A estabilização da tutela de urgência antecipada no NCPC

Publicado na 46 edição do Jornal Estado de Direito.

Jaqueline Mielke Silva[1]

O NCPC denomina como “Tutela Provisória” o Livro V da Parte Geral, dispondo no art. 294serem espécies deste gênero, a tutela de urgência – antecipada e cautelar – e a tutela de evidência. Não é demasiado referir que, Ovídio Baptista da Silva há mais de três décadas demonstrou, com precisão, que a característica da provisoriedade diz respeito apenas à tutela antecipada e não à tutela cautelar, na exata medida em que o “provisório” pressupõe a substituição por algo definitivo. Assim, inexoravelmente, o provisório sempre implicará na antecipação do que se espera que ocorra definitivamente. Como na tutela cautelar não há antecipação dos efeitos da sentença final, mas mera preservação de direitos, não há que se falar em provisoriedade, mas sim em temporariedade.Tecnicamente, a melhor opção teria sido a adoção da expressão tutela de urgência como gênero, e não tutela provisória. Feita esta breve, mas necessária crítica à nomenclatura adotada no NCPC, entendemos que a estabilização da tutela antecipada, sem qualquer dúvida, é uma das principais inovações deste novo diploma legal.Nos termos do art. 304, em não sendo interposto recurso da decisão que conceder a tutela antecipada, a mesma torna-se estável. Isto significa dizer que o processo será extinto (art. 304, § 1° do NCPC), através de sentença.  Esta decisão não transita em julgado materialmente, tanto que poderá ser revista através de ação autônoma, nos termos do § 2° deste mesmo dispositivo legal.  Entretanto, o direito de “rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2° deste artigo, extingue-se após dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo” (§ 5° do art. 304 do NCPC). A estabilização da tutela antecipada tem inspiração no direito francês, no instituto processual do référé. Uma das características importantes desse instituto é sua autonomia. Ao contrário da nossa vigente tutela antecipada, que sempre estácondicionada ao julgamento do pedido principal,  não passando de um acessório, cujo destino fica sempre vinculado ao acertamento a ser feito futuramente, no direito francês, o procedimento do référé é completamente autônomo em relação ao processo de fundo. A tutela de urgência na França ocorre em processo cognitivo sumário, provisório, mas que não depende de posterior julgamento do pedido principal para confirmação do provimento emergencial.A autonomia em questão faz com que o juiz do référé não seja alguém que delibera no aguardo de uma posterior e necessária intervenção de fundo em outra prestação jurisdicional. Essa ulterior composição do litígio, de caráter definitivo, pode eventualmente acontecer, mas não como necessidade sistemática ou orgânica. Mesmo que os dois procedimentos girem em torno do mesmo litígio, não perseguem o mesmo objeto e, por isso, não pode um ser considerado como preliminar do outro.O fim principal e específico do référé não é a composição definitiva do conflito, mas sim a “estabilização de uma situação, a interrupção de uma ilicitude ou a paralisação de um abuso”. Mas tudo é feito sumariamente e sem aspiração de definitividade. O procedimento se encerra no plano da emergência, com provimento próprio e independente de qualquer outro processo. Mas a sentença é desprovida da autoridade de coisa julgada. Em relação a futuro e eventual processo principal ou de fundo, em torno da mesma controvérsia, o provimento référé é apenas provisório (embora não temporário nem acessório). Cabe às partes decidir sobre a instauração, ou não, do processo principal. Encerrado, o référé a solução judicial perdurará, sem limite temporal e sem depender de ulterior confirmação em processo definitivo[2].

[1]Doutora e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora do Curso de Pós-graduação stricto sensu da Faculdade IMED e da Faculdade INEDI – CESUCA e de outras instituições de ensino superior. Professora na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS, Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE, Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP, Escola Superior da Magistratura do Trabalho – FEMARGS,FundaçãoEscola da DefensoriaPública – FESDEP, EscolaVerboJurídico. Advogada.

Tags: ,

Comente

  1. Janete

    Eu gostaria de compreender o que acontece após a extinção do direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada (prazo de 2 anos para propositura da ação própria). Findo o prazo a tutela continua estabilizada, qual seria o meio para impugna-la? Não pode ser por ação rescisória pois mesmo após o término do prazo ela não tem status de coisa julgada. Ela continuará estabilizada eternamente sem a possibilidade de ser revogada?

    Responder
    • Dani

      Olá! Pelo meus estudos ela se tornará incontestável, fazendo coisa julgada material em cognição sumária.

      Responder
  2. Eva Sousa

    Olá! gostaria de saber se há estabilização da Tutela de Urgência antecedente de natureza antecipada em face da Fazenda Pública?
    Desde já agradeço.

    Responder

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe