A responsabilidade do afeto

Publicado na 44ª edição do Jornal Estado de Direito.

Maria Berenice Dias

Advogada

Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB

Vice-Presidenta do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito das Famílias.

 

Quando se fala em afeto, em cuidado, sempre vem à mente a famosa frase de Saint-Exupéry: Você é eternamente responsável por aquele que cativas!

Parece piegas, mas a responsabilidade em proteger tem origem nos vínculos afetivos.Basta atentar ao comando constitucional que atribui primeiro à família a obrigação de cuidado para comcrianças e  idosos. Só após reconhece a responsabilidade da sociedade e do Estado. Não é por outro motivo que a família é reconhecida como a base da sociedade, sendo-lhe asseguradaespecial proteção. Claro que assim o Estado não precisa assumir responsabilidades sobre os mais vulneráveis.

Por isso ocorreu o alargamento do conceito de família, deslocado do tripé casamento-sexo-procriação. Com o reconhecimento da união estável reconheceu-se o vínculo extramatrimonial. Também aconteceu a dessexualizaçãodo seu conceito, ao ser assim consideradaa comunidade formada entre um dos pais e seus filhos, e que se passou a chamar de família monoparental.

Tanto é assim que o Código Civil gera a responsabilidade parental, o poder familiar, a obrigação alimentar e atéo direito sucessório, que nada mais é do que o cuidado depois da morte.

Esta nova feição do Direito das Famíliasse afasta do normativismo legalque busca a preservação da família dentro do conceito imposto pelas religiões. Uma união eterna, na pobreza, na tristeza e na doença. Até é possívelpensar se não foi por este motivo que se inventou vida após a morte, comoúnica forma de as pessoas libertarem- se do casamento.

O fato é que, em nome da sacralização desse conceito retrógado, muitas injustiças já foram feitas, como o não reconhecimento de filhos de relações extramatrimoniais, que persistiu por décadas. Mas injustiças ainda se fazem, como no caso de uniões paralelas que não são reconhecidas como união estável, ainda que apresentem todas as características legais. Mas há mais. Absurdamente são subtraídos efeitos patrimoniais ao casamento, quando um dos noivos tem mais de 70 anos.

Todas estas situaçõeschancelama irresponsabilidade dos homens.Afinal, estes são comportamentos prioritariamente masculinos. Eles é que tinham filhos ilegítimos, isto é, filhosfora do casamento. Os filhos fruto da infidelidade feminina são inseridos na família, em face dapresunção de paternidade: o pai é sempre o marido da mãe. Os homens sempre puderam ter novos vínculos afetivosao se separarem. As mulheres não. Eram difamadas por serem desquitadas, por não mais terem o “atributo”da virgindade, que sempre foi reconhecidocomo um valor agregado, símbolo de pureza e castidade. Além disso, elas ficavam com os filhos e era difícil achar um novo par.

Ainda hoje a cultura é machista e sexista, e isso se derramano âmbito do Direitodas Famílias.Relacionamentos afetivos geram direitos e deveres de parte aparte. É só existir um comprometimento mútuo para se estar frente a um vínculo familiar. Assim, quem ama – seja quem for –assume encargos. Como o afeto gera ônus e bônus, as obrigações são recíprocas. Este é o componente ético que precisa ser legitimado e preservado.

O ser humano busca a felicidade perpassando pelo estabelecimento de elos de afetividade. Há até uma música que diz: é improvável, é quase impossível, ver alguém feliz de fato sem alguém para amar.  Se as relações se estabelecem da forma não legal ou não convencional, cabe à justiça identificar a existência de um vínculo familiar para abrigá-las sob o manto da juridicidade. Essa é a única forma de se evitar injustiças: enxergar a realidade e flagrar as situações merecedoras de tutela.

Como a Constituição Federal consagra como princípio maior o respeito à dignidade do ser humano, é indispensável reconhecer que todos os cidadãos dispõem do direito individual à liberdade e dodireito social de escolha,que nada mais são do que o direito à felicidade.

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