Aborto – parte 2

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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Descriminalização do aborto

Em março de 2017 afirmou-se que houve discussão da descriminalização do aborto em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 124306/RJ – Rio de Janeiro, pela Primeira Turma, em 9.8.2016, para excluir a incidência dos arts. 124 a 126 do Código Penal, que tipificam a prática como crime, do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre.

Agora, em razão da recente PEC 184/2015, de iniciativa do Senador Aécio Neves, que tinha em mente outra questão, na seara trabalhista, para a gestante quando há nascimento prematuro, reacendeu-se sua CRIMINALIZAÇÃO, em qualquer hipótese. Isso está causando acirrados debates na mídia e diferentes setores da sociedade.

Três são as exceções, conforme se acentuou:

Pode-se interromper a gravidez quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (art. 128, inciso I, do Código Penal) e se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (art. 128, inciso II, do Código Penal).

Outra possibilidade, criada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF nº 54, de 12.4.2012, também é aceita, decidiu-se, por maioria de votos, julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da intepretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada neste inciso.

Nova questão que será debatida no Tribunal Nacional é a retirada do feto acometido por Zika Virus.

Desejou-se criminalizar qualquer conduta abortiva, com o Projeto de Emenda em comento, com acréscimo no art. 1º, inciso III, da Lei da República, da seguinte redação “dignidade da pessoa humana, desde a concepção” e com a somatória, no art. 5º, “caput”, da “inviolabilidade à vida desde a concepção” (grifei).

Não parece ser a melhor técnica, sob os aspectos da bioética e do biodireito, para estabelecer novo padrão de comportamento.

Não se olvide que na própria Carta Magna o direito à vida não é absoluto, permitindo-se a pena de morte em tempos de guerra (art. 84, inciso XIX – art. 5º, XLVII, “a”).

 

A mulher

A mulher, independentemente de ter autonomia (princípio bioético) sobre seu corpo, nas duas situações legislativas, previstas no Código Penal, a solução, sob o ponto de vista emocional, psicológico e afetivo, não são desarrazoadas.

Ela sofreu uma violência em sua dignidade sexual, foi estuprada, não suporta carregar o fruto e, muito menos, dar à luz ao resultado do crime que sofreu, foi lesada em sua intimidade, sente-se envergonhada e humilhada – não teria condições de encarar o ser nascente, por lembrar-lhe sobre a infração penal sofrida -, por conseguinte, se desejar isso, pode realizar a interrupção da gravidez.

Fonte: pixabay

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Noutra hipótese, não se pode esperar que, heroicamente, dê sua vida para à criança nascer. Ao contrário, ao fazer isso, fará com que quem venha ao mundo já nasça sem mãe, fator de grandes perturbações no desenvolvimento de alguém. Tudo se agravaria se já fosse genitora de outras pessoas.

Quanto à outra hipótese, os Ministros do Supremo Tribunal debateram extensamente sobre o tema da anencefalia e suas consequências, não foram açodados, permitindo a não continuidade de uma gestação sem sucesso. Pensaram na criança e nos pais, evitando maiores desgastes de toda ordem para um e outros.

Na quarta situação, da Zika vírus, ainda sem decisão, tem-se a delicada questão de propiciar a vinda de um ser que já terá muitas dificuldades para crescer. Isso não aparenta ser o mais recomendado para ele e para os pais. Deve-se permitir a escolha.

Enfim, em questões familiares, de consciência, que envolvem vários sentimentos humanos, não convém ser cartesiano. É melhor deixar as pessoas que estão vivendo as diferentes situações conscientes das limitações e dos riscos, propiciando que optem pelo que acreditam ser melhor.

A maleabilidade e compreensão da sociedade pelas alternativas de quem se vê vitimizado, estupro; pode falecer ou ter o nascimento que findará em seguida mostra a concretude de um dos princípios da bioética, beneficência.

Aliás, quem conviverá com os efeitos do crime, a angústia das escolhas (viver em detrimento de quem foi concebido ou ter alguém que morrerá) é da mulher ou do casal. Eles terão de viver com isso. Criticar e não sofrer os efeitos das mazelas das vidas de terceiros é cômodo e não convém para se exercitar a solidariedade, princípio republicano.

Repisar o tema não é de somenos importância, pois, em uma oportunidade ou outra, sempre se tenta ou liberar de vez o aborto ou, novamente, restringir sua incidência.

 

Conclusão

Devem-se manter as permissões a respeito do aborto, quiçá até estender a hipótese para outras situações, dando-se o amparo necessário aos envolvidos, não só antes, mas também depois da interrupção da gravidez, para que em cada um dos casos não haja relativização dos atos admitidos, com a concretude da dignidade da pessoa humana.

 

506Edison Tetsuzo Namba é  Articulista do Estado de Direito. 49. Juiz de Direito em São Paulo. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Docente Formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Docente Assistente da Área Criminal do Curso de Inicial Funcional da Escola Paulista da Magistratura – EPM (Concursos 177º, 178º, 179º e 180º). Docente Civil da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB). Representante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Comitê Regional Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – São Paulo e no Comitê Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo. Autor do livro Manual de bioética e biodireito, São Paulo: Atlas, 2ª ed. 2015.

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