sociedade é o familiar e as relações que se criam nesse ambiente geram consequências sociais, jurídicas e patrimoniais que merecem uma atenta observação do Poder Legislativo. No início do III milênio, não basta a mera previsão constitucional que define a união estável como entidade familiar. Exige-se agora uma ampla cadeia de proteção legal em respeito aos seres humanos que compõem tais famílias, seus descendentes e à sociedade de modo geral.

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