A verossimilhança das alegações na inversão do ônus da prova no CDC

A nossa Constituição Federal é fruto das circunstâncias e do período histórico em que foi editada. Naquele momento, passávamos de um Estado autoritário para um Estado Democrático de Direito. Nessa caminhada, os constituintes, temerosos com eventuais abusos, elaboraram uma Carta analítica, que se perde ao estabelecer inúmeras normas que não deveriam estar em uma Constituição.

O objetivo de uma lei fundamental é organizar o Estado, consagrar valores e indicar fins públicos a serem cumpridos, assegurar direitos e garantias individuais, bem como garantir o exato cumprimento das regras do jogo democrático.

Mais do que isso estará a Constituição excedendo em seus propósitos.

Mas o constituinte de 1987/88, ainda sob a sombra do regime militar, quis resguardar na Constituição questões intimamente ligadas à legislação ordinária. A consequência disso é que qualquer modificação legislativa no país, relativa a temas importantes, quase sempre depende da edição de uma emenda constitucional.

Por isso temos hoje quase 90 emendas constitucionais (é possível que até a publicação deste texto já estejamos próximos da centésima).

No caso, entretanto, da defesa do consumidor, andou bem o constituinte ao prever, no art. 5º,XXXVI, que é uma garantia fundamental a promoção dela, pelo Estado, através de lei específica.

Então, o CDC é uma garantia de toda e qualquer pessoa, haja vista que somos todos, de certo modo, consumidores. Essa garantia decorre da isonomia material, que impõe o tratamento desigual aos desiguais na medida de sua desigualdade.

Estando o consumidor em situação inferior ao do fornecedor, a lei deverá estabelecer direitos que o coloquem em uma posição de igualdade. Veja: o objetivo do CDC é colocar o consumidor no mesmo patamar do fornecedor, e não torna-lo superior a este.

E nesse propósito o CDC trouxe a regra da inversão ope iudicis do ônus da prova, prevista em seu art. 6º, VIII, que impõe ao fornecedor o encargo de provar que os fatos não ocorreram da forma como narrados pelo consumidor, ou que até mesmo sequer existiram.

A verossimilhança das alegações é uma prova de primeira aparência, e que se afere por regras de experiência comum, normalmente em decorrência de eventos corriqueiros, que ocorrem no dia-a-dia, e que assim dão credibilidade à versão do consumidor.

Sem prejuízo, a verossimilhança vai se extrair de elementos constantes dos próprios autos, que tragam indícios de que a narrativa autoral, de fato, pode ser verdadeira.

A mera alegação sem qualquer prova, isto é, sem uma mínima demonstração através de documentos ou de depoimentos de testemunhas, por exemplo, dificilmente será capaz de revelar a sua verossimilhança.

Portanto, fazem-se necessários ao menos indícios de que os fatos podem mesmo ter ocorrido, a justificar a inversão do ônus da prova, ou seja, é preciso que haja algum elemento probatório mínimo que permita impor àquele que não tem, originalmente, o encargo de produzir a prova, a sua produção.

Na prática, entretanto, o que se vê é magistrados deferindo a inversão do ônus probandi sem qualquer vestígio de prova que demonstre a ocorrência daquilo que foi narrado pelo consumidor.

Diante disso, os fornecedores ficam diante de verdadeira prova diabólica, que nada mais é do que aquela impossível, ou quase, de ser produzida.

Como provar, por exemplo, que o consumidor não ligou para a central de atendimento formulando uma reclamação sobre o defeito de um produto, ou pedindo a autorização, junto a uma operadora de plano de saúde, para a realização de um exame?

Nesses casos, é muito comum os consumidores fazerem tais alegações na inicial, mas sem informar sequer o horário que efetuaram a ligação, quem os atendeu, e muito menos o número de protocolo.

Esse é um cuidado mínimo que deve ser exigido dos consumidores, sob pena de inverter a balança da relação de consumo, colocando o consumidor, agora, em posição de extrema vantagem, e o fornecedor em absurda desvantagem. O risco do empreendimento não comporta a teoria do risco integral, que impõe uma responsabilidade mesmo sem a existência de nexo causal entre o fato e o dano. A isonomia, nesses casos, se rompe pelo outro lado.

Por isso, há que se aplicar a regra da inversão do ônus da prova com cautela, e isso porque o objetivo do diploma consumerista não é criar consumidores com superpoderes, invencíveis diante dos fornecedores. O objetivo do Direito é produzir Justiça, sendo que esta significa estar em consonância com o que é correto e justo. Punir aquele que nada fez, que nenhuma lesão causou, não é proteger o mais fraco, e sim dar a ele o que não merece ter. E isso vai à contramão da Justiça de Ulpiano, para quem esta nada mais é do que dar a cada um o que é seu de direito.

Autor: Thiago Ferreira Cardoso Neves. Professor da EMERJ e advogado do escritório Sylvio Capanema de Souza Advogados Associados

 

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