Assédio Sexual: nos bastidores de Hollywood

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Foto: pixabay

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“O predador quer seu silêncio. Isso alimenta seu poder e eles querem alimentar a sua vergonha. Nossos corpos não são despojos de guerra, troféus que podem ser colecionados para inflar o ego. Nossos corpos são nossos! Não pertencem a você! E quando você tenta tomar nossos corpos sem permissão, isso nos destrói como um vírus. Aos predadores como Weinstein, desconhecidos, parentes ou namorados eu digo ‘Você pode escolher seu pecado, mas você não pode escolher as consequências.’ Para as vítimas: ‘Eu acredito em vocês e eu irei ouvi-las'”. (Viola Davis, vencedora do Oscar por Um Limite Entre Nós).

Nos últimos dias, vieram a público múltiplas acusações de Assédio Sexual contra Harvey Weinstein, produtor cinematográfico considerado um Deus em Hollywood.

Inúmeras atrizes dentre elas, Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Ashley Judd e Rose McGowan, sentiram-se cada vez mais encorajadas a falar sobre suas dolorosas experiências. Talvez isto se deva ao fato da atual intolerância em relação a qualquer modalidade de assédio moral.

Executivos, assistentes e funcionários de suas empresas disseram que testemunharam ou tiveram conhecimento de ataques sexuais perpetrados por Weinstein, descrevendo contudo, o que era, em essência, uma cultura de cumplicidade e silêncio, com inúmeras pessoas plenamente conscientes do seu comportamento, mas “olhando para o outro lado”.

Em tese, manejando poder e dinheiro, assediaria jovens atrizes, amedrontando-as com destruição de suas carreiras em caso de rejeição de suas propostas sexuais. Afirmava que “Oh, as meninas sempre dizem não (…)”. E, a resposta típica do departamento pessoal de suas empresas às alegações de má conduta de Weinstein era “Esta é a companhia dele. Se você não gosta, pode sair”.

Um dos relatos mais chocantes vem da atriz Lucia Evans:

Lucia Stoller, agora Lucia Evans, foi abordada por Weinstein no Cipriani Upstairs, um clube em Nova York, em 2004, no verão antes de seu último ano no Middlebury College. Evans, que agora é consultora de marketing, queria ser uma atriz, e apesar de ter ouvido rumores sobre Weinstein, deixou que ele tivesse seu número. Weinstein começou a chamá-la tarde da noite, ou ter um assistente a chamá-la, pedindo para se encontrarem. Ela declinou, mas disse que faria leituras durante o dia para um executivo de elenco. Em pouco tempo, um assistente a chamou para organizar uma reunião diurna no escritório Miramax em Tribeca, primeiro com Weinstein e depois com um executivo de elenco, que era uma mulher.

“Eu estava como: Oh, uma mulher, ótimo, eu me sinto segura”, disse Evans.

Quando Evans chegou para a reunião, o prédio estava cheio de pessoas. Ela foi levada a um escritório com equipamento para exercícios, e caixas para viagem no chão. Weinstein estava lá, sozinho. Evans disse que o achava assustador.

“O tipo de controle que exerceu – era muito real”, ela me contou.

“Mesmo que sua presença fosse intimidante”.

Na reunião, Evans lembrou: “ele imediatamente foi, ao mesmo tempo, me lisonjeando e me degradando e me fazendo sentir mal por mim mesma”.

Weinstein disse que ela seria “muito boa em Project Runway” – o show, que Weinstein ajudou a produzir, estreado naquele ano, mas apenas se ela perdesse peso.

Ele também contou sobre dois scripts, um filme de terror e uma história de amor para adolescentes, e disse que um de seus associados discutiria com ela. “Naquele momento, foi quando ele me atacou”, disse Evans.

“Ele me forçou a fazer sexo oral com ele”. Quando ela se opôs, Weinstein tirou o pênis da calça e puxou sua cabeça para baixo. “Eu disse, uma e outra vez, eu não quero fazer isso, pare, não”, lembrou ela. “Eu tentei fugir, mas talvez eu não tentei o suficiente. Eu não queria chutá-lo ou lutar contra ele”. No final, ela disse: “ele é um cara grande. Ele me dominou”.

Ela acrescentou: “Eu simplesmente desisti de desistir. Essa é a parte mais horrível, e é por isso que ele conseguiu fazer isso por tanto tempo para tantas mulheres: as pessoas desistem e então sentem que é culpa sua”. Weinstein pareceu achar o encontro inigualável. “Era como se fosse mais um dia para ele”, disse Evans. “Não foi emoção”.

Depois, ele agiu como se nada tivesse acontecido. Ela se perguntou como a equipe de Weinstein não podia saber o que estava acontecendo.
Após, ela se encontrou com o executivo de casting feminino, que lhe enviou os roteiros, e também chegou a uma de suas leituras de aula de ação algumas semanas depois. Evans não acredita que o executivo estivesse ciente do comportamento de Weinstein. Weinstein, Evans disse, começou a chamá-la de novo tarde da noite.

Ela me disse que toda a sequência de eventos tinha uma qualidade rotineira. “Parece um processo muito simplificado”, disse ela.

“Diz o diretor de casting feminino: Harvey quer se encontrar. Tudo foi projetado para me sentir confortável antes de acontecer. E então, a vergonha no que aconteceu também foi projetada para manter a calma”.

Evans disse que, depois do incidente, “acabei de colocá-lo em uma parte do meu cérebro e fechou a porta”. Ela continuou a se culpar por não ter lutado mais. “Sempre foi minha culpa por não o parar”, disse ela. “Eu tive um problema alimentar por anos. Eu estava enojada comigo mesmo. É engraçado, todas essas coisas não relacionadas que eu fiz para me machucar por causa desta única coisa”. Evans contou a amigos um pouco do que aconteceu, mas sentiu-se incapaz de falar sobre isso.

“Eu arruinei vários relacionamentos realmente bons por causa disso. Meus trabalhos escolares definitivamente sofreram, e meus colegas de quarto me disseram para ir a um terapeuta porque achavam que eu iria me matar “.

Nos anos que se seguiram, Evans encontrou ocasionalmente Weinstein. Uma vez, enquanto ela estava caminhando com seu cachorro em Greenwich Village, ela o viu entrando em um carro. “Eu o vi muito claramente. Eu fiz contato visual “, disse ela.

“Lembro-me de calafrios na minha coluna simplesmente olhando para ele. Fiquei tão horrorizada. Tenho pesadelos sobre ele até hoje”. (1)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) caracteriza o Assédio Sexual no trabalho quando ele apresenta pelo menos uma das seguintes particularidades que atingem a pessoa assediada: ser claramente uma condição para dar ou manter o emprego; influir nas promoções ou na carreira; prejudicar o rendimento profissional; humilhar, insultar ou intimar.

Nascido na década de 70 nos Estados Unidos, em razão dos movimentos feministas e do ingresso massivo das mulheres no mercado de trabalho, em verdade, é modalidade de assédio moral, realizado sobretudo por homens, que mascarado por uma aparência sexual, realmente denota um exercício de poder. (2)

Recorde-se que se trata de comportamento grave que acarreta na vítima estresse, ansiedade, irritabilidade, diminuição da autoestima e problemas somáticos. Ainda, estresse pós-traumático, deterioração das relações interpessoais, apatia, transtornos do sono, depressão, insônia e outros. (3)

No Brasil, o Assédio Sexual é crime. O artigo 216-A do Código Penal Brasileiro, inserido pela Lei nº. 10.224/01 tipifica a conduta:

“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo 2º. A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.”

Em considerações nucleares, Renato de Mello Silveira assim define:

“A figura penal do assédio sexual, apesar de não mencionar que tipo de constrangimento está a analisar, menciona que o sujeito ativo deva ser uma pessoa que ocupe uma posição superior ou, ainda, que tenha ascendência na relação de trabalho sobre a vítima. Percebe-se, pois, que somente pode haver assédio, que sempre deve ser visto como doloso, quando há uma relação trabalhista preexistente. A questão do objeto de tutela da presente norma é complexa. Apesar de, hoje, se encontrar inserida em um esquadro de tutela dos crimes contra a dignidade sexual, não se esgota aí. Outros bens jurídicos, como a honra pessoal e o respeito às relações de trabalho, também podem estar presentes.” (4)

Destarte, o Assédio Sexual pode ser inserido numa tipologia de formas de violência contra a mulher, ao lado do estupro; do estelionato sexual – violação sexual mediante fraude; da violência doméstica; do tráfico de mulheres; do assédio verbal etc.

DENUNCIE. Procure policiais militares imediatamente. Formalize em qualquer delegacia de polícia. O Disque 180 também recebe denúncias de Assédio Sexual.

Esta trama de terror precisa ter um fim.

Referências:
(1) Disponível em: https://www.newyorker.com/news/news-desk/from-aggressive-overtures-to-sexual-assault-harvey-weinsteins-accusers-tell-their-stories. Acesso em: 07 out. 2017.
(2) VALLEJO, Pilar Rivas et. al. Tratamiento Integral del Acoso. Navarra: Editorial Arazandi, SA, 2015.
(3) Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/03/assedio-afeta-saude-fisica-e-emocional-das-mulheres. Acesso em: 13 out. 2017.
(4) REALE JR., Miguel et. al. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2017.

 

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

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