122 – Semana –  O contrato de factoring

Leonardo Gomes de Aquino é articulista do Jornal Estado de Direito e responsável pela Coluna Descortinando o Direito Empresarial.

 

 

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122 – Semana –  O CONTRATO DE FACTORING

      O Banco Central, em 22 de fevereiro de 1995, editou a Resolução nº 2.144, conceituando este contrato como: “a atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, e compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços”, definição igualmente constante na legislação tributária que trata sobre o imposto de renda, na Lei nº 9.249/1995 alterada pela Medida Provisória nº 232, de 30.12.2004.

      O contrato de factoring (fatorização ou fomento mercantil) é aquele pelo qual a faturizadora se obriga a cobrar os devedores de um empresário, que figura nesta modalidade contratual como faturizado, prestando, portanto, a este os serviços de administração de crédito mediante uma remuneração pactuada entre as partes.

      As partes são o faturizador que é aquela que se obriga a cobrar os devedores de um empresário e o faturizado que presta a este os serviços de administração de crédito.

      A empresas factorizadoras não são instituições financeiras, visto não se encontrar no rol previsto da Lei 4.595/1964, que estrutura o sistema financeiro nacional (SFN), mas os serviços podem ser prestados por uma instituição financeira (REsp 1048341/RS de Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 10.2.2009, DJe 9.3.2009).

      É possível que a atividade de factoring seja exercida por qualquer empresaria desde que esteja devidamente registrada na junta comercial. Para isso é necessário que seja autorizada pelo BACEN e ainda que não cobre juros acima do previsto na legislação civil (art. 406 e 591 do CC), exceto nos casos da cobrança de valores de administração e seguro do crédito do contrato celebrado entre as partes, apresentando as empresas caráter mercantil.

      O STJ no REsp 1048341/RS de Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 10.2.2009, DJe 9.3.2009 já decidiu que “as empresas de “factoring” não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura”.

      O contrato é consensual, oneroso, atípico, de execução continuada, não formal e exclusivo a favor do faturizador, posto que este é o único descontante.

      O contrato de factoring não se confunde com o contrato de desconto bancário, visto que este é uma operação privativa dos bancos, e que se cede um título ou títulos da livre escolha do cliente.

      No factoring, a par de não ser uma operação privativa dos bancos, o que se cede é o próprio faturamento, obrigando-se o faturizador, ainda, a prestar serviços de organização e assessoria financeira para o cliente.

      Ademais no desconto bancário o banco não arca com o risco do eventual inadimplemento do devedor do título. Se este não paga pode devolver o título, respondendo o contratante (descontante) pelo débito em aberto.

  •    Diferença entre fomento mercantil e desconto bancário

      O instituto do desconto bancário foi muitas vezes confundido com o factoring, gerando grandes dificuldades na diferenciação entre as instituições financeiras e as sociedades de fomento mercantil. A possível equiparação dos dois institutos tornaria a atividade de factoring ilegal. Desta forma se faz necessário a diferenciação dos dois institutos.

  • Semelhanças entre os dois institutos:

      a) Ambos procuram satisfazer a necessidade de crédito da empresa cliente, detentora dos títulos decorrentes de vendas mercantis ou prestação de serviços a prazo;

      b) Todos os dois cobram uma remuneração para transformar o credito a prazo em credito à vista. A diferença aqui é o nome desta remuneração em cada instituto. No desconto de duplicatas é denominado taxa; já no factoring é conhecido por factor.

      Apesar das citadas semelhanças temos diferenças consideráveis entre eles, dentre as quais elencamos três:

      a) A primeira delas está no fato de que a instituição financeira que pratica o desconto bancário utiliza capital de terceiros para comprar os créditos de seus clientes. Já as sociedades de fomento mercantil(sociedades de factoring) deverão somente se valer de recursos próprios.

      b) Empresa de factoring adquire os títulos de créditos pro saluto e, assim deixa de ter direito de regresso contra a empresa cedente, caso o devedor não os liquide. Já no desconto, o direito de regresso remanesce, pois, neste caso, a cessão é pro solvendo, ou seja, caso a devedora não pague, a instituição financeira volta a cobrar o valor da empresa cedente. Esta é a diferença principal. Portanto na factoring os créditos são cedidos pro soluto e no Desconto pro solvendo.

      c) Nas palavras de Arnaldo Rizzardo (2014, p. 345) distingue-se o quantum do pagamento. No factoring, além daqueles encargos, ingressa mais a remuneração pelo serviço a ser executado; consistindo a transação numa venda do título, entra na remuneração o montante compensatório do risco que corre o factor de não receber o valor.

      Ressalta-se no entanto a importância das instituições de fomento mercantil ao setor de microfinanças brasileiro, não obstante não terem o status de instituições financeiras (REsp 1048341/RS de Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 10.2.2009, DJe 9.3.2009).

      Existem por sua vez duas modalidades de faturização, quais sejam:    

      a) de um lado, se a instituição financeira garante o pagamento das faturas antecipando o valor ao faturizado, tem-se o convencional factoring, ou seja, nesta modalidade, a empresa de factoring compra direitos creditórios ou ativos, oriundos de vendas a prazo. Esta cessão de direitos, chamada de pro soluto deve ser: documentada, notificada pelo empresário (vendedor) ao consumidor (sacado-devedor).;

      b) caso haja o pagamento do valor das faturas ao faturizado apenas no seu vencimento, temos o maturity factoring, ou seja, difere da modalidade convencional. Basta que o empresário (cedente), negocie os direitos com a empresa de factoring. Os direitos serão liquidados na data de seu vencimento.

      A doutrina, ainda, afirma que o Trustee, também é uma forma de factorização, pois consiste em uma gestão financeira e de negócios, aberta pelas empresas de factoring, envolvendo os serviços de administração das contas do cliente, buscando aperfeiçoar seu desempenho financeiro.

      Portanto, no contrato de fomento mercantil há três elementos para configuração do factoring, quais sejam: (i) serviços de administração do crédito; (ii) seguro; (iii) financiamento. Assim, a distinção entre convencional factoring e maturity factoring reside no próprio financiamento, caso exista teremos o factoring convencional, senão, estaremos falando do maturity factoring. Em síntese: o conventional factoring, tem evidente natureza bancária, em razão de se caracterizar como uma operação de intermediação creditícia, não existindo a mesma lógica quanto ao maturity factoring, posto que inexiste financiamento, assumindo os riscos de inadimplemento da fatura a faturizadora.

      No fomento mercantil ocorre uma administração de crédito por parte do fatorizadora que recebe um crédito emitido por terceiro, mas de titularidade do fatorizado. Assim, o fatorizado poderá transferir o crédito nas formas permitidas em direito que são: o endosso na própria cártula e a cessão de crédito por meio de contrato.

      Em que pese a natureza do contrato de fomento mercantil ser de assunção de riscos não existe óbice legal para que estipular a responsabilidade do faturizado por todas as obrigações inerentes ao endosso, inclusive quando à liquidez do título. Na verdade, salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária-faturizadora (art. 21 da Lei do Cheque).

      CHEQUE – ENDOSSO – FACTORING – RESPONSABILIDADE DA ENDOSSANTE – FATURIZADA PELO PAGAMENTO.

      Salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária-faturizadora (Lei do Cheque, Art. 21).

      (REsp 820672/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 6.3.2008, DJe 1.4.2008).

      Mas por outro lado, se torna possível a aplicação da oponibilidade das exceções pessoais quando “comprovada, todavia, a ciência, pelo terceiro adquirente, sobre a mácula no negócio jurídico que deu origem à emissão do cheque, as exceções pessoais do devedor passam a ser oponíveis ao portador, ainda que se trate de empresa de factoring (REsp 612423/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 1.6.2006, DJ 26.6.2006, p. 132).

      O STJ também tem compreendido que o fomento mercantil não admite a figura do endosso, uma vez que “no contrato de factoring, a transferência dos créditos não se opera por simples endosso, mas por cessão de crédito, subordinando-se, por consequência, à disciplina do art. 294 do Código Civil, contexto que autoriza ao devedor a oponibilidade das exceções pessoais em face da faturizadora” (AgInt no REsp 1015617/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 01/02/2017 e AgInt no AREsp 446.869/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017).

      Na situação da cessão de crédito decorrente de um contrato de factoring o STJ não admite “a estipulação de garantia em favor da empresa de factoring no que se refere, especificamente, ao inadimplemento dos títulos cedidos, salvo na hipótese em que a inadimplência é provocada pela própria empresa faturizada” (AgInt no AREsp 374.373/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 11/12/2017).

 

 

Leonardo Gomes de Aquino
* Leonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.
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