Bases da Posição dos Servidores Municipais Contra a Retomada do PL 11/2017

 

Coluna Democracia e Política

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Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

O “presente de Natal” do Prefeito aos servidores 

Depois de uma greve que encerrou com a vitória dos servidores e a retirada do PL 11/2017 pelo Prefeito Nelson Marchezan, o Prefeito, no último dia 13 de dezembro, decidiu que era hora de dar um “presente de Natal” aos servidores, com o pedido de desarquivamento do projeto que propõe modificações no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais e no seu Plano de Carreira. O projeto é criticado pelas entidades de servidores por atacar frontalmente direitos adquiridos, desvalorizar o serviço público municipal e implementar uma reforma gerencial com o fim de facilitar a privatização de serviços e órgãos. Tanto Simpa, Sindicato dos Municipários, que representa os servidores do poder Executivo, como o Sindicâmara, que representa os servidores do poder Legislativo, se manifestaram contrários ao projeto.

O Prefeito não poderia ter escolhido o pior momento para a retomada do projeto.  Com a retirada, os servidores imaginavam que teriam um pouco de paz para as festas de família após um ano atribulado de conflitos, de manifestações, onde muitos servidores sofreram em órgãos públicos o medo da demissão e o fim de sentido que isto acarreta. Agora, o fantasma da desestruturação da carreira pública retorna justamente no momento em que os servidores estariam em festa, trazendo a tristeza para centenas de família e angustia para servidores públicos concursados.  A razão é que o projeto neoliberal não pode parar.

 

Simpa e Sindicâmara unidos

As entidades de servidores já começaram a se organizar. As duas principais são Sindicato dos Municipários – Simpa, reúne associações de entidades representantes de carreiras do Poder Executivo, e o Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal de Porto Alegre, Sindicâmara, que ainda que seja solidário, participe de suas reuniões e integre o Conselho de Entidades Representativas de Classe, a rigor como entidade de classe de servidores legislativos raramente se manifestava publicamente. Nos últimos anos não tem sido assim. A razão dessa posição no passado é que  muitas vezes, medidas que afetavam os servidores do poder executivo não afetavam os servidores do poder legislativo em função da autonomia os poderes. É o caso do parcelamento salarial realizado pelo Prefeito Marchezan: ainda que os servidores do legislativo municipal sejam solidários ao movimento, não participaram da greve atual porque não seria justo com a instituição que preserva a integralidade de seus salários entrar em greve.

Mas com o retorno da tramitação do PL 11/2017 a pedido pelo Prefeito Marchezan, a situação mudou. Ele é nefasto para a carreira dos servidores públicos municipais pois, entre outras coisas, modifica os regimes de trabalho aos quais os servidores municipais, como um todo, estão subordinados. Isso significa que tantos servidores do executivo como do legislativo são afetados, razão pela qual é importante lembrar os dois documentos pelos quais os servidores da Câmara Municipal oferecem a base de sua posição contrária as medidas do projeto neoliberal em andamento na Prefeitura da Capital.

 

A Carta de Porto Alegre de Servidores do Poder Legislativo

O primeiro documento é a Carta de Porto Alegre. Ela foi assinada pelos servidores públicos do Brasil reunidos no XXXIII Congresso Brasileiro de Servidores de Câmaras Municipais, realizado em Porto Alegre no dia 24 de agosto de 2017. Eles tornaram pública a Carta consensual de sua interpretação sobre os ataques que vem sofrendo servidores públicos, de norte a sul do país. Na Carta manifestam-se contrários os projetos de nível federal, estadual e municipal em que governos retiram direitos e prerrogativas legais dos servidores públicos. Manifestam-se também pela defesa, em todos os níveis, dos direitos funcionais, dos trabalhadores do poder executivo e poder legislativo, das prerrogativas conquistas por classes e categorias ao longo da história administrativa de cada órgão que representam: esse ponto é muito importante porque combate a desunião apontada a categoria, que não existe, estratégia de fragilização do movimento adotada pelos governantes;

Uma denúncia importante da Carta é a critica às políticas neoliberais em andamento pela ênfase em políticas de privatização de órgãos públicos, abandono da máquina pública, congelamento de salários de servidores, assumindo o compromisso público por um Estado produtor de políticas públicas para todos. A crítica, em Porto Alegre, dirige-se a iniciativa do Prefeito em privatizar a Carris e o DMAE, objeto de amplo debate e o abandono por Marchezan, das políticas públicas do campo social.

Foto: Ederson Nunes/CMPA

Foto: Ederson Nunes/CMPA

 

A defesa do municipalismo

O ponto que aproxima servidores municipais de Porto Alegre dos servidores das demais câmaras municipais é a defesa da ampliação do municipalismo como fonte de democracia, com a valorização da ampliação da máquina pública que efetivamente destina-se a produção de políticas públicas em suas várias esferas, com a criação de cargos efetivos, por ingresso por concurso público, com a consequente redução do número de cargos comissionados

Qual é o ponto da Carta que vai na contramão da estratégia do Prefeito Nelson Marchezan Jr: é a defesa do servidor público como agente fundamental de políticas públicas, ator político-social responsável pela continuidade do governo, resguardando-lhe o direito inalienável a opinião, tomada de decisão e deliberação nas esferas de sua competência, exatamente contrária a prática do governo Nelson Marchezan, que revela desprezo pelo servidor público pelo parcelamento salarial e proposta de desvalorização das carreiras públicas.

 

O novo engajamento dos servidores do legislativo municipal

Esse grau de consciência só foi possível porque nas Câmaras Municipais, o engajamento político dos servidores e o debate sobre políticas públicas terminaram por ampliar a conscientização pelos problemas que gestões equivocadas podem trazer a administração pública, incentivando os servidores a produzirem ações visando a valorização do poder legislativo, a conscientização da população sobre a importância do serviço público, a formação de novas lideranças no poder legislativo e todas as ações necessárias para a construção de um projeto de reforma do estado democrática com a participação dos servidores públicos.

A Carta propõe incentivar a filiação não somente de servidores, mas de CCs em órgãos de representação de classe e categoria, porque as medidas de reforma atingem a todos, indistintamente, visando ao fortalecimento da tomada de posição política por servidores públicos e do legislativo.

A Carta propõe ainda o engajamento dos servidores públicos municipais de legislativos na agenda política local, enfatizando a redação de Cartas de Posição, audiências e reuniões com a autoridades, pois os riscos de danos ao patrimônio público por políticas públicas equivocadas, do ponto democrático e da cidadania devem ser combatidas. A Carta conclui com a afirmação fundamental de que servidores municipais “Reiteram o papel fundamental dos servidores públicos no fortalecimento do poder legislativo, incentivando sua qualificação, realização de concursos públicos, criação de Escolas do Legislativo, de modo a combater a ideia de servidor público como “bode expiatório” da sociedade”

 

O Manifesto dos Servidores da Câmara de Porto Alegre

O segundo documento é o Manifesto dos Servidores da Câmara Municipal de Porto Alegre, lido quatro meses antes, no dia 28 de abril, na rampa de acesso ao legislativo, onde foi anunciada a adesão da categoria a Greve Geral dos Servidores da Prefeitura Municipal de Porto Alegre iniciada no dia 28 de abril na luta nacional pela recusa da reforma trabalhista e previdenciária em andamento no Congresso Nacional e pela defesa do Estado Democrático de Direito no Brasil, no Estado e na cidade de Porto Alegre. Este ponto é essencial: o de que a crítica da condição nacional se estender a Porto Alegre.

O Manifesto dos Servidores da Câmara Municipal afirma que a cidade de Porto Alegre não está alheia as consequências do processo de reformas que acontece no país. Os servidores apontam que há um grave e iminente risco de ruptura da continuidade das políticas públicas em todos os níveis, inclusive municipal, devido a adoção pelo Prefeito eleito, Nelson Marchezan, do projeto neoliberal de desmonte do Estado em geral claramente visível nos processos em andamento à época, de reformas administrativas do governo Marchezan.  O manifesto afirma que a” adesão à greve dos servidores públicos municipais e inúmeras categorias sociais hoje colocadas em prática contra as reformas trabalhistas e da previdência ocorrem porque trata-se de reagir ao mais bem montado projeto de retrocesso social em curso em nosso pais. “

Palácio Aloísio Filho, sede da Câmara Municipal de Porto Alegre. I Foto: Ederson Nunes/CMPA

Palácio Aloísio Filho, sede da Câmara Municipal de Porto Alegre. I Foto: Ederson Nunes/CMPA

 

A crítica ao alinhamento Marchezan ao projeto neoliberal

Afirmam os servidores que esse projeto está alinhado e costurado. “São iniciativas do governo federal, através da proposta de Reforma Trabalhista e Previdenciária de Michel Temer que inevitavelmente colocarão um fim na ideia de futuro da maioria dos trabalhadores e dos servidores públicos de todos os níveis, inclusive municipal“. E afirmam que se trata de um processo de lupenproletarização do servidor público em todos os níveis, isto é, a derrubada de conquistas e direitos sociais. A crítica dos servidores ao governo Marchezan é a seu projeto de desmonte do Estado capitaneado, que, segundo eles, é alinhado a proposta do Presidente Michel Temer e do governador José Ivo Sartori “cujo resultado é transferir para o servidor público o ônus do pagamento da reforma do Estado e de retirar, do cidadão, direito a políticas públicas em todos os níveis. ” Por esta razão criticam o desmonte, no município da estrutura pública municipal, que provoca “o fim de processos de trabalho, rupturas de culturas institucionais com o prejuízo de servidores, e por consequência, da cidade“.

Em que momento do documento os servidores da Câmara Municipal declaram sua identidade de classe? Vale apena recuperar a passagem, é quando afirma que “Os servidores neste momento precisam estar unidos. Somos todos Municipários. Servidores da Câmara e do Executivo, devem se unificar porque a divisão só interessa aos gestores deste perverso processo de desmonte”. A afirmativa, então defendida para as reformas da previdência e trabalhista que atingirão em fundo os Municipários, indistintamente, valem para o momento em que o Prefeito retorna à tramitação do PL 11/2017. Esse momento é muito importante porque o Sindicâmara, que representa os funcionários do Legislativo, há havia optado por desenvolver sua luta de forma independente e neste exato momento “crê agora na necessidade de juntar forças com o SIMPA para criar uma frente sindical municipária. É preciso passar uma única mensagem: os servidores públicos municipais, em conjunto, recusam as propostas em andamento no governo federal, e no governo municipal, em particular”.

 

A recusa ao desmonte da carreira pública municipal

É claro para os servidores municipais, do Executivo e do Legislativo, que é clara a intenção do Prefeito em atingir direitos consagrados dos servidores que foram construídos ao longo de história de lutas e valorizam a carreira pública na capital. O processo já era visível na Câmara Municipal, onde categorias já haviam perdidos direitos adquiridos, constituindo-se uma prova da intenção de desmonte de conquistas sociais. Dizem seus signatários: ”é o projeto de setores aliados de grandes grupos de mídia e capital que espalham seus braços pelo poder executivo municipal, incentivando a descrença na sociedade do valor do servidor público, base da ação do poder executivo. ”

Para os servidores da Câmara Municipal o contexto é terrível porque inclusive setor público superior com o Ministério Público não tem cumprido seu papel “a corrupção avança sob os olhos de todos e servidores tem sido perseguido simplesmente por exporem suas opiniões”, afirmam. O discurso do Prefeito de Porto Alegre, o discurso do PSDB de “fazer a sua parte” significa exatamente isto, mobilização para desmontar a máquina pública municipal, daí o anúncio terrorista de suspensão de pagamentos de salário no poder executivo ter se confirmado, incapacidade de cumprir com suas obrigações com seus servidores. Os servidores do legislativo, apesar da autonomia o seu poder, sabem que podem ser afetados e já começam a se mobilizar.

 

Uma frente unitária contra o PL 11/2017

Para os servidores da Câmara Municipal, “os ataques realizados pelo poder executivo nos três níveis de poder repercutem diretamente na redução de sua capacidade de atendimento do cidadão, e na cidade, da garantia da prestação de bons serviços públicos. ” O Manifesto critica a reforma da previdência e a reforma trabalhista porque agudizam o quadro de instabilidade local, estabelecem polarização política que desencadeia atos intolerância quanto a servidores públicos e prejuízos no financiamento das formas da previdência do servidor. O prefeito está tendo sucesso em sua investida, já que aprovou o projeto de ampliação de alíquotas de desconto do Previmpa, que, segundo os servidores “expressa a opção por transferir para os trabalhadores municipais a obrigação com relação a seu futuro, apresentando os servidores como bode expiatório da crise das finanças municipais. “

É urgente, portanto, que os servidores municipais, da Câmara e do Executivo, unam-se as demais forças democráticas do pais neste dia 14 de dezembro. As entidades estão com ato marcado na Câmara Municipal: não se trata apenas de pedir aos vereadores a rejeição do PL 11/2017, mas de pressionar aos vereadores pela defesa de uma posição que fortaleça as instituições públicas e os direitos conquistados na defesa Estado democrático de direito. O Prefeito defende uma alternativa não democrática de gestão da coisa pública que tem sido acusada de retrocessos em todos os níveis e conclamam a população a combater as reformas do Prefeito Marchezan para o serviço público. Sua conclusão, de abril da corrente, ainda é válida ” defender o serviço público é defender políticas públicas neste momento em que ações dos governos municipais são tomadas no contexto de afronta dos direitos constitucionais de servidores públicos“.

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

 

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