A judicialização das políticas de saúde e o “juízo enganado”

No dia 04 de janeiro de 2015, o programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, divulgou matéria jornalística denunciando o mercado subterrâneo de comissões pagas por empresas fabricantes de órteses e próteses a médicos e profissionais de saúde. Denunciou, ainda, a utilização de ações judiciais como ferramenta para a obtenção de lucros ainda maiores. Ressaltou, ao fim, que o Poder Judiciário era enganado pelos supostos fraudadores. A reportagem causou perplexidade e deu origem à Comissão Parlamentar de Inquérito da “Máfia de Órteses e Próteses no Brasil” (goo.gl/7UpKG8).

Um dos pontos nodais da denúncia sugeria a manipulação da jurisdição – dos juízes e das funções essenciais à justiça – em favor dos interesses dos fraudadores. Isto é, algumas próteses e órteses somente eram disponibilizadas aos pacientes após o ajuizamento de ações judiciais que determinavam aos planos de saúde – ou ao SUS – a aquisição imediata daqueles produtos, conforme orientação médica. Não se sabia, no entanto, que por trás das ações judiciais estavam profissionais de saúde, hospitais e fabricantes que buscavam, tão somente, a ampliação dos lucros, em detrimento da saúde de pacientes e das melhores evidências científicas.

Pergunto: como é possível que um Poder do Estado Democrático tenha sido manipulado a tal ponto? Após uma breve anamnese, creio ter chegado a um diagnóstico parcial.

A judicialização das políticas de saúde[1] é uma realidade que tem desafiado os operadores do direito, profissionais de saúde, gestores públicos e pacientes. O Poder Judiciário, no entanto, não pode ser induzido ao erro com a aparente facilidade retratada pela matéria. Sua capacidade crítica de valoração e controle das provas científicas deve ser minimamente suficiente para inibir a supervalorização de qualquer prova que pretenda ter o status de ciência. É preciso distinguir a pesquisa dotada de dignidade científica da chamada junk science[2];é imperioso que o crescente papel político atribuído ao judiciário seja conduzido em direção à verdade científica, de forma a garantir que os direitos fundamentais em jogo sejam, em qualquer hipótese, associados às probabilidades estatísticas da melhor evidência científica então disponível. Explico.

Sabe-se que a judicialização da política, em apertada síntese, é resultado fenomenológico da constitucionalização do direito e da decorrente força normativa dos princípios. Daí é possível afirmar que sua característica mais inequívoca refere-se ao exercício de um antes atípico poder político pelo judiciário, como forma de garantir a efetividade de direitos fundamentais e a supremacia da Constituição.[3]

Não se trata de apontar o ativismo como um fenômeno negativo ou positivo, mas vislumbrá-lo sob a perspectiva histórica da transição do positivismo jurídico em direção às normas principiológicas, que valorizam a atuação do intérprete. Trata-se de um fenômeno que afeta a teoria da decisão judicial e expande o poder político do intérprete, “[…] deslocando o polo de tensão entre os poderes do Estado em direção à jurisdição (constitucional), pela impossibilidade de o legislativo (a lei) antever todas as hipóteses de aplicação”[4].

Na judicialização de direitos fundamentais não existem, materialmente, partes vitoriosas ou sucumbentes, mas tão somente a realização (ou não) do direito pleiteado, uma vez que não se admite um Estado Democrático de Direito que negue ou subverta direitos fundamentais. É natural concluir, portanto, que a justiciabilidade dos direitos fundamentais, mediante intervenções em políticas públicas, exige do Estado-juiz uma resposta tecnicamente correta[5]. Afinal, aqui não há meros interesses contrapostos ou pretensões resistidas, mas um direito fundamental que exige a devida delimitação no caso concreto.

Esse novel poder político associado ao Judiciário tem gerado intensos debates em torno das supostas liberdades hermenêuticas dos juízes[6], do desprestígio das regras em face dos princípios[7], da falta de parâmetros para o controle de conteúdo das decisões[8] e do protagonismo judicial[9]. Paulo Ferreira da Cunha, ironicamente, criou a metáfora do juiz Zorro, que com sua capa e suas impressões pessoais de justiça, resolveria com enorme facilidade os conflitos causados pela judicialização da política.[10]

Na judicialização das políticas de saúde, no entanto, entendo que os desafios já não repousam no chamado juízo de direito, uma vez que os contornos do direito à saúde e dos deveres prestacionais do Estado já estão relativamente bem colocados pelo ordenamento, pela doutrina e jurisprudência.

É, ao contrário, no juízo de fato ­­- ou na valoração das provas – que repousam os reptos a serem superados. É justamente neste ponto que os juízes têm sido enganados nos autos dos processos judiciais, especialmente nos casos em que a instrução probatória agregue conteúdo científico ou elementos metajurídicos (tal como nos processos em que são pleiteados medicamentos, próteses ou órteses).

A adequada valoração das provas científicas (premissas de fato), portanto, é indispensável à proteção do direito à saúde judicializado. Afinal, uma premissa fática falsa induzirá ponderações enviesadas e resultará na negação, subversão ou mitigação do direito à saúde, gerando uma decisão igualmente falsa (ou estranha à realidade) e, consequentemente, arbitrária.[11]

No entanto, verifica-se que parcela relevante das decisões judiciais que determinam a entrega de medicamentos, órteses ou próteses preocupa-se excessivamente com a construção argumentativa do juízo de direito, mas omite-se na avaliação crítica das provas juntadas aos autos (em regra, relatórios ou receitas médicas). O juízo de fato, portanto, tem sido negligenciado[12].

Cite-se, como exemplo, a emblemática entrevista de um juiz do Estado de São Paulo, concedida a um jornal de grande circulação, a respeito da judicialização das políticas de saúde: “Não sou médico nem devo sê-lo. Questiono o menos possível o pedido. Os tribunais geralmente confirmam essas decisões. A saúde pública é um problema crônico e o juiz acaba sendo um intermediário”.[13]

Pergunta-se: Qual o modelo de valoração probatória utilizado pelo magistrado? Afasta-se, de pronto, a persuasão racional (“questiono o menos possível o pedido”). Tampouco há uma convicção íntima (“não sou médico nem devo sê-lo”). Parece, simplesmente, não existir valoração.

No mesmo sentido é a fundamentação do Tribunal de Justiça de São Paulo, em um processo judicial no qual o autor pretendia acesso a medicamentos não padronizados pela vigilância sanitária brasileira:

[…] somente ao profissional médico cumpre o dever de prescrever a medicação ao paciente, sendo de sua exclusiva responsabilidade os resultados da prescrição, excluindo-se qualquer interferência. Por esta razão não colhe a argumentação da decisão de que os medicamentos solicitados, neste caso, não seriam a melhor indicação para sua saúde, por tratar-se de ingerência inadmissível do Poder Judiciário no âmbito da medicina. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido que o Estado não pode se negar a fornecer o medicamento em tal circunstância (Apelação Cível 994.08.150681-9).

Nota-se que, na decisão colacionada, o juízo de fato baseou-se no axioma (notavelmente equivocado) de que todas as decisões médicas, ainda que despidas de evidências sobre eficácia ou segurança, devem ser admitidas pelo Poder Judiciário a despeito de qualquer valoração probatória.

Neste caso, o acórdão reconhece, explicitamente, que não avalia ou valora a prova médica: acata-a em sua integridade, como se o juízo de fato e as premissas fáticas fossem irrelevantes ao juízo de direito e à realização do direito fundamental à saúde.[14]

No modelo de decisão acima colacionado, a busca pela verdade torna-se um som inaudível, prevalecendo a omissão em valorar a prova e a submissão do juízo a uma visão de mundo irreal e fora de seu tempo, que coloca o juiz como mera voz da vontade de terceiros (médicos, engenheiros, etc.).[15]

No exemplo citado, pior que recorrer ao Mundo 2 subjetivista de Karl Popper (“eu sei”)[16] e desprezar a prospecção do direito como integridade (em uma perspectiva dworkiana), o tribunal omitiu-se para afirmar: “eu não sei, portanto, omito-me em valorar a prova científica”.

Não se espera que o juiz-intérprete (mesmo em se tratando do juiz Hércules de Dworkin) tenha atribuições de perito ou que conduza ou presida a elaboração de provas científicas. A ele incumbe, no entanto, controlar a validade e a adequação metodológica da instrução probatória, conhecendo a fiabilidade científica do procedimento adotado e dos resultados produzidos. Isto é, compete ao juiz verificar o fundamento racional e epistêmico das provas científicas.

Assim como o juiz não é mais a boca da lei, ele também não pode ser considerado como um passível usuário de noções metajurídicas fornecidas ready made pela experiência coletiva, ou um elementar consumidor de regras e critérios dispostos de modo claro, completo e coerente no depósito constituído pelo senso comum. Em outras palavras: o juiz não tem mais à sua disposição uma imagem simples e ordenada do mundo, à qual possa reportar-se como pano de fundo de seus raciocínios.[17]

Logo, é imprescindível a cuidadosa distinção acerca do tipo de ciência trazida aos autos, qual o estatuto epistemológico dos conhecimentos que estão disponibilizados, seu grau de efetividade e de que modo pode contribuir para as afirmações sobre fatos exibidas no processo.[18]

Com efeito, não se trata de conhecer a ciência propriamente dita, mas seus métodos e epistemologia, a fim de estabelecer a fiabilidade e admissibilidade de provas científicas, aproveitando-as ou não. Ainda que se alegue que um controle dessa natureza seja complexo, não estando ao alcance de todos por demandar conhecimentos específicos sobre o método das investigações científicas que são conduzidas em cada caso, o certo é que o problema concerne, essencialmente, à cultura e formação profissional dos profissionais do direito.[19]

Não parece excessivo exigir dos profissionais do direito, que vivem em uma sociedade dominada pela tecnologia, com uma presença cada vez mais frequente da ciência nos processos judiciais, um nível adequado de informação e formação epistemológica.[20][21]

A adoção dessa perspectiva racionalista na valoração das provas não implica a desconstituição do princípio do livre convencimento motivado, mas sugere que a apreciação do conteúdo probatório seja orientada por regras da ciência, da lógica e da argumentação racional.[22] Dessa forma, a decisão judicial aproxima-se da verdade (ainda que em um sentido popperiano) e atende, ao menos sob o prisma das premissas fáticas, aos pressupostos necessários à busca pela melhor resposta jurisdicional possível.

Afinal, a judicialização das políticas públicas atrai para o juiz-intérprete o dever de garantir a supremacia da Constituição e a efetividade dos direitos fundamentais. Para que isso ocorra, sua decisão deve valorizar a verdade dos fatos e ser despida de qualquer arbitrariedade decisionista. Em contrapartida, faz surgir em favor das partes, como poder-dever do Estado-juiz, o direito a uma resposta mais próxima da verdade, tida como condição indispensável ao exercício da atividade política pelo judiciário[23].

Ao buscar a tutela jurisdicional, o cidadão pretende que seja garantido o seu direito fundamental à saúde, supostamente violado. Não se trata, simplesmente, de uma mera pretensão resistida. Aqui, repita-se, não há lide propriamente dita, mas uma relação bilateral entre administrado e Estado cujo objeto é, alfim, a garantia de realização do direito fundamental à saúde, diretamente pela Administração ou, posteriormente, por ordem do Poder Judiciário.

Assim, ao substituir-se à Administração Pública para decidir sobre políticas públicas sanitárias, o Poder Judiciário assume o dever de dar efetividade ao direito fundamental em debate, demonstrando o desvio do ato administrativo atacado e a correção de seu decisum substitutivo.

Em outras palavras, uma receita ou um relatório médico não representam, nem nunca representarão, a automática garantia do direito fundamental à saúde ou a verdade médico-científica. Ao contrário, qualquer documento dessa natureza carreado aos autos deve ser valorado criticamente pelo juiz e, eventualmente, por seus auxiliares. Às partes também assiste o dever de inaugurar o processo argumentativo em busca da verdade científica possível, juntando aos autos todos os elementos que possam viabilizar a realização do direito fundamental à saúde, o que não necessariamente corresponde ao provimento da demanda judicial.

Logo, a decisão judicial que pretende garantir o direito fundamental à saúde, em detrimento das políticas públicas previamente formuladas, deve ser cientificamente íntegra e crítica, imergindo no conteúdo probatório como meio para o adequado acesso às evidências científicas que, ao final, irão funcionar como substrato para a melhor resposta jurisdicional possível. Desse modo, assegura-se a redução de incertezas e garante-se a saúde do autor, determinando-se a disponibilização de drogas, próteses ou órteses tão somente nos casos em que sejam eficazes e seguras em uma perspectiva científica.

O juízo atento às premissas de fato, às evidências científicas e à realidade da pesquisa clínica global não será facilmente enganado. O direito fundamental e humano à saúde agradece.

 

Referências

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[1] Peço licença aos leitores para não adentrar nas discussões doutrinárias sobre o conceito de judicialização e ativismo judicial. Remeto, neste ponto, às lições de Suzanna Sherry (v. Why We Need More Judicial Activism.2013. Vanderbilt Public Law Research Paper 13-3. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2213372).

[2] A expressão junk science foi usada pela primeira vez em 1985, pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos: “The use of such invalid scientific evidence (commonly referred to as ‘junk science’) has resulted in findings of causation which simply cannot be justified or understood from the standpoint of the current state of credible scientific or medical knowledge. (…)”Another way in which causation often is undermined — also an increasingly serious problem in toxic tort cases — is the reliance by judges and juries on non-credible scientific or medical testimony, studies or opinions. It has become all too common for ‘experts’ or ‘studies’ on the fringes of or even well beyond the outer parameters of mainstream scientific or medical views to be presented to juries as valid evidence from which conclusions may be drawn. The use of such invalid scientific evidence (commonly referred to as ‘junk science’) has resulted in findings of causation which simply cannot be justified or understood from the standpoint of the current state of credible scientific and medical knowledge. Most importantly, this development has led to a deep and growing cynicism about the ability of tort law to deal with difficult scientific and medical concepts in a principled and rational way”. (v. Estados Unidos, Departamento de Justiça. Report of the Tort Policy Working Group on the Causes, Extent and Policy Implications of the Current Crisis in Insurance Availability and Affordabilityp. p. 39. Disponível em: http://eric.ed.gov/?id=ED274437

[3] Santos, Douglas Henrique Marin. Judicialização da política: desafios contemporâneos à teoria da decisão judicial. Curitiba: Juruá, 2014, p. 46.

[4] Streck, Lênio. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 59.

[5] Sobre a resposta jurisdicional tecnicamente correta, proponho que seja “(…) perscrutada sob a ótica da integridade do direito e objetivará a preservação da supremacia da Constituição (SC), a efetividade dos direitos fundamentais (EDF) e a valorização da verdade (VV), afastando-se decisões arbitrárias (ARB) que desconsiderem tais elementos. Note-se que a supremacia da ordem constitucional (SC) e a garantia de efetividade dos direitos fundamentais (EDF) dependem da bem sucedida delimitação das premissas de fato (DPF), investigadas no âmbito do conhecimento objetivo (mundo 3), sob a égide do falsificacionismo” (Santos, Douglas Henrique Marin. Judicialização da política..., p. 71). Essa melhor resposta jurisdicional, que valoriza a verdade das premissas fáticas e coloca-se como integração entre direito e política, fundamenta-se na comunicação interdisciplinar da integridade do direito dworkiana, do falsificacionismo e da teoria dos três mundos de Popper. v. Santos, Douglas Henrique Marin. Judicialização da política…

[6]Oliveira, Rafael Tomaz. O Congresso e o invencionismo hermenêutico do STF. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. 09.03.2013. Disponível em: <http://www.conjur.
com.br/2013-mar-09/diario-classe-parlamento-invencionismo-hermeneutico-stf>.

[7] Santos, Douglas Henrique Marin. Op. cit., p. 48.

[8] Idem, p. 53

[9] Streck, Lênio. Op. cit., p. 65

[10] Cunha, Paulo Ferreira da. Judicialização da saúde. Palestra proferida no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sério-Libanês. São Paulo, em 24.06.2011. Disponível em: <http://www.you-
tube.com/watch ?v=GHiGK37JETA>.

[11] Eis um exemplo bastante elucidativo: na Apelação Cível 994.08.150681-9, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a entrega do medicamento Vioxx ao autor do processo judicial. A droga, no entanto, já havia sido retirada do mercado – em 2004 – por suspeitas de ter provocado milhares de mortes e danos cardíacos a pacientes usuários (v. Bäck, Magnus; Yin, Li; Ingelsson, Erik. Cyclooxygenase-2 inhibitors and cardio-vascular risk in a nation-wide cohort study after the withdrawal ofrofecoxib. Eur Heart J., v. 33, n. 15, p. 1928-1933, 2012).

[12] De acordo com a literatura médica, as melhores evidências científicas sobre medicamentos, próteses e órteses são as revisões sistemáticas. A Colaboração Cochrane, organização mundial sem fim lucrativos, tem o maior banco de dados de revisões sistemáticas do planeta. No Brasil, o acesso a essas evidências é gratuito, por intermédio da Biblioteca Virtual da Organização Pan-americana de Saúde e da Universidade Federal de São Paulo (http://cochrane.bireme.br). O Centro Cochrane do Brasil (https://www.facebook.com/Cochrane.org.br), em parceria com o Instituto de Pesquisa do Hospital Sírio Libanês, tem conduzido cursos e treinamentos para profissionais do direito que tenham interesse nos temas da saúde e no conteúdo das revisões sistemáticas.

[13] Bassete, Fernanda. Hospital dá curso para orientar juiz e promotor. O Estado de São Paulo. Edição eletrônica de 28.04.2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,hospital-da-curso-para-orientar-juiz-e-promotor,711742,0.htm>.

[14] Qualificando sua opção pela desnecessidade da valoração racional da prova, o Tribunal de Justiça de São Paulo editou a Súmula 120, que consolida e uniformiza sua jurisprudência no seguinte sentido: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.

[15] Henrique Araújo (v. A matéria de facto no processo civil (da petição ao julgamento. Tribunal da Relação do Porto: Estudos e intervenções, 2009. Disponível em: <http://www.
trp.pt/estudos.html>) explica que “[n]um processo a matéria de facto é o corpo e o Direito é a alma”. Aproveitando-se do tom metafórico do juiz desembargador na Relação do Porto (Portugal), é consequência afirmar que a decisão judicial, despida da adequada delimitação dos fatos, corresponderia à alma sem corpo. Ou, até mesmo, a uma resposta judicial desencarnada.

[16] Para saber mais sobre a relação entre a teoria dos três mundos de Karl Popper e os desafios que permeiam a teoria da decisão em tempos de ativismo judicial, v. Santos, Douglas Henrique Marin. Judicialização da política…

[17] Taruffo, Michele. La prueba de los hechos. Madrid: Trotta, 2011, p. 118

[18]Taruffo, Michele. Conocimiento científico y estándares de prueba judicial. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, 2005, v. XXXVIII, p. 1309.

[19] Taruffo, Michele. Simplesmente la verdad: el juez y la construcción de los hechos. Madrid: Marcial Pons, 2010, p. 244-245

[20] Idem, ibidem.

[21] Em uma rápida pesquisa na Biblioteca Virtual de Saúde, em busca de estudos sobre um dos medicamentos mais controversos do momento (Xigris), encontrei uma Revisão Sistemática da Colaboração Cochrane, de 2007, com mais de 6000 pacientes, na qual os pesquisadores expressamente concluíram que a droga não deve ser utilizada para o tratamento de pacientes com sepse severa ou choque séptico, por não ser mais eficiente que o placebo. O administração do Xigris, ademais, parece estar associado com casos hemorragia, ampliando o risco de morte de pacientes usuários. Eis trecho significativo do estudo: “We found no evidence suggesting that APC reduced the risk of death in adults or children with severe sepsis or septic shock. On the contrary, APC increased the risk of serious bleeding. On 25th October 2011, the European Medicines Agency issued a press release on the worldwide withdrawal of Xigris® (human recombinant activated protein C) from the market by Eli Lilly due to lack of beneficial effect on 28-day mortality in the PROWESS-SHOCK trial. Furthermore, Eli Lily has announced the discontinuation of all ongoing clinical trials. APC should not be used for sepsis or septic shock outside randomized clinical trials. Current evidence does not support the use of human recombinant activated protein C in adults or children with severe sepsis or septic shock; moreover, there is an increased risk of bleeding associated with its use” (v. Martí-Carvajal Arturo J, Solà Ivan, Gluud Christian, Lathyris Dimitrios, Cardona Andrés Felipe. Human recombinant protein C for severe sepsis and septic shock in adult and paediatric patients. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 11, Art. No. CD004388. DOI: 10.1002/14651858.CD004388.pub3). Ou seja, o mais alto grau de evidencia científica atualmente disponível (revisão sistemática da Cochrane) concluiu que a droga é pouco ou nada eficiente quando comparada com placebo, tem um custo maior do que seus concorrentes e aumenta o risco de morte de pacientes por hemorragia. No entanto, em uma rápida pesquisa de jurisprudência no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo, encontrei o seguinte acórdão de 2013, assim ementado: “Contrato Prestação de serviços Plano de saúde Negativa de cobertura de medicamento Xigris Inadmissibilidade Inclusão, na apólice, de tratamento para a moléstia, devendo toda e qualquer medida tendente a minimizá-la ou eliminá-la ser coberta Dano moral Recusa injustificada de cobertura, quando solicitada Reconhecimento Manutenção do montante, fixado em R$ 30.000,00 Incidência dos juros de mora a partir da data do fato, a teor da Súmula nº 54 do STJ Recursos principal e adesivo improvidos”. Ou seja, o acórdão confirma que, com fulcro em mero receituário médico, a droga deve ser administrada à paciente, a despeito de ser ineficaz e aumentar o risco de óbito.

[22]Taruffo, Michele. Conocimiento científico…, p. 1297.

[23] Santos, Douglas Henrique Marin. Op. cit., p.60.

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