129 – Semana – Empresário individual casado

Leonardo Gomes de Aquino é articulista do Jornal Estado de Direito e responsável pela Coluna Descortinando o Direito Empresarial.

 

 

 

129 – Semana – Empresário individual casado

 

        O empresário casado não precisa de outorga conjugal para alienar ou gravar com ônus real os imóveis que integram o patrimônio da empresa, conforme determina o art. 978 do CC/2002.

        No entanto, o art. 1.647, I, do CC/2002 dispõe que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime de separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.

        O empresário individual casado nos regimes da comunhão parcial, participação final nos aquestos e da comunhão universal deverá observar a norma do art. 978 ou a do art. 1.647, I, do CC/2002?

Foto: Freepik

        O regime da comunhão parcial é o regime que vigora no casamento caso os habilitantes não se manifestem em contrário ao oficial do Registro Civil quando dão entrada ao processo de habilitação. Esse regime consiste na disposição da lei de que a propriedade comum dos bens do casal é aquela adquirida após a data do casamento e com os rendimentos do trabalho de um e outro cônjuge, mantendo-se os bens adquiridos antes do casamento (ou então recebidos como herança, a qualquer tempo) como pertencentes somente ao seu proprietário original.

        O regime da participação final dos aquestos é um sistema misto, pois, enquanto durar o casamento, cada cônjuge tem a exclusiva administração de seu patrimônio pessoal, mas só poderão alienar se forem bens móveis (art. 1.673 do CC/2002). Após a dissolução da sociedade conjugal, apuram-se os bens de cada cônjuge cabendo a cada metade dos adquiridos na constância do casamento. Este regime deve ser adotado mediante a lavratura de escritura pública para ter validade.

        O regime da comunhão universal de bens, que deve ser adotado mediante a lavratura de escritura pública como condição para sua validade e deve sua eficácia se efetivamente se lhe seguir o casamento, tem essa denominação porque universaliza o patrimônio do casal, ou seja, torna comum tudo o que o casal possui tanto patrimônio trazido para o casamento, havido por qualquer forma de aquisição no estado civil anterior, quanto patrimônio havido após a data do casamento, havido por compra, por doação como adiantamento de herança, por herança em inventário ou por qualquer outra forma de aquisição.

        Devemos ter especialmente atenção à situação do empresário individual casado pelos regimes da comunhão universal, comunhão parcial de bens e regime da participação final dos aquestos, e para os quais a empresa individual ou tenha sido constituída após o casamento, ou tendo sido constituída antes, não haja pacto antenupcial reservando algum bem.

        O empresário individual casado não é considerado pessoa jurídica. Logo, o empresário e seu cônjuge possuem o mesmo patrimônio. Ou seja, não há afetação (separação) de patrimônios na legislação, como regra geral.

        O patrimônio em comum do casal constitui uma universalidade de bens, na qual não há a especialização de nenhum bem em favor de um ou de outro cônjuge; cada um deles é proprietário de 50% (cinquenta por cento) de um patrimônio que pode ser constituído de bens móveis e imóveis, títulos, créditos, direitos, e tudo o mais que tenha cunho patrimonial. A especialização patrimonial somente pode acontecer em duas hipóteses: na dissolução da sociedade conjugal e no falecimento de um dos cônjuges. Vale dizer que, de um patrimônio de 100%, cada um dos cônjuges é proprietário de exatamente 50%, nem um centavo a menos, nem um centavo a mais.

        Desta forma, quando o art. 1.647, I, determina que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta,[1] alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis está referindo que o cônjuge na constituição do capital em seu requerimento de empresário não o poderá fazer seu o consentimento do outro cônjuge.

        O art. 978 demonstra que o “empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”. O que vem a ser patrimônio da empresa?

        Patrimônio é o conjunto de bens, direitos e obrigações que o sujeito de direito possui, ou seja, o patrimônio é toda universalidade de direitos em que há um “complexo de relações jurídicas economicamente apreciáveis de uma pessoa”,[2] e não um complexo de bens, como é o estabelecimento.

        Segundo Alberto Asquini, a terminologia empresa possui quatro perfis. A expressão pode ser vista sob o aspecto “subjetivo, funcional, patrimonial (ou objetivo) e corporativo”. Pelo primeiro, a empresa é vista como empresário, isto é, o sujeito de direito. Pelo perfil funcional, identifica-se a empresa à própria atividade. Pelo terceiro perfil, corresponde ao patrimônio aziendal ou estabelecimento. E, por fim, pelo perfil corporativo, ela é considerada uma instituição, na medida em que reúne pessoas – empresário e seus empregados – com propósitos comuns.[3]

        O atual direito civil no art. 1.142 demonstra que o termo empresa é considerado como atividade e sendo assim não pode deter patrimônio. Se a empresa não é sujeito, ela poderia ser o próprio patrimônio do empresário individual?

        Podemos afirmar que o empresário não poderia se desfazer do patrimônio da empresa, pois no conceito de patrimônio há bens intransmissíveis, tal como o nome empresarial (art. 1.164 do CC/2002).

        Segundo Marcelo Andrade Feres,[4] a terminologia patrimônio da empresa nada mais é que o próprio estabelecimento.

        Isso significa que quando da inscrição do requerimento de inscrição do empresário junto à Junta Comercial deverá ter a anuência do cônjuge, mas após esta constituição, o patrimônio, apesar de uno, passa a compor o capital social do empresário. Assim, o empresário poderá dispor de bens imóveis sem na anuência do cônjuge.

        Devemos deixar claro que o empresário individual não passa a ter responsabilidade limitada nem passa a ser considerado pessoa jurídica, pois este não é pessoa jurídica.[5] Ainda, que a lei tributária a equipare à pessoa jurídica, essa equiparação diz respeito apenas às normas de tributação, não se estendendo ao plano da responsabilidade patrimonial. Neste plano, há um único patrimônio, que responde pelas obrigações independentemente de sua natureza de seu titular, indistintamente.[6]

        O Enunciado nº 58 da II Jornada de Direito Comercial expõe que:

“O empresário individual casado é o destinatário da norma do art. 978 do CCB e não depende da outorga conjugal para alienar ou gravar de ônus real o imóvel utilizado no exercício da empresa, desde que exista prévia averbação de autorização conjugal à conferência do imóvel ao patrimônio empresarial no cartório de registro de imóveis, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no registro público de empresas mercantis.”

        No intuito de conferir maior segurança às relações empresariais, o legislador do Código Civil passou a exigir para ter eficácia perante terceiros a sentença que decretar ou homologar a separação judicial do empresário e o ato de reconciliação não podem ser opostos a terceiros, antes de arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 980 do CC/2002).

        O art. 979 do CC/2002 também determina que sejam “arquivados e averbados no Registro das Empresas, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação ou herança, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade”.

        A norma do art. 979 do CC/2002 tem como destinatários todos os empresários, mas a preocupação fundamental se destina ao empresário individual e os empresários que integrem sociedades não-personificadas ou que se submetam aos riscos da responsabilidade ilimitada, posto que nestes casos os empresários submetam o seu patrimônio à execução de seus credores, em caso de falência ou inadimplemento. Sendo assim, os credores ou consumidores destes empresários contarão com uma garantia maior na fiscalização e controle sobre o patrimônio disponível.

 

[1] O Código Civil trata deste tipo de regime nos arts. 1.687 e 1.688, sob a grafia “regime de separação de bens”.

[2] FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano. Roma: Athenaeum, 1921. p. 865, tradução livre de “il complesso dei rapporti giuridici valutabili in denaro che appartengono ad uma persona”. Apud TOMAZETTE, Marlon. Estabelecimento empresarial. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v. 2, n. 1, p. 305, jan.-jun. 2005.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1, p. 18.

[4] FÉRES, Marcelo Andrade. Estabelecimento empresarial. Trespasse e seus efeitos obrigacionais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 129.

[5] “Execução fiscal. Embargos. Penhora. Firma individual. Indistinção entre patrimônio da firma e de seu titular. Selic. Honorários advocatícios. 1. Tratando-se de comerciante individual, não há sentido em diferenciar a figura do comerciante da pessoa física, pois em verdade são uma só, sendo desnecessário o redirecionamento da execução. (…)” (TRF 4.ª Reg., 2.ª T., AC 2006.71.99.004178-0, rel. Dirceu de Almeida Soares, DE 19.12.2006).

[6] TRF 4.ª Reg., 2.ª T., AG 2006.04.00.005352-3, rel. Maria Helena Rau de Souza, DJ 02.08.2006.

 

Leonardo Gomes de Aquino
* Leonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.

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