As limitações do direito real de habitação

Coluna Direito da Família e Direito Sucessório

O direito real de habitação é a possibilidade do cônjuge ou o companheiro permanecer no imóvel após o falecimento do seu marido/esposa ou convivente.

O direito real de habitação surge no sentido de não deixar a família desabrigada – cônjuge/convivente. A previsão encontra-se no art. 1.831 do Código Civil, vejamos:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Foto: Pixabay

Lembrando-se que onde está escrito cônjuge devemos ler também convivente.

Assim previsto, encontramos nos arts. 1.414 a 1.416 também do Código Civil quais as consequências do direito real de habitação, vejamos:

Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.

Art. 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la.

Art. 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.

Isso implica dizer que o cônjuge ou o convivente sobrevivente poderá usar a casa alheia. Contudo, não poderá emprestar nem alugar.

E foi exatamente esse o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça esposado na ementa abaixo:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. OMISSÃO E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. APLICAÇÃO DOS MESMOS DIREITOS E DOS MESMOS DEVERES ATRIBUÍDOS AO CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO OU COMODATO DO IMÓVEL OBJETO DO DIREITO DE USO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTATAÇÃO, ADEMAIS, DE QUE A TITULAR DO DIREITO NÃO RESIDE NO LOCAL. ANALOGIA ENTRE O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO E O BEM DE FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.

PREMISSAS FÁTICAS DISTINTAS.

1- Ação distribuída em 28/04/2006. Recurso especial interposto em 29/05/2013 e atribuído à Relatora em 25/08/2016.

2- O propósito recursal consiste em definir, para além da alegada negativa de prestação jurisdicional, se é admissível que o companheiro sobrevivente e titular do direito real de habitação celebre contrato de comodato com terceiro.

3- Não há violação ao art. 535, I e II, do CPC/73, quando se verifica que o acórdão recorrido se pronunciou precisamente sobre as questões suscitadas pela parte.

Foto: Unsplash

4- A interpretação sistemática do art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96, em sintonia com as regras do CC/1916 que regem a concessão do direito real de habitação, conduzem à conclusão de que ao companheiro sobrevivente é igualmente vedada a celebração de contrato de locação ou de comodato, não havendo justificativa teórica para, nesse particular, estabelecer-se distinção em relação à disciplina do direito real de habitação a que faz jus o cônjuge sobrevivente, especialmente quando o acórdão recorrido, soberano no exame dos fatos, concluiu inexistir prova de que a titular do direito ainda reside no imóvel que serviu de moradia com o companheiro falecido.

5- Não se admite o recurso especial quando a questão que se pretende ver examinada – analogia do direito real de habitação em relação ao bem de família – não foi suscitada e decidida pelo acórdão recorrido, nem tampouco foi suscitada em embargos de declaração.

Súmula 211/STJ.

6- A dessemelhança fática entre os paradigmas e o acórdão recorrido impedem o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial.

7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp 1654060/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 04/10/2018).

Cumpre destacar que o instituto na forma como se encontra pode gerar injustiça para com os demais herdeiros, que dependendo do caso concreto podem nunca ter efetivo acesso à sua herança, pois apesar de ter documentalmente aceito a herança, não poderão usufruir dela diante do direito real de habitação.

renata vilas boas
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

Se você deseja acompanhar as notícias do Jornal Estado de Direito, envie seu nome e a mensagem “JED” para o número (51) 99913-1398, assim incluiremos seu contato na lista de transmissão de notícias.

 

SEJA  APOIADOR

Valores sugeridos:  | R$ 20,00 | R$ 30,00 | R$ 50,00 | R$ 100,00 |

FORMAS DE PAGAMENTO

 
Depósito Bancário:

Estado de Direito Comunicação Social Ltda
Banco do Brasil 
Agência 3255-7
Conta Corrente 15.439-3
CNPJ 08.583.884.000/66
Pagseguro: (Boleto ou cartão de crédito)

 

R$10 |
R$15 |
R$20 |
R$25 |
R$50 |
R$100 |

 

Comente

    • Renata Malta Vilas-Bôas

      Obrigada Mirian por ter gostado do artigo. Escrever é uma tarefa solitária, e como nem sempre temos retorno, não sei se estou chegando às pessoas. Fico feliz por ter exteriorizado a sua opinião.
      Atenciosamente,
      Renata Vilas-Bôas

      Responder
  1. Adriana Costa

    Muito bom artigo!

    Gostaria de saber se o cônjuge sobrevivente tem o direito:
    1 – Se sendo o imóvel adquirido antes da constância do casamento, se ela tem o direito real de habitação?
    2 – Pode efetuar modificações no imóvel ao qual ficou com o direito real de habitação sem o consentimento dos herdeiros?
    Muito obrigada

    Responder
    • Renata Malta Vilas-Bôas

      Prezada Adriana
      Obrigada ! Bom saber que vc gostou.
      Se o imóvel for o único daquela espécie, mesmo tendo sido adquirido antes do casamento, o cônjuge sobrevivente tem o direito real de habitação.
      Com relação às modificações, o direito real de habitação não autoriza modificações, apenas a realização de benfeitorias que são para resguardar o imóvel, por exemplo consertar uma infiltração ou uma telha quebrada.
      Atenciosamente,
      Renata Vilas-Bôas

      Responder
  2. Octávio Sarmento Filho

    Boa Noite, excelente artigo.
    Aproveito para perguntar se, na ocorrência de inadimplência com as taxas condominiais e IPTU do imóvel habitado pela cônjuge sobrevivente, pode suscitar uma ação de retomada do imóvel, uma vez que o mesmo corre risco iminente penhora e leilão, prejudicando os direitos sobre o imóvel dos filhos herdeiros do falecido. Obrigado.

    Responder
    • Renata Malta Vilas-Bôas

      Prezado Octávio,

      Agradeço pelo elogio ao artigo.
      Caso ocorra a inadimplência é possível pedir a retomada do imóvel sim.
      Atenciosamente,
      Renata Vilas-Bôas

      Responder
  3. Edison

    Bom dia, grato pelo excelente artigo. Gostaria de saber se o direito real de habitação se extingue em caso do(a) cônjuge/convivente iniciar um novo relacionamento marital e continuar residindo no imóvel.

    Responder
    • Renata Malta Vilas-Bôas

      Prezado Edison

      Caso o cônjuge sobrevivente tenha um novo cônjuge ou companheiro, o direito real de habitação permanece.
      Atenciosamente,
      Renata Vilas-Bôas

      Responder
      • Walter Motta

        Ainda que o cônjuge sobrevivente não seja herdeiro ou meeiro, poderá continuar morando sem ônus no imóvel familiar. Somente ocorrerá a perda do direito real de habitação, no caso do cônjuge ou companheiro supérstite vir a se casar novamente ou, manter união estável !

        Responder
  4. MARIA

    Boa noite, meu irmão deixou um imóvel que iria morar com a atual esposa, ele veio a falecer antes de morarem no imóvel,gostaria de saber se ela tem direito a moradia,se ter que pagar aluguel, pois ele deixou uma filha menor do primeiro casamento.Obrigado

    Responder
    • Renata Malta Vilas-Bôas

      Prezada Maria

      Se for o único bem, é possível requerer o direito real de habitação. E não tem que pagar aluguel. E isso será decidido dentro do inventário dele.
      Atenciosamente,
      Renata Vilas-Bôas

      Responder
  5. Maria do Carmo

    boa noite, meu pai contraiu um segundo casamento, e com o falecimento dele, houve inventário e tb havia um testamento deixado por ele, 1/4 ideal da habitação para a viúva legatária. Isso confirma a morada da nossa madrasta na casa, com uma família imensa que ela tem? Como fica o direito das filhas (6) ? Só o artigo 1831 privilegia a viúva, com toda família e se houver um novo casamento também, isso não é estado de direito, é loucura

    Responder
  6. Robson

    Boa tarde,minha mãe faleceu o convivente dela tem o direito real de habitação?ele tem 80 anos ele pode levar uma filha de 50 anos morar com ele mesmo sendo para cuidar dele e ela tendo residencia própria?minha irma com 3 filho e herdeira não tem mais direitos?em caso de falecimento do senhor os filhos dele terá direito a herança ou seja parte do imóvel?
    muito obrigado!

    Responder
  7. Jessica

    Meu pai casou com 80 anos de idade , ele faleceu e a viuva continua morando na casa, apesar de termos descoberto que ela praticava maus tratos a ele. Pode fazer o inventario extrajudicial com ela morando na casa, é necessário que ela participe?

    Responder
  8. denise azevedo

    PARABENS POR DISPOR DE SEU TEMPO E CONHECIMENTO PARA AJUDAR O PROXIMO GOSTARIA DE SABER: A VIUVA MEEIRA DEIXA O IMOVEL LOGO APOS A MORTE DO MARIDO E MUDA-SE DURANTE 3 ANOS PARA UM IMOVEL ALUGADO TENDO NA PETIÇÃO DE INVENTARIO AFIRMADO QUE QUERIA VENDER O IMOVEL LOGO, TENDO OS HERDEIROS NÃO CONCORDADO COM O MOMENTO DA VENDA. AGORA, TOMOU POSSE DO IMOVEL E DIZ QUE TEM DIREITO, ME DE SUA OPINIÃO POR FAVOR GRATA DENISE

    Responder
  9. Roberto

    Gostaria de saber caso o imóvel possua mais casas no mesmo terreno, o direito do convivente abrange as demais casas também, ou os herdeiros teriam direito as demais casas dentro do terreno? Poderiam alugar sendo regularizado o desmenbramento por exemplo?

    Responder
  10. Joel Pereira da Silva

    Em 2014 o Genitor de minha esposa faleceu na época ele estava casado pelo regime de Separação Obrigatória de bens, a esposa ficou com direito Real de Habitação e ficou na casa após a partilha pelo inventário, minha esposa possui mais 10 irmãos que são os donos do imóvel, ocorre que a esposa não pagou o IPTU, e o município está cobrando de todos os irmãos proprietários inclusive com a intenção de colocar o CPF deles em divida ativa! Não seria a esposa obrigada a pagar o IPTU por morar no imóvel?

    Responder
  11. RUBENS EURIPEDES DE OLIVEIRA

    Dra. Renata, caso o cônjuge superstite vá morar com sua única filha, em razão das dificuldades de conseguir cuidadores, pode a viúva pedir uma autorização para que o juiz libere a venda do imóvel, onde as filhas do De Cujos também concordam com a venda, pois cabem a elas trinta por cento do valor do imóvel?

    Responder
  12. IVONE

    Boa Tarde
    Meu cliente é herderio de um quinhão por conta do falecimento de sua genitora.
    Ja foi feito inventario e seu pai ficou com 50% e seus filhos com 50%, Ocorre que doze anos depois seu pai casou se novamente pelo regime de separação de bens. Em 2019 faleceu a viuva tem direito em permanecer no imovel pleitando o direito real de habitação, mesmo nao tendo contribuido para adquiri o imovel

    Responder

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe