Austeridade de estado como ideologia de mercado

Coluna Democracia e Política

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Foto: Joel Vargas/PMPA

Foto: Joel Vargas/PMPA

A austeridade no governo Marchezan

O lançamento de “Austeridade: a história de uma ideia perigosa”, de Mark Blyth (Editora Autonomia Literária, 2017), é uma notável crítica a ideologia da austeridade econômica apontada pela cartilha liberal como única saída para a crise.  Para o autor, quando o estado adota uma política de austeridade, todos perdem, mas os bancos continuam ganhando. Planos de austeridade fazem com que crises econômicas se tornem uma economia de crise onde os cortes de direitos trazem ainda mais recessão. A força do estudo está em explicar em detalhe as consequências da política econômica adotada por Nelson Marchezan Jr.

A|  razão é que o mote da adoção de medidas de austeridade foi também incorporado pelo prefeito de Porto Alegre desde sua posse, na sessão legislativa de 2 de janeiro de 2018. Gabriela Lara, em reportagem para o Jornal O Estado de São Paulo (2/1) afirmou que à época o Prefeito anunciou medidas de austeridade, como “suspender(á) por 90 dias tanto o pagamento de dívidas deixadas pela gestão anterior, de José Fortunati (PDT), como a criação de novas despesas, como diárias e passagens aéreas”. A reportagem faz alusão a entrevista coletiva de posse, na qual Marchezan previa 90 dias de suspensão de pagamentos de contas, renegociação de contratos, congelamento de novas contratações, mas das dez medidas que declarou, critica a jornalista, nenhuma falava de aumento de receitas. Pior, o Prefeito ao longo da entrevista demonstrava que não tinha nem ideia de qual o impacto das ações de austeridade ou metas específicas, o quanto iria economizar com as negociações de contratos.  O maior peso previa o Prefeito, ficava na conta do funcionalismo, já que previa a criação de um comitê para reduzir as despesas de pessoal, enxugamento dos gastos, com um projeto de reforma do Estatuto dos Servidores Públicos.

Austeridade somente para servidores

Para Blyth, a austeridade é a penitência – “dor virtuosa após a festa imoral”.  Não foi exatamente este o tom dos discursos de austeridade de Marchezan, que era preciso um momento doloroso, de corte, de que havíamos passado por períodos de festas imorais – gastos públicos sem limite, etc, etc? Segundo o raciocínio do autor, a ideia é perigosa na administração Marchezan por 3 razões. Primeiro porque não funciona, segundo porque depende de os servidores públicos pagarem pelos erros das administrações anteriores e terceiro porque repousa na falácia da composição: nem tudo que se aplica a família se verifica para administração pública.

O Prefeito apresenta razões para convencer os porto-alegrenses de que a austeridade na prefeitura é a opção correta de gestão afina, a prefeitura gasta demais, tem muitos funcionários em seu entendimento, mas esta opção política para levar a melhoria das condições da prefeitura é uma ideia perigosa. Como afirma Blytgh:

“Na melhor das hipóteses, ainda estamos salvando os bancos que começamos a salvar em 2008”, diz. Porquê? Porque por detrás desse argumento está a ideia de que o estado de bem-estar social é irreal, é grande e fora de controle. A política de austeridade impõe medidas de retirada da participação do estado de sua função social “Em uma democracia, a sustentabilidade política supera a necessidade econômica o tempo todo” (Blyth, p.30).

Política econômica zumbi

Faz sentido qualquer estado reduzir suas dívidas, o problema, para o autor, é que não podemos abrir caminho para o crescimento “todos ao mesmo tempo”.  Isso só dificulta a recuperação econômica, produz mais problemas do que soluções. Pois não é exatamente o que está fazendo Marchezan neste momento? Cortando “na carne” no exato momento em que o Estado e a União fazem a mesma coisa? “Tendemos a esquecer que alguém tem de gastar para que alguém poupe”, diz o autor, o que corrobora os resultados já demonstrados pelo estudo de Ghilis que apontou o significado da retirada dos recursos circulante dos Municipários da economia porto-alegrense só incrementam a crise das finanças da capital.

Para o autor, exatamente como está acontecendo no estado do Rio Grande do Sul, quando todos os entes recorrem a mesma estratégia de austeridade, isso se torna autodestrutivo. Não é esta exatamente a sensação de cidadãos e servidores públicos, que conquistas e instituições de grande valor estão caminhando, pelas mãos dos governantes de plantão, para sua destruição? Seguindo sua ideia, se todos os governos cortam os salários dos servidores, a economia quebra.  É o que o autor chama de economia zumbi, a austeridade é uma ideia reprovada mas que continua viva, e aqui no RS, depende de os servidores públicos pagarem os erros dos administradores de plantão, estratégia adotada com base na falácia da composição que diz que é preciso economizar como se a Prefeitura fosse “a casa da gente”: o problema é que,  se todos são austeros, a economia morre.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Alternativas à austeridade

Para Blyth, a austeridade só traz distúrbios e instabilidade, não o que diz no rótulo. Marchezan pensa que não há alternativas, mas há. O investimento no aumento do IPTU poderá deslanchar se for oferecido um mecanismo claro de verificação pelo cidadão, de seu aumento: se razoável, desaparece o medo do desconhecido. A proposta de repressão fiscal – mais impostos para instituições bancárias e de crédito – funciona porque coloca os bancos entre a cruz e a espada, como se sabe,  a saída é aumentar o custo do capital e não do trabalho. O custo deve ser repassado para o topo da pirâmide, e não para a base.  Chega do mercado depositar o peso de suas dividas sobre o estado.

Marchezan defende a austeridade por seu ódio contra o Estado e contra os servidores públicos. Autores como Carmem Reinhardt e Kenneth Rogoff em Growth in a Time of Debt afirmam que só depois do patamar de 90% é que pode-se considerar uma dívida governamental como crítica: o governo não olha o lado pior, o de que a poupança feitas às custas dos servidores podem trazer baixas nos impostos no futuro.

O problema que Marchezan não vê que os cortes que quer impor ao funcionalismo se viram contra ele mesmo e contra a cidade. Dividas são cíclicas e não seculares: simplesmente o prefeito não está autorizado a predizer o futuro – como diz quando fala incessantemente que “não haverá recursos”, exatamente o inverso da previsão do conselheiro econômico Gene Sperling, que em 1999 previu excedentes de 1,9 bilhão na economia americana, quando na realidade errou feio porque nem chegou perto. Crises são temporárias, mas para Marchezan, são eternas.

Dívida como moralidade

A questão é que a dívida da prefeitura é a melhor das más opções. A não ser que a intenção seja exatamente esta, a de aumentar a dívida privada dos cidadãos com os bancos e nesse sentido, Marchezan está transformando a política da dívida numa moralidade que desvia a culpa dos bancos – verdadeiro motivador de sua política – para o Estado. “Poucos de nós são convidados para a festa, mas nos pedem, a todos, que paguemos a conta”, diz Blyth.

Porquê? Se o pagamento dos salários dos servidores é cortado, os efeitos são distribuídos de forma injusta e insustentável.  A razão é que prejudica todos aqueles que dependem dos serviços públicos, em especial as classes baixas e médias. Mas mesmos os fracos superiores das classes médias terminarão por sentir seus efeitos, com infraestruturas desgastadas e desmotivação de servidores. Então, os cortes de Marchezan não prejudicam apenas os servidores, mas todos os que dependem dos serviços do governo. “A austeridade é, em primeiro lugar, e acima de tudo, um problema político de distribuição, e não um problema econômico de contabilidade”. Ela ignora as externalidades que gera, o impacto das opções do prefeito nas opções das demais pessoas.

Marchezan quer que os da base, os servidores públicos, paguem pelos erros dos do topo, os administradores, quer dizer, é também herança política dos administradores as responsabilidades de erros das gestões anteriores. Mas na medida em que Marchezan aplica ao município uma política de gestão austera,  é a cidade também que fica mais desigual, mas, frisa o autor, ricos e pobres vivem na mesma sociedade, para melhor ou pior. Porque políticas de austeridade se tornaram ideias-força (Morin)? O motivo é que a austeridade é um caminho ideológico, uma preferência estrutural que chegou ao Brasil vinda da Europa através de condutas que atrelam o Estado ao funcionamento bancário. O Estado se transformou de agente de bem-estar social em negócio de risco, transformado em fonte de liquidez para sistema bancário pesado. A austeridade tem assim, mais a dizer à economia propriamente dita do que a contabilidade do Estado “não se pode viver com ele, não se pode viver sem ele, não se quer pagá-lo.”

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

 

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